Foi um sucesso enorme o 17º Traveler’s Event que, uma vez mais, levou milhares de motociclistas a Avis. MotoX também marcou presença no evento organizado pela BalGarPir e tratou de perceber as razões de um crescimento em que poucos acreditaram no início. Fruto de um gigantesco investimento pessoal e uma crença inquebrantável no caminho a trilhar. Uma análise jornalística que resulta da constatação ‘in loco’, de uma interessante conversa com Rui Baltazar e dos testemunhos de muitos participantes. Dos mais antigos aos estreantes.
- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: BalGarPir/Rui Moreno e Tozé Canaveira
Longe de querer dar uma aula de jornalismo, explicar que as notícias devem sempre obedecer a critérios que permitam explicar/perceber os acontecimentos. Trata-se de procurar as respostas a questões básicas, por vezes numa tarefa hercúlea, de forma a dar um esclarecimento tão cabal quanto possível sobre os eventos. Dos acontecimentos de todos os dias até iniciativas como o Traveler’s Event.
Nesse sentido, e com inspiração encontrada nas questões éticas e retóricas da Grécia Antiga, o jornalismo passou a reger-se pela resposta aos 5 W’s. Explicar O QUÊ (what?), com QUEM (who?), QUANDO (when?), ONDE (where?) e PORQUÊ (why?) são as linhas-mestras de qualquer notícia. A que se junta muitas vezes, o H, de COMO sucedeu (how?). É uma forma de, mais do que uma entrevista, organizar a conversa com o responsável do evento para tentar perceber a importância do Traveler’s Event no panorama do motociclismo nacional. Afinal, este intróito serve apenas para explicar o porquê de buscar esta forma para estruturar de forma mais clara e coerente a história.
O QUÊ?
É a primeira questão levantada ou a justificação inicial para a existência de uma notícia. Afinal, o que aconteceu que explique a atenção merecida pelo evento. “O Traveler’s Event é, como o próprio nome indica, um encontro de viajantes. Que começou em 2008, quando senti que havia espaço para algo que não existia em Portugal e tive a ideia de criar um evento só para viajantes. Nesse primeiro ano tivermos 40 ou 50 pessoas e na plateia uma ou 2 pessoas que viajavam. Hoje temos na plateia talvez umas 50 ou 60 pessoas que podiam estar a apresentar as suas próprias viagens”, explica Rui Baltazar. Um início de conversa que, sem esconder merecido orgulho, é reforçado pela chegada “da Gracinda Ramos de mais uma grande viagem. Tal como um casal que chegou da Normandia.
Ou seja, o Traveler’s Event tornou-se um ponto de encontro, mas também de chegada e partida de viajantes”. Longe de ter a desmedida presunção de ter inventado a roda, o mentor do sucesso recorda uma “ideia que já existia em vários países. E cujo conceito trouxemos para Portugal, com a ligação a uma marca de acessórios e equipamentos desenvolvidos a pensar nas grandes aventuras”. Na prática trata-se de uma verdadeira oferta aos motociclistas, que nada pagam para usufruir dos passeios, das palestras ou dos workshops. Além, claro, de um ambiente verdadeiramente ímpar.
Programa bem recheado
Um programa que começou de forma bem interessante, com a apresentação da viagem Lisboa-Dakar-Lisboa, logo na primeira noite, e uma reveladora tertúlia. Uma espécie de ‘guerra dos sexos’, com o debate sobre a visão e as experiências de homens e mulheres nas viagens de moto. A que se juntaram vários workshops. Desde a navegação por GPS, a cargo do Rui Elias, da Espaços Sonoros, à condução de ‘big-trails’ em todo-o-terreno, contando com a experiência do Paulo Miranda, da Turres Off-Road. Além de uma prática aula sobre Osteopatia em Viagem. Onde os elementos da Osteomotus explicaram como reduzir a probabilidade de lesões e até a fadiga nas tiradas mais longas.
Naturalmente não poderiam faltar várias apresentações de viagens, afinal o ‘leit-motiv’ do Traveler’s Event, bem como algumas conversas à distância. Ligações online para vários pontos do Mundo para falar em direto com viajantes como Gabriel Vissio, Ricardo Lugris, Stefanie GSgirl Algarve ou Joao Cid. Num panorama mais real, foram realizados vários passeios, em estrada e todo-o-terreno, com vários níveis de dificuldade e iniciação ao TT para todas as idades.
QUEM?
Uma ideia gizada no seio da família e de alguns (poucos) amigos mais próximos, que tratou de colocar o Traveler’s Event no terreno. Uma equipa que começou “com meia dúzia de pessoas e que, desde então, pouco cresceu. Eram 6 e passamos a 10, sendo que esses 4 novos elementos eram as miúdas que vinham passar o fim-de-semana com os pais e agora estão integradas na organização. Se é uma estrutura pequena? Sim, talvez desse ser um pouco maior, mas, na verdade, não é demasiado pequena. Até porque as coisas acabam por rolar bem, mesmo atendendo ao crescimento do número de visitantes.
A equipa da BalGarPir cresceu pouco, é certo, mas “fazendo das tripas coração, lá consegue por tudo a rolar durante estes dias. Claro que há que contar e muito agradecer aos amigos que ajudam nos passeios, em estrada ou fora dela, servindo como guias, batedores e segurança nos tours. Ao todo será uma equipa de 25 pessoas, ainda assim muito pouco para toda esta gente”.
Claro que, para Rui Baltazar, há outros suportes imprescindíveis para a concretização do Traveler’s Event. “A Câmara Municipal de Avis que na altura olhou com algumas reticências para um projeto de 40 ou 50 pessoas, dá agora um enorme apoio. Um apoio institucional que muito deve ao trabalho e crença desde o primeiro momento das doutoras Paula Bento e Manuela Espinho, e que é complementado pelo trabalho da Junta de Freguesia de Avis”. Apoio que chega também dos Motards d’Avis, “motoclube que na altura estava inativo. Entrou mais tarde, é certo, mas, hoje em dia, é um grande pilar desta iniciativa”.
QUANDO?
Um dos motivos que apoia o sucesso de eventos como o Traveler’s Event é a certeza de que acontece todos os anos no primeiro fim de semana de setembro. “O facto de ter uma data fixa, ajudou a implementar esta reunião de amigos que, de ano para ano, guardam estes dias na agenda. Uma altura em que as pessoas regressam de férias e gostam de partilhar as aventuras com os amigos. Uma época do ano em que a temperatura para viajar e para acampar é muito agradável o que reforça o apetite pela vinda a Avis”.
E esta é, apenas, uma das várias razões de um sucesso multiplicado por 50. Ou mais! Com alguma nostalgia, Rui Baltazar recorda que “no primeiro ano éramos 50, em 20 ou 30 motos. O espaço central, onde agora está a tenda restaurante, chegava e sobrava para todas as motos e para as pessoas. No segundo ano ainda foi suficiente, mas agora… Em 2024 o número de ‘inscritos’ ultrapassou os 2000. O que é muito! Claro que, sendo um evento gratuito, é sempre difícil aferir números exatos e estes são os contabilizados pela entrada no parque de campismo ou quem comprou as t-shirts.
Ou seja, números por alto serão mais de as 4000 pessoas que visitaram o Traveler’s Event ao longo dos 4 dias. Talvez uma forma mais correta de aferir e entender esse crescimento seja olhar para o estacionamento das motos. Que, cada vez mais, vai-se estendendo para cima, ao longo da avenida que vai até junto do parque de campismo” frisa Rui Baltazar. Uma métrica a ‘olhómetro’ que revela que “começa a ser muito curto o espaço para tanta moto. Algo que é encarado com serenidade porque não vai crescer muito mais….
ONDE?
Um dos motivos para essa permanência de dimensão tem a ver com as características intrínsecas do local. Mas o Traveler’s Event nasceu em Avis e em vai ficar. Porquê. “Porque desde o primeiro momento queria um spot que tivesse água, um camping e algum espaço para exposição de motos. Avis e a zona da barragem do Maranhão reúnem todas essas condições. É certo que não conhecia bem o local quando, em 2007, sai de casa para procurar um espaço. Tinha dois ou três sítios em mente, sendo que tinha de ser relativamente perto de Lisboa por causa das constantes viagens durante a preparação. Em termos geoestratégicos acabou por correr muito bem e é um dos melhores pontos possíveis porque fica equidistante de quase todo o País. Mesmo se na altura não pensamos nisso”.
É certo que não foi o ponto de partida, mas é, agora, uma constatação de um dos fatores do sucesso
PORQUÊ?
Claro que, para perceber a ‘história de amor’ entre o Traveler’s Event e a vila alentejana, há também que entender os ‘interesses’ de parte a parte. Porque isto do ‘amor’ tem muito oque se lhe diga… E se é fácil entender a paixão da BarGalPir por Avis, torna-se cada vez mais óbvia a entrega do município ao evento. Basta recordar que, há dois anos, e apesar do reforço que sempre existe nestas ocasiões, a gasolina esgotou nos dois postos de abastecimento. “É uma forma de perceber o impacto económico na economia local. É muito movimento. Basta ver que, por estes dias a população praticamente triplica os 1627 cidadãos registados nos Censos 2021. O evento cresceu muito, a vila é pequena e não tem capacidade de hotelaria ou restauração para tanta gente”.
E como bem se sabe, “as pessoas gostam de confraternizar, de comer bem e estar sentadas à mesa a conversar. Claro que os estabelecimentos hoteleiros ou casas de turismo esgotam. Tal como os restaurantes… os que estão abertos. Sim, os que estão abertos porque muitos fecham após agosto, para férias, quando têm um evento que traz milhares de pessoas e poderiam faturar muito bem durante estes dias. Mas isso são as opções de cada um, as suas políticas comerciais, a sua maneira de pensar… Mas é algo que continua a ser difícil de entender”.
Uma dificuldade acrescida que foi minimizada com “a enorme ajuda dos Motards d’Avis e do Restaurante do Clube Náutico. Isto além das três carrinhas ‘street-food’ que ajudaram a garantir alimentação a todos os que vieram aqui durante estes dias”. Um desabafo que não esconde algum desalento no rosto de Rui Baltazar: “Gostávamos de ver um maior envolvimento da população também neste campo e ajudar mais o comércio local”.
COMO?
Claro que, mesmo assim, há muito dinheiro que fica no concelho. “Sejam os hotéis ou casas de turismo rural ou mesmo os Motards d’Avis que têm aqui a principal fonte de receita do seu orçamento anual”. E note-se que nenhuma destas entidades que asseguram a restauração no recinto pagam qualquer taxa. Como sublinha Rui Baltazar, “o importante é que as pessoas se sintam bem e que cheguem bem a casa. E que, na segunda-feira, digam aos amigos o quanto gostaram, que falem das boas experiências que levam do Traveler’s Event. Que viveram um excelente fim-de-semana!”
Mas, então como é sustentado o Traveler’s Event? “Por um lado, á custa de alguma verba conseguida com o merchandising que, apesar de tudo não é bem explorado. Existe sempre o receio de que o mau tempo possa afastar as pessoas e causar prejuízo face ao investimento feito antecipadamente. Por outro lado, as marcas comparticipam com o pagamento do espaço de exposição e há uma pequena percentagem das entradas no Parque de Campismo. O que, tudo somado, não é nada do outro mundo. Depois temos a ajuda da autarquia e da Junta de Freguesia que fornece parte da alimentação ao staff”.
Contas feitas, Rui Baltazar garante que “ao contrário do que muitos possam pensar, não dá grande lucro. Tanto mais que, apesar de trazer cerca de 4000 pessoas, talvez apenas metade dê algum contributo. Seja no campismo, seja no merchandising. Mas que isso não seja entendido como uma crítica. Desde que gostem e se sintam bem, todos são bem recebidos. É para todos eles que este evento é feito!”
RESUMO
Como qualquer notícia bem estruturada, o final deve igualar em interesse o ‘lead’ ou abertura. Explicamos aqui o desenvolvimento do Traveler’s Event a partir deste género jornalístico e nada como um resumo do passado para perceber… o futuro.
Longe de ser um evento muito lucrativo para a BalGarPir, “e mesmo não dando prejuízo, está longe de poder ser considerado generosamente rentável atendendo à dimensão e ao esforço exigido. Porquê continuar? Simplesmente porque é a nossa forma de entender o mercado e o universo motociclista. Assim continuaremos com este modelo e neste espaço”. Reconhecendo que encontra a maior motivação para continuar “no simples facto de ter começado”, Baltazar reconhece que “o importante é que as pessoas se sintam bem. E para temos que providenciar restauração em volume suficiente para não tenham que se deslocar para ir comer fora.
Até porque se tiverem de sair, dificilmente conseguirão arranjar sítio para todos comerem. Além disso, se saírem, o mais certo é já não voltarem até porque poderão ter de ir comer mais longe”.
Com efeito, a ideia de comparar o Traveler’s Event a uma concentração torna-se ainda mais descabida ao pensar no capítulo económico. “Aí todos pagam a entrada e é possível controlar os visitantes. Além de poder ter lucro com bares, restaurantes e com a cerveja… Aqui ninguém paga nada por estar presente. Não existe qualquer pagamento dos restaurantes ou das carrinhas de ‘street-food’. Não pagam nada à organização, e queremos apenas que eles sirvam as pessoas, fazendo o seu negócio”. E assim vai continuar, seguramente, em 2025, quando o Traveler’s Event voltar a Avis, animando a albufeira do Maranhão entre os dias 4 e 7 de setembro. O primeiro fim de semana, porque a tradição é para manter!