QJMOTOR e Macbor. Encruzilhada ou vida a dois?
Autor: Fernando Pedrinho
Janeiro 22, 2023
O que leva um homem, com provas dadas na área comercial e de marketing do motociclismo ibérico, a optar por um projeto desconhecido é algo a que só ele pode responder. Quando essa pessoa se chama Paulo Sérgio Anjos e a marca é a QJMOTOR, a curiosidade em torno da mudança de camisola aguça-se ainda…

O que leva um homem, com provas dadas na área comercial e de marketing do motociclismo ibérico, a optar por um projeto desconhecido é algo a que só ele pode responder. Quando essa pessoa se chama Paulo Sérgio Anjos e a marca é a QJMOTOR, a curiosidade em torno da mudança de camisola aguça-se ainda mais, sobretudo se adicionarmos a Macbor à equação.

- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Álvaro Prieto, Grupo Geely, QJMOTOR, Alejandro Feliz, Luís Carvalho / Paulo Ministro

Paulo Sérgio Anjos tem um percurso bem conhecido no motociclismo nacional e ibérico. Ganhou nome na Sociedade Comercial do Vouga, com a KTM, mas destacou-se à frente da Kawasaki e da UM. Na Multimoto acumulou ainda a responsabilidade para os dois países peninsulares à frente da UM e Linhai.
Recentemente disse adeus a uma longa ligação ao conglomerado dos irmãos Duarte e a uma das marcas de maior renome a nível mundial. Tudo para abraçar a causa de uma ilustre desconhecida entre nós: a QJMOTOR. De imediato, a pergunta que ocorre a qualquer observador mais atento é: porquê trocar o conforto e sucesso garantidos por uma chinesa desconhecida?
O desafio
“Acima de tudo foi o desafio”, disse Paulo Anjos, atual diretor geral da Motos Bordoy Portugal e importador nacional da marca asiática. “Sou um otimista por natureza, não gosto de ficar estagnado, mas antes de projetos e desafios. Aceitei o da QJMOTOR de forma consciente, pois sei o que vou ter pela frente. Estamos a falar de um grupo como a Motos Bordoy, que tem mais de cinquenta anos de experiência no mercado ibérico e cuja marca de lançamento em Portugal, a Macbor, tem um futuro muito risonho.”
“Também o lançamento da QJMOTOR representa um longo caminho a percorrer. Mas de forma aliciante e com o respaldo de uma equipa muito forte, como é a da Motos Bordoy, e de quem está a montante, a Qianjiang suportada pelo grupo Geely. Não vai ser fácil, mas na minha vida sempre foi assim. Não sou um acomodado, nem um ‘yes man’: este projeto é a minha cara”.

O fator desiquilibrante
Mas qual foi o fator que gerou o desequilíbrio na vida deste doutorado em comunicação e o levou a mandar a segurança e a estabilidade às urtigas? “Acima de tudo as pessoas que estão à frente da Motos Bordoy e a confiança que depositaram em mim”, revelou num ameno fim de tarde em Benalmádena, com o mar de Alboran aos pés. “Aos 48 anos de idade, deram-me esta responsabilidade, mas sobretudo mostraram que me queriam muito na equipa. Para um profissional é sempre importante quando a parte empregadora mostra esses sinais. Foi esse o fator decisivo que me levou a abraçar este projeto”.
O balanço de uma marca ‘bebé’ em Portugal
A Motos Bordoy está em Portugal há muito pouco tempo, se compararmos com o tempo de permanência dos gigantes que se estabeleceram e expandiram no nosso país nas últimas décadas. “Lançou-se em Portugal há cerca de dois anos com a Macbor, na altura foi por intermédio de uma agência que tinha um comercial e estabeleceu a rede da marca, num trabalho que foi bem feito”, relembrou Paulo Anjos. “Nessa altura, o principal objetivo da Motos Bordoy era perceber como funcionava o mercado português, que sabemos ser totalmente diferente do espanhol. Esse primeiro passo foi dado no final de 2020 e quando foi-lhes entregue a representação da QJMOTOR para o mercado ibérico, deu-se o passo seguinte. Que passa por estabelecer uma operação completa em Portugal, o que começou a ser desenvolvido desde Junho de 2022”.

Quartel-General em Águeda
A Motos Bordoy Portugal, ou simplificadamente MB Portugal, está sedeada em Águeda, possivelmente a cidade portuguesa com mais pergaminhos nas duas rodas. “Temos um ‘showroom’ com quinhentos metros quadrados, onde estão expostas as gamas das duas marcas: QJMOTOR e Macbor. A equipa é constituída por quatro pessoas, comigo à cabeça do projeto, um comercial, uma administrativa e uma responsável de marketing. Todos os passos foram dados de forma segura, desde a implementação da empresa, à criação das bases para a Motos Bordoy e do lançamento da QJMOTOR. Queremos ter do nosso lado os distribuidores que acreditem no produto, mas acima de tudo, no projeto, pois pretendemos ser um ‘player’ no mercado nacional”.
A rede de distribuição
Nesta fase, a implementação de uma rede de distribuição que permita cobrir o território nacional e os segmentos ao alcance das gamas Macbor e QJMOTOR assume primordial importância. Que fases são necessárias para atingir este objetivo? “Em 2023 tentaremos cobrir o território nacional, não só continental como as ilhas”, confirmou Paulo Anjos. “Queremos estar nos sítios certos com os concessionários certos e não temos pressa para recrutar os parceiros que acreditem e defendam o projeto. Sempre com olhos postos no que a marca vai ter num futuro que não é longínquo. Aliás, contamos ter, já em meados de 2023, uma gama que abranja quase todos os segmentos das duas rodas, ATVs, que foram apresentados no EICMA, e de motorização elétrica”.
Macbor e QJMOTOR, convivência ou conflito?
A convivência das duas marcas não é, necessariamente, uma imposição para um concessionário da MB Portugal, como nos confirmou o diretor geral do jovem importador. “A nossa ideia passa por ter concessionários separados, mas nalgumas cidades ou províncias será mais complicado pela limitação de casas existentes”, adiantou. “Nesse caso, se virmos que o concessionário da Macbor pode defender, também, os interesses da QJMOTOR, porque não? Ainda assim, como disse, a nossa primeira opção será ter um concessionário para cada marca”.
E a conflitualidade latente entre ambas as gamas? “Não existe, porque a Macbor irá continuar com os seus modelos de 125cc ‘custom’ e mais clássicos, junto com os de 500cc scrambler, com a Eight Mile, e Trail, com a Montana XR5. Por seu turno a QJMOTOR terá, também, modelos 125cc só que ‘naked’ – a chegar na próxima primavera – e de média cilindrada. Mas abrangendo mais segmentos e diferentes capacidades de motor, do que o conseguido pela Macbor”.
A base Macbor
Perante o cenário acima descrito, o que impede um concessionário de tentar meter todas as ‘fichas’ na QJMOTOR, em detrimento de uma gama mais limitada como sucede com a Macbor? “Se olhares para a conjuntura atual temos apenas um modelo de 125cc na gama da QJMOTOR o qual, só estará disponível a partir deste mês de janeiro, o que não sucede com a Macbor. A gama da QJMOTOR está focada nos modelos de 300cc até 800cc. A Macbor garante-nos essa base de 125cc que é tão importante para o mercado nacional.
Numa perspetiva de futuro, a Macbor continuará a focar-se nas oitavo de litro e quinhentos, enquanto a QJMOTOR tem motores de 800cc, como na trail SRT800, e apresentou uma unidade de 900cc na ‘naked’ exibida no Salão de Milão. Aliás, Este motor deverá servir de base para modelos de outros segmentos, como o das trail e ‘custom’. Afinal, isso alivia, de uma forma muito clara, a pressão sobre a Macbor de ter crescer a cilindrada do seus motores”.

QJMOTOR e Macbor com filosofias distintas
Ambas as marcas baseiam-se em filosofias muito distintas, que se refletem nos critérios de definição das respetivas gamas. Enquanto a Motos Bordoy criou a marca própria, Macbor, cuja produção terceiriza na China para venda no mercado ibérico, a QJMOTOR é um fabricante de uma dimensão totalmente distinta. Já que define a sua gama e a propõe aos importadores a nível mundial, entre os quais se encontra a Motos Bordoy. “Isso é, para nós, uma mais-valia”, explicou Paulo Anjos, “porque somos nós que definimos a gama que queremos ter na Macbor. É evidente que se identificarmos potenciais modelos que colidam diretamente com os da QJMOTOR não os iremos produzir. A QJMOTOR dá muita atenção à opinião dos distribuidores europeus, não só pela experiência acumulada, mas pelas indicações que podem ser dadas sob quais os segmentos em voga na Europa e os que poderão vir a ter mais sucesso num futuro próximo”.
Risco de canibalismo?
Numa comparação de David com Golias, não há o risco de a Motos Bordoy extinguir a Macbor e dedicar-se por completo à QJMOTOR, solicitando uma gama que integre os segmentos cobertos pela marca própria? “Não, porque temos ideias muito claras”, tranquilizou Paulo Anjos os adeptos da marca espanhola. “A Macbor será a nossa marca de referência para o mercado ibérico, enquanto a QJMOTOR será uma marca importante, nos próximos cinco anos, no mercado europeu. Toda a aposta da Qianjiang e do grupo Geely em novas tecnologias relacionadas com a mobilidade têm na QJMOTOR um importante vetor para alcançar esse desiderato”.
Diferenciação numa galáxia de estrelas
O grupo Geely inclui uma constelação de estrelas da indústria automóvel, onde se encontram a Proton, Lynk & Go (com um modelo de negócio em Espanha muito bem-sucedido para estes híbridos), Lotus, os elétricos exclusivos da Polestar, sem esquecer a cereja no topo do bolo, a renomada Volvo.
Com a centenária Benelli a fazer parte do cardápio de marcas da Qjiang, o que poderá ser o fator de diferenciação que a gama QJMOTOR poderá oferecer ao motociclista português, face a uma concorrência tão forte e de há tanto estabelecida no retângulo nacional? “Vivemos tempos diferentes em que os grupos e marcas chinesas estão a evoluir e a posicionar-se na vanguarda da tecnologia. Nos anos setenta experimentámos algo semelhante na passagem do domínio europeu para o dos construtores japoneses. Nessa altura ficámos reticentes e resistimos à entrada do produto nipónico, mas atualmente é o que toda a gente sabe, com todos a reconhecerem-lhe enorme qualidade.
Acho que nos próximos cinco anos o produto chinês irá liderar, não só a área do motociclo mas também no automóvel. A China tem toda a tecnologia e meios necessários para a desenvolverem.
A QJMOTOR tem por detrás um grupo tão forte como a Geely, com toda a tecnologia que advém da indústria automóvel. Conta ainda com a experiência de oito anos adquirida através da Benelli – muito bem-sucedida no mercado europeu – no meio das duas rodas. Por tudo isto, a QJMOTOR só pode ser mais um sucesso garantido a muito curto prazo”.

O estigma chinês a desvanecer
O ‘made in China’ representa ainda um estigma importante a ter em conta. Sobretudo na área do motociclismo, onde, durante anos a fio, se viram produtos de uma qualidade e segurança muito abaixo do exigido pelos consumidores europeus. Fabricado na China significa um preço baixo e uma expetativa de qualidade, fiabilidade e prestações francamente abaixo do que é feito na Europa, Japão e América do Norte, ou até mesmo na Formosa (vulgo ‘Taiwan’).
Mas as últimas indicações dadas pelos grupos chineses apontam para uma alteração clara deste posicionamento. A QJMOTOR parece querer apostar nesta tendência trilhada por marcas como a CFMOTO ou Benelli da nova geração. “É um estigma que tem vindo a desvanecer-se”, reconhece Paulo Anjos.
“Olhando para o ‘top 10’ do mercado nacional encontramos quatro ou cinco marcas chinesas, o que quer dizer alguma coisa. Diariamente, essas marcas encarregam-se de desmistificar esse medo. Vê o caso da Xiaomi, que é uma marca de topo na sua área e 100% chinesa. Acreditamos tanto no nosso produto que até oferecemos seis anos de garantia”.

Líder de mercado em Portugal?
Pode uma marca chinesa chegar a liderar as vendas do mercado nacional, em termos absolutos? “Quem sabe?”, ripostou Paulo Anjos devolvendo a questão. “Tudo dependerá dos modelos que formos lançando, pois sabemos que temos de estar presentes nalguns segmentos importantes”, fez questão de assinalar. “É um caminho muito duro e nada fácil, pois há marcas muito importantes presentes no mercado nacional, com um historial bem conhecido, mas estamos otimistas. Não vamos colocar a fasquia muito alta, mas mostrar no quotidiano o nosso trabalho e vontade, contando com o profissionalismo dos nossos concessionários, pois acho que vamos ter uma palavra a dizer no futuro”.
Mobilidade elétrica e um ‘rebuçado’ chamado Kove
E a parte elétrica? O que se pode esperar das marcas do universo MB? “É o futuro! Estamos ainda numa fase embrionária e temos um longo caminho a percorrer. Contudo, é o futuro e todas as marcas estão a preparar-se para ele”.

Diria que foi a marca sensação do último Salão de Milão, por via das espetaculares motos que de todo-o-terreno que estrearam no último Paris-Dakar, pelas mãos de três pilotos chineses, ou do anúncio de uma equipa no Mundial de Moto3 e outra na Supersport 300, já este ano. Os ‘zunzuns’ à volta da marca tibetana e da Motos Bordoy não cessaram desde o certame milanês… “É uma boa marca, sem dúvida”, disse com uma gargalhada à mistura. “Conhecemos bem a Kove porque são eles que produzem as nossas Macbor XR5 Montana e a Eight Mile 500. Como se costuma dizer no norte de Portugal, não confirmo nem desminto. O que posso dizer é que estamos numa fase de conclusão a possibilidade de podemos vir a representar a Kove em Espanha e Portugal”.
Esperemos para ver… Mas com a certeza de que aqui, em MotoX.pt vamos estar muito atentos aos próximos capítulos desta nova e surpreendente aventura.
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