O Luis Cardoso é o responsável pelo meu gosto pelas motos, pela minha evolução e envolvimento no motociclismo. Na realidade, neste meio, devo-lhe tudo.
- Texto e fotos: Alberto Pires
Pertenci a um grupo de fãs, no final da minha adolescência, durante os anos que vivi em Vila Real. Apercebo-me agora que fui “groupie” sem o saber. Conheci o Luis Cardoso aos 15 anos quando ele ainda não tinha moto, mas já corria no Europeu e no Mundial de velocidade. Fazia-o sempre que lia as revistas Moto Revue e Moto Journal francesas. Era seguramente quem mais percebia de motos numa cidade que gostava de ouvir os motores a gritar. Sonhador, imaginava ir trabalhar para as vindimas em França, comprar uma RDLC 350 com o apuro, alinhar no Troféu Yamaha Gauloises e no ano seguinte participar no Campeonato de Europa aos comandos de uma TZ 250, com tudo pago, o prémio estipulado pela Yamaha para o vencedor do troféu. Eu achava que o plano fazia todo o sentido!
Inevitavelmente, o Luis Cardoso acabaria por correr de moto. Como em todas as estreias, sobretudo quando limitadas financeiramente, é quase confrangedor perceber em que condições. Bem sei que já passaram mais de 40 anos, mas é estranho como considerava na altura que, não sendo de topo, aquilo era uma moto de pista! Tinha até orgulho no “cantilever” traseiro, acionando um amortecedor encontrado numa sucata, a solução engenhosa para ultrapassar o facto de não haver dinheiro para comprar dois amortecedores, não necessariamente bons. Olhamos em redor e custa a estabelecer a hierarquia entre o mau, o péssimo e o terrível. O correto, mesmo, é usar um filtro que só existia anos ’80, e então vemos uma máquina fabulosa!
Apesar dos meios, e de tudo correr invariavelmente mal, o Cardoso conseguiu atrair as atenções e acabaria por ser convidado em 1982 para correr numa das Sachs do “Racing Teixeira”. Tendo como referência o ponto de partida era como estar numa equipa de fábrica! Já não precisava de andar com a moto atrás, fosse em cima do “atrelado” ou desmontada na mala de um Citroen GS, bastava-lhe chegar com o seu fato “Lewis Leather” e carregar o cartuxo! Ainda assim tinha que se socorrer do seu clube de fãs para lá chegar.
Para a prova de Gisande, uma aldeia próxima da Vila da Feira, o transporte foi garantido pelo Jó, no seu Volkswagen Carocha. Tinha-lhe custado dois contos (10 €), mas como não tinha motor comprou outro Carocha, também por dois contos, para resolver o problema. Infelizmente nenhum deles travava bem. Antes de cada curva tinha que calcar por três vezes o pedal para injectar, e só depois é que abrandava. Foi bastante animado descer a Serra do Marão até Amarante pela estrada antiga. Para terminar em beleza, recordo-me que descemos também a Rua de Fernandes Tomás, no Porto, sem parar em nenhum dos semáforos vermelhos, com o Jó a injectar com toda a força! Sobrevivemos para contar, mas julgo que até o Costa Paulo, que tinha ido connosco por ser o mais recente reforço do “Racing Teixeira”, sentiu um arrepio na espinha!
Chegados a Guisande, o panorama não era animador, já que a chuva miudinha exponenciava os imponderáveis do costume. O Luis Cardoso alinhava na prova de juniores e o Costa Paulo em seniores. A grelha de partida era feita tendo como base o resultado de uma mini corrida de cinco voltas, numa espécie de “superpole” em que se arrancava sem se saber exatamente em que posição. O Cardoso não chegou a completar uma volta, já que na primeira travagem a sério, em quarta a fundo, assim que tocou nos travões foi pelo chão fora. Só parou junto à soleira de uma porta, deixando a velhinha que lá estava, assustada, aos gritos! Na corrida a desgraça continuou, talvez por causa do malho entrou água para onde não devia, só a custo voltou a pegar mas, como não andava nada, obrigou-o a desistir.
Já o Costa Paulo, na prova de seniores, estava a mostrar o que valia. Conseguiu fazer o melhor tempo dos treinos e lutaria seguramente pela vitória na corrida, mas a partir da segunda volta começou a sentir dificuldades em curvar, sobretudo nas curvas mais apertadas, baixando para a quarta posição. O quadro não aguentou o esforço a que foi submetido nas travagens e partiu junto à coluna de direcção. A direcção acabou por ficar presa numa zona em quarta a fundo, e só a muito custo é que a conseguiu controlar até parar.
Levantava-se agora outro problema: o Carocha não tinha gasolina para fazer os 160 km de regresso a Vila Real! A razão era simples. Estavam a contar com os prémios de chegada para cobrir essa despesa, e como ambos desistiram… Não restou outra alternativa senão pedir algum dinheiro emprestado ao Sr. Teixeira que, como se não bastassem as duas desistências ainda teve que adiantar algum. Para rematar, já atordoados de fome, parámos num café a meio da viagem algures entre Penafiel e Amarante para comer alguma coisa. Espremidos os bolsos contámos 10 escudos (2 cêntimos), o que só chegava para comprar um pastel.
Dividimo-lo em quatro e seguimos!
Percurso motociclístico nos últimos 45 anos:
Sonhador, piloto (50 cc, 125 cc), jornalista (MotoSport, MotoJornal), dirigente federativo na FNM, responsável pela comunicação da Aprilia, criador de uma marca ( Cose da Moto), team manager (125 promoção, Troféu Honda CBR, 125 Racing, Mundial de 250cc), organizador de provas, concessionário oficial de motos (Honda, Yamaha, Aprilia…), editor de publicações, importador de vestuário e acessórios, CEO comercial e de marketing da Mugen Race.
Como sonhador ainda vai a meio, felizmente!