A estreia da QJMOTOR em Portugal e no mercado ibérico efetua-se através de uma ‘naked’ de média-baixa cilindrada, apesar de a marca ter na sua gama modelos de aventura de 800cc. Modelo competente, apelativo, de preço competitivo e uma garantia pouco menos que ‘vitalícia’, a QJMOTOR SRK400 chega pronta a demonstrar que as motos chinesas estão a chegar a um patamar que, paulatinamente, lhes permite ombrear com qualquer concorrente, independentemente da sua origem.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Álvaro Prieto
Este é o novo paradigma! O período que se seguiu à pandemia de Covid-19 parece ter marcado o ponto de viragem para as marcas chinesas. Assentes em pilhas de dinheiro, as casas do Império do Meio vieram impor uma nova dinâmica ao mercado das duas rodas. Os lançamentos de novos modelos sucedem-se, originando a avalanche de motos chinesas que pudemos ver nos últimos salões internacionais, como o EICMA, em Itália. Mas também de novas marcas, sendo o ponto comum a praticamente todas elas o apuro estético, a subida de qualidade, a diversidade da gama e um preço competitivo. O que as coloca como novos intervenientes entre os habituais ‘players’.
“Os fabricantes chineses passaram de produtores de motos para terceiros (OEM) para passarem a ter marca própria”, dizia o diretor de marketing e comunicação da Motos Bordoy, Alessandro Biffano. Pouco a pouco, o estigma do ‘made in China’, também no que a motos toca, parece ter os dias contados. Algo que os próximos anos poderão confirmar.
‘Irmã’ da Benelli, Volvo e Polestar
A QJMOTOR chega até nós (tal como em Espanha) pelas mãos da Motos Bordoy, a cinquentenária empresa fundada por Jaime Bordoy e continuada pelos irmãos Albert e Jordi, mais conhecida pela marca própria Macbor.
Na origem, a QJ está integrada no conglomerado Qianjiang Motor, que é um dos maiores fabricantes chineses de motociclos e surpreendeu o mundo ao adquirir a centenária Benelli em 2005. Já em 2016, a Qianjiang passou para a galáxia da Zejhiang Geely Holding Group, um dos colossos da indústria automóvel, que integra marcas tão diversificadas como a própria Geely, mas sobretudo as renomadas Volvo, Polestar e Lotus, a que se juntam Geometry, Lynk & Go, Proton assim como a gestão conjunta com a Mercedez-Benz AG nos citadinos Smart.
Tal como sucede na indústria automóvel com a partilha de plataformas entre diversas marcas, ninguém me tira da cabeça que os responsáveis do projeto não estiveram com meias medidas e olharam para o baú de soluções da ‘mana’ Benelli, recuperando a 302S para criar a QJMOTOR SRK400. Digo isto pois a semelhança estética é por demais evidente, algo a que uma espreitadela à ficha técnica da sino-italiana apenas confirma. É sabido que os responsáveis da casa de Pesaro não gostam de analogias com a recém-chegada da família Qianjiang Motor. Mas os fatos são por demais evidentes!
Desenho arrojado, mas familiar
Sob estética agressiva de uma ‘streefighter’, os engenheiros adotaram um motor de maior capacidade. Uma tática comum quando a norma Euro 5 está em jogo! Reduziram peso, reviram a estética da ótica dianteira e da traseira. E, assim, criaram um modelo que vai bater-se pelos lugares cimeiros da categoria A2 no que toca a vendas.
Sob a linha já conhecida da 302S, a QJMOTOR SRK400 apresenta uma frente mais bem desenhadq. Onde sobressai a iluminação ‘full LED’, ainda que mantendo um aspeto alienígena. A traseira minimalista está muito bem conseguida. As pegas integradas em abas aerodinâmicas alargam-na bastante e recordam-nos de imediato a solução estética da Yamaha YZF-R1. O farolim traseiro, com um formato em tê, parece ter sido decalcado da marca norte-americana de carros elétricos mais famosa do mundo. Enquanto a matrícula (junto com a respetiva iluminação e piscas) é suportada por uma estrutura tubular ancorada no veio da roda traseira.
Aspeto notável é a qualidade de construção. Particularmente dos plásticos e das suas junções, textura e linhas de cozedura do assento, ou até da pintura e do acabamento dos cárteres do motor.
A já conhecida treliça em aço, com motor como elemento portante volta a ser utilizada, realçando a forma artística na versão pintada de verde fluorescente. A forquilha invertida é acompanhada por um amortecedor traseiro, de acionamento direto, colocado lateralmente e (muito) inclinado para diante. Que oferece afinação da pré carga de mola e extensão de hidráulico, que realmente funcionam. A travagem, com sistema ABS, recorre a discos de 260mm recortados, na frente, e um de 240mm, na traseira. Curiosamente, apesar da maior cilindrada e potência do motor, os técnicos chineses optaram por pneus mais estreitos. Uns competentes Maxxis Supermaxx Sport MA-SP nas medidas 110/70R17 e 150/70R17.
41 cavalos de potência
A motorização recorre a uma evolução do bicilíndrico em linha QJ270MP-D, onde a principal alteração é a passagem da sua capacidade de 353cc para 399cc. Conseguida graças ao aumento do curso de 45,2 para 51,2 mm, mantendo uma configuração superquadrada, já que o diâmetro se mantém nuns generosos 70,5 mm. Com tudo isto, a potência ascende agora a 33 kW (41 cavalos) face aos anteriores 27 kW às 9.000 rpm. Por seu turno, o binário beneficiou da subida de capacidade do motor, vendo o seu valor máximo passar de 31 Nm às 7.000 rpm para 37 Nm, 500 rpm mais acima.
Esta unidade é bastante moderna com o seu duplo veio de excêntricos à cabeça e injeção eletrónica. Além de um sistema de escape que concentra a panela silenciadora sob a moto, num esforço claro de centralização do centro de massas. A sonoridade é bastante agradável e desportiva, proveniente da caixa de filtro de ar. Sobretudo quando se abre gás a fundo e se deixa o motor subir de regime até às 10.000 rpm. Por vezes parece mesmo soar como uma moto mais potente, equipada com um motor de maior capacidade.
Cores de modernidade
A onda de modernismo é completada pelo painel TFT colorido, com 5” de diagonal. E com menus bastante fáceis de selecionar a partir dos comandos situados no punho esquerdo. “Já assistimos a bons produtos falharem comercialmente por falta de um painel de instrumentos atualizado”, confessava-me Carlos Lopez, o diretor comercial da Motos Bordoy. Sem ser tátil, é bastante intuitivo e permite até mudar a cor do fundo automaticamente, através de um sensor de luz. O grafismo pode ser discutível em termos estéticos, mas é de fácil leitura.
A conetividade Bluetooth serve essencialmente para diagnóstico do estado de manutenção da moto e ligação a sensores. Não há uma aplicação que permita emparelhar e gerir o painel desde um telefone inteligente, mas se optarem pelo sensor de pressão de enchimento dos pneus (TPS) poderão ter essa informação disponível no ecrã. “Este painel TFT é o melhor da categoria, onde imperam as soluções de cristais líquidos”, rematou Lopez.
Falando de opcionais, para o mercado ibérico será de esperar as proteções de queda (cogumelos) da Puig e equipamento de bagagem da Shad. Frutos da histórica ligação da Motos Bordoy com estes dois fornecedores catalães.
Corridinha pelas serranias andaluzes
A MB Portugal levou-nos, para a apresentação ibérica deste modelo, até ao sul de Espanha. Mais propriamente à Cordilheira Bética, onde nos esperava um traçado de 200 quilómetros, de muitas e deliciosas curvas. Com o quartel-general montado em Benalmádena, sobranceiro ao mar de Alborán, as reviradas estradas que percorrem a Serra das Neves até Ronda seriam uma prova bem séria das qualidades da QJMOTOR SRK400. O final incluía mesmo meia centena de quilómetros em autoestrada A7 desde Marbelha até Benalmádena. E que, afinal, nos permitiria aquilatar das reais capacidades da moto fabricada na cidade da montanha quente (Wenling).
A maior surpresa surge logo na posição de condução. Talvez levado pela agressividade da sua linha, esperava algo que me deixasse mais pendurado na frente, mas enganei-me. Afinal, a moto cai bem entre as pernas e não coloca a mínima dificuldade, mesmo para as estaturas mais baixas. Sobretudo graças a uma área mais estreita na fusão entre o assento e o depósito. E que permite chegar bem com os pés ao chão, num assento que dista 800 mm do asfalto. O guiador é suficientemente largo e não coloca qualquer dificuldade.
Fluidez endiabrada
Logo de início a QJMOTOR SRK400 revela-se bastante fácil de levar, transmitindo uma sensação de leveza e agilidade em meio urbano. Que rapidamente se confirmou assim que o ritmo começou a aumentar à medida que nos embrenhávamos pela serra. Certamente que o melhor elogio que se pode tecer a esta bicilíndrica é que, neste aspeto, inspira muita confiança. Ainda que os limitadores dos poisa pés teimem em raspar o asfalto, muito por mérito dos pneus Maxxis. Aliás, este é um aspeto essencial para andar de forma fluída e rápida entre as curvas enganchadas e até imprevisíveis (algumas cegas e fechando no fim) tão características das estradas de montanha espanholas.
O motor é bastante linear na resposta e começa a dar sinais de vida logo acima das 2.000 rpm, mas a zona mais ‘carnuda’ da faixa de potência surge entre as 7.000 e 10.000 rpm, altura em que o limitador de rotação intervém. Também a transmissão está bem escalonada e o engrenamento das mudanças é eficaz – tirando a questão do seletor como a seguir verão – com a velocidade máxima a superar, ao de leve, os 180 km/h numa ligeira descida em autoestrada.
Pontos a rever na QJMOTOR SRK400
Contudo, não há bela sem senão. Se a apreciação geral é francamente positiva e a moto surpreende agradavelmente, há, contudo, um aspeto fundamental que a QJMOTOR tem de rever de imediato: o interface moto-condutor. Este faz-se através dos comandos – que inclui botões retro iluminados – em que a untuosidade dos mesmos é um aspeto essencial e indispensável para uma relação perfeita entre máquina e condutor. Na QJMOTOR SRK400 a manete de travão funciona como um interruptor, tipo tudo ou nada, sem a suavidade que conhecemos das produções japonesas e europeias. A potência de travagem está lá, mas há necessidade de melhorar este aspeto. De igual modo, o seletor de mudanças necessita de uma revisão em termos de desenho, pois tem uma curva desnecessária que interfere com a biqueira e está posicionado muito acima do ponto ideal. Corrigindo estes dois pontos, as adversárias que se cuidem!
Um reservatório (13,5 litros) serviu para cobrir os 200 quilómetros sem entrar na reserva, mas numa condução muito desportiva, com constantes estiradas até ao limitador e rolando em mudanças baixas e regimes elevados. Contas feitas, deu um consumo muito aceitável na casa dos 5 litros por cada 100 quilómetros percorridos.
Preço abaixo dos 6.000 euros
Comercializada em Portugal por 5.790 euros, a QJMOTOR SRK400 pode não ser um ‘negócio da China’, mas também tal não seria de esperar em face do acréscimo de qualidade que as motos provenientes daquele país têm vindo a demonstrar. Como não há milagres neste aspeto, as chinesas estão cada vez mais apelativas, capazes e bem construídas, aproximando-se daquilo a que nos habituaram nipónicos e europeus desde há muito.
Voltando ao preço, é competitivo e ainda mais se considerarmos a quase ‘eterna’ garantia de seis anos – metade dela assumida pelo importador – o que demonstra a confiança que a Motos Bordoy deposita na gama QJMOTOR. Esta garantia vale cerca de 400 euros, valor que deverá ser deduzido ao de comercialização ou adicionado ao das concorrentes para efeitos de comparação mais direta. “Podes ter o melhor fato ou vestido da festa, mas não esqueças que foste o último a chegar”, dizia-me Carlos Lopez recordando que a marca é um recém-nascido que tem ainda provas para dar. A garantia recordista é uma das medidas nesse sentido para tranquilizar os futuros clientes.
Em época de Mundial de Futebol, o pontapé de saída está dado por mais uma marca oriunda do país mais populoso do mundo, que pretende escoar 10.000 unidades nos próximo cinco anos, em Espanha, e cerca de 2.000 em Portugal, alvejando 5% de quota de mercado para a marca. A QJMOTOR SRK400 é o primeiro dos muitos remates que prometem mudar o ´status quo´ do mercado e um modelo que promete bater-se pelas posições cimeiras das ‘naked’ A2.