Bruno Santos no Dakar. “Posso melhorar muito!”
Autor: Paulo Ribeiro
Dezembro 27, 2024
Bruno Santos, o pai e marido, passou o Natal com a família, mas vai entrar em 2025 sozinho. A bordo do avião que o vai levar à Arábia Saudita, Bruno Santos, o piloto, terá tempo para respirar fundo. Para começar a sofrer com as saudades dos filhos e da esposa e preparar a mente para…

Bruno Santos, o pai e marido, passou o Natal com a família, mas vai entrar em 2025 sozinho. A bordo do avião que o vai levar à Arábia Saudita, Bruno Santos, o piloto, terá tempo para respirar fundo. Para começar a sofrer com as saudades dos filhos e da esposa e preparar a mente para o desafio dos próximos 15 dias. Vai repetir a dose no Dakar e leva, na bagagem, um capacete para brilhar e sonhos de uma vida para cumprir.

- Por: Paulo Ribeiro
- Fotos: Arquivo/A2 Comunicação
Quando regressou de Yanbu, na costa oeste da Arábia Saudita, mesmo ao lado do Mar Vermelho, em meados de janeiro de 2024, Bruno Santos não pensava voltar ao Dakar. Estava cumprido o sonho, marcado a tinta dourada na ‘wish list’. Nesse rol de desejos que queremos realizar ao longo da vida. Daquelas coisas a fazer uma vez na vida. Ainda por cima com excelente 28.º lugar na geral e 2.º entre os estreantes.

“Sinceramente, não estava à espera de regressar. A ideia era experimentar, cumprir o sonho e… já está”. Mas o destino parece ter trocado as voltas ao torrense que “à medida que surgiram as oportunidades, foi aumentando a vontade de voltar ao Dakar”. O que acabou por criar um problema: “Como ao preparar a época não havia a ideia de voltar, a preparação centrou-se nos objetivos delineados. Que passavam pela presença no Nacional de TT e algumas Bajas”. Como a Dehesa Extremadura, que venceu em Badajoz, a de Aragon (6.º), a Hungarian Baja ou o BP Ultimate Rally Raid Portugal, onde foi 3.º da geral e vencedor da categoria Rallye 2. “Tudo somado, foram cerca de 40 dias de competição pelo que não sobrou muito tempo para treinos específicos”.
Confiança redobrada
Mesmo com uma preparação que considera escassa para as exigências do Rali Dakar, Bruno Santos não esconde a ambição. “Para 2025 as expetativas passam por melhorar substancialmente. O que significa isso? Andar o mais próximo possível do top 20 ou mesmo top 15, mais perto dos pilotos de fábrica. É ambicioso e seria um resultado excelente”.

Com os pés bem assentes na Terra, reconhece “não ter bem a noção se isso será possível. Em 2024 partia com muita preocupação em jogar pelo seguro, em não cometer erros. Além disso, vinha de uma lesão e tinha algum receio, alguma falta de confiança, perdendo ainda mais tempo nas primeiras etapas por causa do pó. Aliás, na primeira semana era muito difícil progredir devido à poeira, tendo de sair de pista para ultrapassar concorrentes mais lentos e ficando mais exposto aos perigos do deserto. E houve ainda um problema técnico que fez perder mais de uma hora…”
Ou seja, para o piloto da Husqvarna 450 RR “há bastante margem para melhorar, mesmo se é utópico pensar numa performance ao nível do Rally Raid de Portugal. Até porque o Dakar é completamente diferente e tenho pouca experiência do deserto, piso em que não treinei este ano”.
A subida de… 140 para 35!
No entanto, Bruno Santos tem, mesmo antes da partida, um fator que joga a seu favor. Em 2024 ostentou o número 140 e, à partida para 2025 terá o dorsal 35. “Se isso representa a verdadeira evolução enquanto piloto não sei dizer. Mas que faz uma grande diferença, lá isso faz! Ao ser dos primeiros a fazer o prólogo, acabei por pagar essa fatura, numa tirada muito traiçoeira. Numa zona de ‘canyons’ tive de voltar atrás para validar um ‘way point’ que tinha falhado. O que, num prólogo tão pequeno, fez muita diferença, obrigando a partir muito atrás, sendo dos primeiros na pista e sem marcas. Além disso, o ‘road-book’ eletrónico era outra novidade, era tudo muito novo…”





Por isso, não tem pruridos em afirmar, alto e bom som, que “se conseguir fazer um Dakar sem problemas, seguramente vai dar para fazer um resultado melhor. O truque passará pela capacidade de gerir o ritmo e os problemas. Ou seja, manter uma toada razoavelmente rápida, mas sem correr demasiados riscos”.
Muita ‘porrada’ a abrir
Atitude que nos leva a uma obrigatória análise a percurso diametralmente oposto ao da edição anterior. “A grande diferença estará no facto de a maior exigência estar na primeira semana, que vai separar o trigo do joio, servindo para colocar cada um em seu sítio. Vamos, seguramente, chegar ao dia de descanso com uma lista de abandonos extensa”.
Para Bruno Santos esta alteração até poderá ser positiva porque, “no ano passado, as pistas estavam muito carregadas com participantes. Mesmo que a organização tente reduzir, são sempre muitos concorrentes e, nas motos, é importante sair com algum intervalo entre pilotos. O ideal era ter 3 minutos entre todas a motos, mas, em 2024, chegamos a sair de 30 em 30 segundos ou mesmo dois pilotos lado-a-lado”.

Claro que “o problema maior não é a partida, mas sim o tráfego ao longo do dia. Até porque é complicado passar os grupos que se vão formando e torna-se muito difícil progredir. Desta forma, separar os carros por um lado e as motos por outro, permitirá ter mais tempo entre os pilotos e assim menos pó. Esse é um ponto que vejo positivo”. Por outro lado, há uma dúvida que assola o espírito do torriano, “curioso para ver o que vai acontecer nessa fase inicial da corrida. É que ainda estaremos na zona mais a Oeste e as temperaturas são mais frescas e por isso ver se não haverá noites demasiado frescas…”
Cautelas e caldos de galinha
Porém existem outras interrogações nestas maiores dificuldades dos primeiros dias. Nomeadamente as questões técnicas. “Vai ser interessante acompanhar estas etapas logo na parte inicial da prova”. Primeiro a de 48 horas, nos dias 5 e 6 de janeiro, com 965 km com partida e chegada a Bisha, e, logo a seguir, a Etapa Maratona, sem assistência externa, a 8 e 9 de janeiro, entre Henakiyah e Hail com pernoita num ‘bivouac’ de ocasião em Alula. Onde vai poder ver as estrelas à noite, mas não vai poder confortar o estômago com o seu tão apreciado cozido à portuguesa…



“Como os pisos são mais duros nesta região, com zonas de muitas pedras, cada queda ou toque vai criar dificuldades acrescidas. Furos ou problemas nas suspensões vão ser mais complicados de resolver até porque as equipas não estão lá”. Por isso, continua Bruno Santos, “há que tentar fazer esses dias ainda com mais cautelas e cuidados. Isto para não haver cortes em pneus, rodas partidas ou muito tortas algo muito fácil de acontecer. E, mesmo sem quedas, pode perder-se muito tempo com esses problemas. Até porque, sem massagens, sobretudo ao chegar tocados, a recuperação torna-se mais complicada”.
Mas nem tudo é mau com este figurino, que parece concentrar o maior volume de dificuldades na parte inicial da prova. Que vai para a estrada no dia 3 de janeiro, com um pequeno prólogo de 29 km. “A vantagem é começar logo com as divisões, com os carros a ir por percurso diferente, que poderá permitir criar um intervalo de pelo menos dois minutos, fundamental nas partidas das motos”.
Da terra para o Mundo
Se em 2024 teve um imprevisível problema técnico que o fez perder bastante tempo mesmo antes do meio da prova, para 2025 Bruno Santos não descurou a preparação da moto. “A principal diferença centra-se na evolução a nível da suspensão. Melhorias técnicas que resultaram do trabalho de desenvolvimento com a MXT, aproveitando o feedback do Dakar e de outras provas para evoluir”.
Uma mudança relevante já que “na anterior edição, a escolha em termos de afinação das suspensões não foi a melhor. Por isso a importância dos dias de trabalho de desenvolvimento, ainda que feitos apenas em Portugal. Até porque estragava rodas quase diariamente por causa dos pisos de areia com muita pedra, onde se rola acima dos 100/120 km. Não comprometeu o resultado, mas as cinco jantes dianteiras chegaram num estado lastimoso”.
Melhorou a preparação técnica da Husqvarna 450 Rally Replica mas manteve a assistência e apoio logístico durante a prova a cargo da equipa espanhola XRaids Experience. Como manteve alguns dos patrocínios e conquistou outros. Nomeadamente o algo surpreendente apoio das Frutas Patrícia Pilar. “Um verdadeiro patrocínio de uma empresa de referência no País e no estrangeiro”. Um patrocínio e não um apoio de um amigo ou a paga de um favor. Afinal, acrescenta, “trata-se da maior empresa portuguesa de frutas e legumes, com valores empresariais que se identificam com o nosso projeto, de trabalho e resiliência. Começaram do zero e em 30 anos são uma referência na Região Oeste. A partilha da filosofia é tal que adotei o lema ‘Da Terra para o Mundo’ para esta aventura dakariana”.
E se por um milagre…
Uma aventura de sonho, é certo, mas que não impede Bruno Santos de ter os pés bem assentes no solo. Mas, e se como de um milagre de Ano Novo se tratasse, ganhasse uma etapa da corrida mais dura do Mundo? A quem dedicaria o triunfo? A resposta tarda um pouco, como se estivesse a pensar em quem nomear. Não que não saiba quem tem em mente e guarda no coração. Mas, simplesmente, porque é uma resposta agridoce. Sentida e tão íntima que custa a verbalizar.

“Não é fácil”, começa com a voz algo embargada. Depois, desata o nó.
“Em primeiro lugar, à minha esposa Joana, incansável no apoio diário nesta jornada no Dakar como ao longo do resto do ano. Estamos sempre juntos e esta aventura é algo dos dois! Aliás, se não fosse ela com toda a dedicação e esforço, não podia viver o que estou a viver”. Nova pausa. Respira fundo e continua.
“Por outro lado, um amigo que já não está entre nós e sempre foi o meu companheiro das motos e fã número 1. Um grande entusiasta, apoiante incansável e motivador extremo, o Miguel sempre teve muito orgulho nos meus resultados e na carreira. Além disso, tenho a certeza de que se conseguisse um triunfo, ninguém o calaria por muito e muito tempo”. Afinal, há pessoas por quem vale a pena lutar ainda mais. Porque o Dakar mantém a aura original do criador Thierry Sabine e continua a ser “uma aventura para os que vão, um sonho para os que ficam”.

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