Suzuki RG 50. Ajustar contas com o passado

Autor:  Alberto Pires

Fevereiro 25, 2023

No final dos anos ’70, início dos ’80, os nossos sonhos com duas rodas eram tão simples quanto impossíveis de realizar. É essa a razão pela qual, em Portugal, as cinquentinhas dessa época atingem hoje valores estratosféricos. São contas de um passado glorioso bem refletidas nesta Suzuki RG 50. Texto: Alberto PiresFotos: Alberto Pires, Paulo…

No final dos anos ’70, início dos ’80, os nossos sonhos com duas rodas eram tão simples quanto impossíveis de realizar. É essa a razão pela qual, em Portugal, as cinquentinhas dessa época atingem hoje valores estratosféricos. São contas de um passado glorioso bem refletidas nesta Suzuki RG 50.

Suzuki RG 50
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  • Texto: Alberto Pires
  • Fotos: Alberto Pires, Paulo Ribeiro

Só para ilustrar essa importância, veja-se que os pré idosos, algures entre os 55 e 65 anos, não se importam de pagar hoje uma fortuna para completar a sua caderneta de cromos da adolescência. Não se trata de resgatar o passado, repleto de autonomia e inconsciência, que assumimos e, se pudéssemos, repetiríamos quase na íntegra. Queremos apenas retirar-lhe as manchas, as ausências e polir as rugosidades para o recordarmos sem reticências.

Suzuki RG 50
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Seja como for, a memória que tenho da RG não é das melhores, e a responsabilidade é apenas minha. Quando a vi pela primeira vez já existia a RD 50 com travão de disco hidráulico na frente, jantes de sete braços em alumínio e, sobretudo, com uma decoração que nos transportava para as vitórias de Kenny Roberts. Era assim considerada mais desportiva e mais inovadora. Só que a minha ignorância não me permitiu apreciar devidamente o facto da RG ser a herdeira da Suzuki RG 500, lançada em 1974 e que desde 1976 dominava o mundial com o seu motor de quatro cilindros em quadrado a dois tempos! E que tão bem detalhada surge no livro Team SUZUKI, de Ray Battersby.

RG 500 Mk2 2 - MotoX
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A mais pequena

Apresentada em 1977, a RG 50 pesava apenas 76 kg e era a mais baixa e pequena de todas. Recordo-me apenas de a ver em azul, apesar de nos catálogos da época surgirem também em preto, branco e vermelho. Sinceramente, nunca gostei daquele azul, era demasiado ‘bebé’ e, mais uma vez, só agora é que lhe dou o devido valor: era o azul na tonalidade usada pelas RG 500 de pista!

Mecanicamente destacava-se. O motor monocilíndrico era considerado desportivo, com caixa de cinco velocidades e debitando 6,3 cv às 8.500 rpm, curiosamente o mesmo que a sua rival, a RD 50. No entanto, pelas cotas internas, por ter um pistão com maior diâmetro privilegiava a subida de rotação. Olhando para a concorrência da época, era a que tinha maior ‘pedigree’ apesar de tecnicamente perder para a RD porque o seu travão de disco era de acionamento mecânico e não hidráulico.

Inegavelmente, o painel de instrumentos era um dos motivos de orgulho, não ficando atrás das restantes com maior cilindrada. Em primeiro lugar, o destaque ia para o conta rotações com escala até às 12.000 rpm, com a zona vermelha a iniciar-se nas 10.000 rpm e luzes avisadoras de mudança de direção, neutro e máximos. De fato era um luxo na época, a referência tecnológica e um entretenimento durante a condução.

O que parecia um incómodo, na altura, era a dimensão do banco, demasiado pequeno. Na realidade era mais um detalhe que lhe trazia proximidade à versão de pista, pois pretendia parecer-se com as versões de competição, mas no limite para conseguir encaixar um passageiro. Contudo, a razão para o formato da zona final, com uma pequena elevação, passou-me também ao lado. A ignorância tem destas coisas!

A Suzuki RG 50 e o seu motor delirante

Recordo-me que a derretíamos sem piedade. Isto porque o motor acordava por volta das 6.000 rpm, nunca andava abaixo disso, e a linha vermelha no quadrante direito fazia apenas parte da decoração. Assim, a escala do velocímetro era o primeiro obstáculo a ultrapassar, e apercebo-me hoje da dimensão da sua bondade! A travagem era sofrível, ficando abaixo da performance de um travão de tambor, mas a imagem do disco compensava tudo! Quanto às suspensões, as referências na época eram tão más que não eram motivo nem de queixa nem de apreço. Estavam lá, e já não era mau!

Esta Suzuki RG 50 foi restaurada pelo João Claro, que assumiu o desafio de a fazer renascer sem fazer concessões à qualidade. Ou seja, aproveitou o confinamento para mergulhar no mundo digital das peças disponíveis para o modelo, recusando tudo o que não fosse original e não estivesse excelente. O resultado está à vista. Com efeito impressiona verificar a autenticidade dos parafusos, das braçadeiras, do saco de ferramentas, dos quadrantes novos, comprados em caixa, e da exigência colocada na pintura.

É com o resultado de todo este trabalho que a abracei, dei ao ‘kick-starter’ e a fui experimentar. O som fez-me recuar mais de 40 anos, quando apenas a via passar. É uma sensação estranha. Enquanto aceleramos e trocamos de caixa libertamo-nos de uma ausência que persistia em se agarrar ao lado desagradável da memória, evaporando-se lentamente. O espaço que ocupava é agora preenchido pelas alegrias vividas nesses tempos, enquanto, aos poucos, nos apercebemos da evolução que entretanto se deu.

Como um miúdo no carrossel

Esta RG parece uma mini moto daquelas que estão agarradas aos carrosséis, onde se colocam os filhos em dias de feira popular. Por exemplo, os punhos são pequenos, as manetes fininhas, os botões no lado esquerdo que controlam as luzes, piscas e buzina são mínimos, com a identificação da função gravada no alumínio. O retrovisor, redondo, serve apenas para perceber a dimensão da felicidade enquanto reencontramos velhos amigos, como os piscas cromados com protuberância anterior, patilha do ‘choke’ no carburador, o óculo para o nível de óleo de mistura ou a torneira de combustível de acionamento perro.

Suzuki RG 50 1977 4 1 - MotoX
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A RG não tem uma posição de condução definida. Escolhemos aquela onde nos sentirmos melhor. Por respeito ao cuidado que mereceu e por o motor estar ainda em período de rodagem não passei das 6.500 rpm. No velocímetro, os 60 km/h indicados devem pecar por excesso em pelo menos 25%, mas não é importante. O som produzido, o mais rouco da sua geração, torna-se mais agudo com o subir de rotação, mas o timbre mantém-se distinto.

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Foram várias as cabeças que se viraram à passagem da Suzuki RG 50 pelas ruas da Foz, no Porto, acompanhadas invariavelmente por um sorriso. Afinal, nada que estranhasse, depois da sessão fotográfica ter demorado o dobro do tempo, tal a quantidade de pessoas que paravam e sentiam a necessidade de falar dela e de tudo o que a recordavam. Foi bom, muito bom!

Para melhor perceber tudo o que envolveu esta RG, assista à conversa tida com o João Claro, dono e autor do restauro desta preciosidde.

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Suzuki na mão
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