A visita de Carlos Panisello à Ducati Norte, concessionário da marca no Porto, criou a oportunidade para ficarmos a conhecer o momento atual da casa de Bolonha e as suas ideias para um futuro próximo. Das mudanças operadas àquelas que ainda virão, das alterações do mercado à política desportiva, muitos foram os temas abordados nesta agradável e reveladora conversa com o Director Geral da Ducati para Espanha e Portugal.

- Texto: Alberto Pires
- Fotos: Francisco Cruz
Motox.pt – Desde maio de 2023 que está ligado ao Grupo Volkswagen, tendo assumido a distribuição da Ducati em Espanha e Portugal no dia 1 de janeiro de 2024, embora tenha começado um pouco mais cedo a preparar todo o trabalho. A distribuição em Espanha e Portugal estava a cargo de um importador privado, a Desmodron, e agora é gerida diretamente pelo Grupo Volkswagen, que, por sua vez, é proprietário da Ducati desde 2012, através da Audi. Que alterações é que a forma de trabalhar do sector automóvel implicaram na gestão de uma marca tão distinta como a Ducati?

Carlos Panisello – Na realidade houve mudanças interessantes mesmo tendo em conta de que estamos conscientes que o mundo motociclístico é diferente do mundo automóvel. Apesar disso, são muitas as áreas que podem trazer muito valor à sua comercialização, como, por exemplo, uma financeira própria, pertencente ao grupo Volkswagen, e que nos permite como proprietários ter uma ligação muito mais estreita, desde as campanhas à oferta de condições muito mais interessantes.

Tem também vantagens em termos de Marketing. O Grupo Volkswagen Espanha faturou no ano passado mais de 4.100 milhões de euros. É uma empresa muito grande, com muitos recursos, com muita experiência, nos quais se aperfeiçoou o sector da distribuição e dos concessionários em particular, com recursos humanos muito desenvolvidos em várias áreas. Tudo isto incrementa o potencial da Ducati.
Os dois lados da fronteira
Motox.pt – Há seguramente diferenças entre o mercado espanhol e o português. Quais são as mais relevantes?

Carlos Panisello – As mais relevantes prendem-se com o facto de que o preço das motos que vendemos em Portugal é mais alto do que em Espanha. Portugal tem uma cultura muito forte no que diz respeito ao sector da locomoção e em particular nas motos. É um país apaixonado pela velocidade, pelos automóveis e pelas motos, o que faz com que apreciem, no nosso caso, a características específicas das nossas motos. É por isso que em Portugal se compram muitas edições especiais e edições limitadas.
Motox.pt – Quais são os desafios no futuro para reforçar a presença da marca no mercado nacional?
Carlos Panisello – O principal desafio passa por delinear uma estratégia de marketing mais poderosa que anteriormente, depois fortalecer a nossa rede de concessionários dando-lhes ferramentas para que possam continuar a ser cada vez mais profissionais, e fortalecer o conceito de exclusividade para prestar um serviço cada vez melhor aos nossos clientes. Queremos concessionários mais fortes e mais preparados, investir mais em marketing, criar vínculos mais fortes com toda a Imprensa portuguesa e desenvolver a ligação com a nossa financeira, para produzirmos campanhas tão eficientes como as que temos em Espanha.

Como dá para perceber, falamos sempre de Ducati Espanha e Ducati Portugal, e não de Ducati Ibérica. Isto é importante para mim porque são dois países completamente diferentes, com normas jurídicas distintas, com regimes fiscais diferentes, com dois tipos de clientes específicos, a quem vendemos tipos de motos diferentes, e também cada um tem a sua língua.
Digo isto porque, por vezes, as grandes empresas tentam um chamado ‘conceito ibérico’, tomando decisões em Espanha que tanto afetam o Norte e o Sul de Espanha como Portugal. E não o fazem por desrespeito, simplesmente porque não é fácil alocar recursos específicos a Portugal. Ora, isto foi para nós, desde o primeiro momento, uma exigência, e a minha primeira decisão foi de identificar Portugal e Espanha na Ducati, não usando a forma Ibérica, como um símbolo da sensibilidade que temos por Portugal. Eu venho a Portugal pelo menos duas vezes por mês. Passo muito tempo em Lisboa, Porto, Faro e Leiria. Gosto de estar junto dos concessionários para melhor perceber o que necessitam enquanto País, como mercado específico.

Motox.pt – Para uma marca que enfrentou tantas dificuldades nos anos 80 e a falência iminente nos anos 90, não sei o que é que me espanta mais atualmente, se o resultado operacional EBIT de 91 milhões de euros, se a gama de motos, se os resultados desportivos. O que é que o surpreendeu mais nestes últimos 30 anos de história?
Carlos Panisello – No próximo ano a Ducati vai cumprir 100 anos, o que é um marco importantíssimo. Ao longo destes anos passou por momentos muito difíceis, mas também por momentos excelentes. Hoje é uma marca forte, que tem claro quais são os seus valores, de sofisticação, desenho e performance. É uma marca que tem a certeza que o seu futuro passa pela competição, de tal forma que continua a investir muito e está a ganhar praticamente tudo.

Tem sobretudo claro que é uma marca que tem de ganhar dinheiro, e isto vêmo-lo nos seus resultados que foram publicados. Faturámos mais de mil milhões de euros este ano, com um resultado operativo de 9,1%, o que conduziu aos 91,1 milhões de euros. E isto é bom, significa que a empresa é saudável. Há um momento de inflexão, em 2012, quando entrou o Grupo Volkswagen.
As pessoas perguntam-me: os resultados de agora acontecem porque o Grupo Volkswagem está a desenvolver as motos e os motores? Não, os motores continuam a ser desenvolvidos pelos nossos engenheiros, em Bolonha, e é o fruto do trabalho desenvolvido por muita gente que nos permitiu termos agora uma moto em MotoGP que é a que todos os pilotos desejam e que ganha tudo. O grande mérito do Grupo Volkswagen é o de proporcionar um suporte financeiro estável, disponibilizando simultaneamente ferramentas de gestão e de controlo que permitem que a companhia possa demonstrar toda a sua competência.

Motox.pt – A Ducati vendeu 54.495 unidades em 2024. Mas não estamos a falar de scooters, mas sim de modelos que se situam no extremo (mesmo na versão base) de cada segmento em que se inserem. Desert, Diavel, Hypermotard, Streetfighter, Multistrada, Panigale, Monster, Scrambler, Desmo 450MX. Como é que é possível manter ou até mesmo aumentar estes números?
Carlos Panisello – Hoje temos uma estratégia clara de nos mantermos em segmentos acima dos 500 cc, e vamos desenvolvendo produtos para diferentes segmentos no momento que julgarmos ser oportuno. Acabámos de lançar a moto de motocross 450 cc, com motor monocilíndrico com distribuição desmodrómica, porque está alinhada com os nossos valores. Para nós, poder fazer uma moto que permite entrar num segmento em que o nível é altíssimo, para nós é atraente pois os nossos valores estão veiculados com a competição.

Entrar no motocross tendo a possibilidade de ganhar é algo que gostamos. Isto também nos ajuda a manter claro o caminho a seguir. Podíamos pensar em fazer Scooter’s, ou motos com 300 cc, mas não! Vamos somente fazer aquilo que sabemos fazer e entraremos apenas noutros segmentos quando julgarmos oportuno e esteja de acordo com o que nós gostamos.
A Ducati é paixão pura e dura, na fábrica em Bolonha respira-se competição em todos os momentos e ao longo de todas as etapas da construção de uma moto. O nosso crescimento está ligado à gama de motos que temos, e os planos estratégicos a médio prazo são interessantes mas sem cometer loucuras. Dito isto, um dos pontos mais importantes tendo em conta a chegada de novas marcas asiáticas, é ser fiel ao que se é. Para o bem e para o mal, um dos principais ativos da marca é que temos 100 anos!

Podem surgir marcas com produtos bons, bastante desenvolvidos e com preços excelentes, mas não têm uma história com 100 anos atrás de si. E as motos são paixão, têm uma componente irracional que faz com que andes com elas, que as trates, que as queiras ter em casa, algo que ultrapassa em muito o preço ou algo meramente funcional. O peso da sua história, com todos os seus momentos, fazem da Ducati uma marca conhecida em todo o mundo.
Dar novos mundos… ao Mundial
Motox.pt – A nova 450MX pode ser o início de uma grande aventura no mercado de TT. Julgo contudo que este cliente não valoriza tanto os elementos exuberantes que estão na origem do sucesso da gama Ducati. Qual é a estratégia para este segmento.

Carlos Panisello – A estratégia para este segmento de todo-o-terreno é fundamentalmente estar próximo das pistas. São motos que se vendem num ambiente muito concreto, que é a pista. É raro que alguém entre num concessionário para ver uma moto de motocross. Assim, é fundamental colaborar com pilotos profissionais e nós, enquanto marca, a partir dos concessionários podemos apoiar os pilotos profissionais. É muito importante ter acordos com os principais circuitos de motocross, tanto em Espanha como em Portugal, e é importante estar nas provas, e que os pilotos possam experimentar a moto.

Recentemente estivemos em Águeda, na prova do Mundial, e na semana seguinte em Vigo, e colocámos lá algumas motos. Foi visível que as pessoas estavam surpreendidas com o facto de verem o produto e, pela quantidade de perguntas, era enorme o interesse. Ou seja, as pessoas deste mundo estão nas pistas e pudemos ver como se aproximavam. É esta a política que vamos seguir. Nem todos os concessionários vão poder vender este tipo de motos, serão apenas os mais especializados.
Motox.pt – As novas Streetfighter V2S e Panigale V2S não têm motor desmodrómico – apesar do novo motor 890 ser excelente – nem quadro treliça, duas das mais distintas características da Ducati. São o início de uma transformação ou apenas um caso isolado?

Carlos Panisello – Mais do que um caso isolado, responde novamente aos nossos valores. A concorrência está cada vez mais empenhada na leveza, na capacidade de fazer uma moto leve. Foi isso que esteve na origem destes novos motores V2, tanto na Mutistrada V2 como na Panigale V2. Na Panigale conseguimos reduzir 17 quilos relativamente à anterior, e passámos de 115 cv para 120 cv ! O comportamento dinâmico dessa moto, não só em estrada como em pista, em que estive pessoalmente a rodar com ela em Jerez, é brutal.

É uma moto leve, com uma resposta excelente em todos os regimes, com uma maneabilidade fantástica, e isso é o que é importante para nós. Queremos motos mais precisas, mais rápidas, mais fiáveis, mais fáceis de levar ao limite, nem que seja preciso em alguns momentos sacrificar alguns dos elementos distintos da marca. Por exemplo o monobraço! Na V4 passámos novamente ao duplo braço, porque se para ficar melhor tivermos que retirar o monobraço, tiramos. Há objectivos superiores, e são eles que ao fim destes anos nos levaram a este patamar superior.
Carlos Panisello reconhece interesse elétrico, mas…
Motox.pt – Com o envolvimento na competição por força da presença em MotoE, pensam desenvolver e comercializar propostas elétricas para a estrada, ou pelo menos para a cidade ? O que aconteceu à Energica não é um alerta?

Carlos Panisello – Eu explico sempre o mesmo. A presença da Ducati na MotoE é uma declaração de intenções clara da importância que é a moto elétrica para a Ducati. Há um investimento muito grande, são muitas as motos em pista, e no final fazemos isto como marca porque estamos convencidos que uma parte do futuro do motociclismo passa pelas motos elétricas e queremos liderar o meio em que estivermos.

Significa isso que vamos lançar uma moto elétrica brevemente? Não! Significa que estamos a utilizar a MotoE como um banco de ensaios para poder desenvolver a moto elétrica o melhor possível, à altura dos nossos produtos, e que quando chegar esse momento, baseada na densidade das baterias ou na entrega de potência, lançaremos esse produto, e que as pessoas o possam escolher. Tal como com a Panigale V4 que está num nível máximo de tecnologia, quando lançarmos uma moto elétrica não será um produto comum, terá que ser uma referência no segmento.
Motox.pt – Com uma presença arrasadora no MotoGP nos últimos anos, e com um regresso às vitórias nas SBK, é difícil encontrar argumentos para estar presente na competição em Portugal. Ainda assim, têm algum investimento previsto para Portugal em termos desportivos ?

Carlos Panisello – Como disse, faz parte da nossa estratégia aprofundar as nossa ligações com Portugal. Estamos a fazê-lo tanto com a Federação, como com a imprensa, e a nossa ideia é poder apoiar as atividades que se desenvolvem em Portugal. Nos próximos meses vamos ter exemplos claros. Vamos investir bastante em eventos, tanto em encontros com a Imprensa como no patrocínio de eventos. Vamos patrocinar o Motorcycle Film Festival, em Lisboa, e em redor das corridas vamos potenciar a nossa presença em Portugal.

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