Honda CBR1000RR-R SP. Herança eterna
Autor: Alberto Pires
Março 26, 2024
A Honda CBR1000RR-R SP é a mais recente interpretação de uma determinada essência desportiva. Porque há conceitos intemporais. Reafirmam-se pela sua existência, num processo de auto validação que se perpetua. A Fireblade nasceu orientada por um princípio essencial, que se valoriza a cada geração. Quando Tadao Baba criou a primeira CBR 900 RR Fireblade, tendo…

A Honda CBR1000RR-R SP é a mais recente interpretação de uma determinada essência desportiva. Porque há conceitos intemporais. Reafirmam-se pela sua existência, num processo de auto validação que se perpetua. A Fireblade nasceu orientada por um princípio essencial, que se valoriza a cada geração.

- Texto: Alberto Pires
- Fotos: Ciro Meggiolaro, Zep Gori
Quando Tadao Baba criou a primeira CBR 900 RR Fireblade, tendo como trave-mestra o conceito Total Control, estava longe de imaginar que, quinze gerações depois, esse princípio estaria mais atual que nunca. Se com 900cc, 125 cv e 185 kg de peso era importante integrar todos os elementos por forma a ser possível explorar aquela que era a referência na classe mais exigente, agora, passados 32 anos, com mais 100 cc, 16 kg de peso e 102,5 cavalos disponíveis, é imperioso que isso aconteça. O slogan da Pirelli – marca que forneceu os pneus slick utilizados em Portimão – sintetiza na perfeição a ideia original: ‘Power is nothing without control!’
Nas asas de MotoGP
Esteticamente são pequenas as diferenças, mas como estão situadas na frente e nas laterais sobressaem. O conjunto de pequenas asas em escada integradas na lateral da carenagem deu lugar a uma asa que vai da parte inferior dos faróis até à parte superior lateral da carenagem. E que aproveita o fluxo aerodinâmico produzido para carregar a frente. Desta forma consegue-se atenuar o levantar da roda dianteira em aceleração e aumentar a estabilidade em travagem e na entrada em curva.

As imagens não fazem justiça à sua elegância, quase desaparecendo numa das mais felizes decorações oferecidas até hoje com as três cores da marca, denominada Vermelho GP. O formato do guarda lamas dianteiro contribui também para a penetração aerodinâmica da revista Honda CBR1000RR-R SP. Estabiliza o fluxo nos radiadores de ar e óleo e orienta o restante pelas carenagens laterais. Que têm a dupla função de desviar o ar dos pés do condutor e, através do difusor na parte final, proteger a roda traseira da sua ação.

Quanto ao quadro, participa cada vez mais ativamente no comportamento dinâmico. Depois de décadas em que genericamente se procurava a rigidez, obrigando-os a suportar estoicamente todas as forças sem protestar, atualmente têm a delicada tarefa de gerir conflitos, potenciando simultaneamente o que de melhor cada um dos elementos que lhe está ligado pode oferecer. Na realidade, é provavelmente o elemento que mais variáveis incorporou na equação que conduziu à sua definição.

O formato em diamante conta com quatro partes, soldadas, e tem como base alumínio com uma espessura de 2 mm. Já o motor, mesmo não tendo uma função estrutural, participa na dinâmica do seu funcionamento.
Milímetros que fazem diferenças importantes
É a partir daqui que começamos a encará-lo como um elemento vivo. As nervuras internas desapareceram sendo substituída a sua função através da forma dos seus elementos. A rigidez lateral é menor em 17% e a torcional 15%, enquanto o peso baixou 960 gramas. Ao que se deve adicionar uma redução de 140 gramas através de parafusos de fixação do motor mais curtos.
No braço oscilante o esforço não foi menor, sendo 18 as diferentes espessuras de alumínio usadas no seu fabrico. Desta forma foi ajustada a rigidez horizontal e vertical em função do pretendido.
O sub-quadro contribuiu também para o resultado final. Recorre a tubos redondos de parede fina, com um desenho que estreita a zona do depósito e do banco para compactar a posição de condução. Contribui para esse efeito também o achatamento da parte anterior do depósito.

Relativamente à versão de 2020 a distância entre eixos da Honda CBR1000RR-R SP reduziu em 5 mm, sendo agora de 1450 mm. Também o ângulo da coluna de direção é menos acentuado, passando de 24º para 23º56′ e o trail de 101,8 para 100,8 mm. São alterações mínimas mas suficientes para fazer a diferença a este nível, quando se pretende conciliar a sensibilidade com a rapidez de reação.







Para além desta realidade dinâmica, é fundamental também que quem a conduz não tenha de o fazer submetido a uma posição de condução forçada. Nesse sentido, e através do aumento da altura do banco em 2 mm, de um guiador mais alto 19 mm, mais próximo 23 mm e com os poisa pés rebaixados 19 mm, surge um renovado triângulo ergonómico, com posição mais natural, menos encavalitada.
Montra tecnológica
No capítulo das suspensões pode-se considerar que esta CBR1000RR-R SP é uma montra tecnológica da Öhlins. É a primeira moto de produção a montar a terceira geração da forquilha NPX (SV) de 43mm de diâmetro. Dotada de um novo tipo de válvula de êmbolos, ao que se junta na traseira uma unidade TTX 36, integrando o sistema Öhlins Smart Electronic Control (S-EC3-0). O conjunto é completamente ajustável e controlado pelo sistema Öhlins Objective Based Tuning interface (OBTi). Tem três afinações pré definidas para Track, Sport e Rain, podendo ser modificadas através de incrementos de 5%, regressando ao ajuste original quando se pretender.

Há ainda a possibilidade da definição de três modos individuais separados. Que prevêem alterações de utilização como o tempo, desgaste de pneus ou quantidade de combustível, selecionáveis em andamento. Para manter a frente composta está montado um amortecedor de direção electrónico na parte inferior da coluna de direção. Componente controlado através da IMU, que recolhe o sinal proveniente da velocidade das rodas, oferecendo 3 níveis de atuação.
A travagem está de acordo com este nível. Os discos de 330 mm tem uma faixa estreita de contacto e 5 mm de espessura, as pinças Brembo Stylema R e a bomba radial. Na traseira o disco de 220 mm é mordido por uma pinça Brembo igual à montada na RCV213V-S.


A Honda CBR10000RR-R SP conta com dois pneus homologados para estrada: Pirelli Diablo Supercorsa SP V3 e Bridgestone RS11. Por uma questão de facilidade e uniformização logística, para o teste em pista, a escolha recaiu nos ‘slick’ Pirelli SC3.
A leveza dos componentes
O motor foi sujeito a uma revisão cuidada dos seus componentes fundamentais, seguindo uma receita frequente em competição. A câmara de combustão foi redesenhada, aumentando-se a taxa de compressão, os pistões produzidos com uma nova liga. A redução do peso dos componentes, fundamental para reduzir a inércia interna e aumentar a aceleração incidiu no cárter, cambota, árvore de cames, bielas e válvulas de admissão. As condutas de admissão foram redimensionadas, as molas das válvulas têm três estágios de atuação e a cambota tem novos diagramas acionamento. No total, a redução foi de 596 gramas nas peças em movimento interno, valor impressionante para um motor cuja potência máxima é de 217,5 cv às 14.000 rpm! As relações de caixa estão mais próximas e a relação final, relativamente à anterior versão, está ligeiramente mais curta.
Se tudo isto favorece a aceleração, foi através da adoção de dois motores para o comando diferenciado da abertura das borboletas de admissão que este comportamento foi potenciado. Desta forma, as de admissão dos cilindros 1 e 2 abrem naturalmente com o rodar do punho enquanto as do 3º e 4º o fazem progressivamente, abrindo completamente apenas a partir das 4.000 rpm.

Em travagem, com o acelerador fechado, os cilindros 3 e 4 continuam com as borboletas abertas mas deixam apenas entrar ar. Simultaneamente fecha-se a válvula situada no escape, amplificando-se desta forma o travão motor. Quando se reacelera a válvula de escape abre e só depois é que as borboletas dos cilindros 3 e 4 o fazem. Desta forma a entrega da potência é mais progressiva, melhorando a linearidade à saída de curva.
Eletrónica à prova de distrações
Como medida de precaução, para evitar os danos provocados pelos mais impacientes, o motor não ultrapassa as 8.000 rpm enquanto não atingir os 70º centígrados. O escape em formato 4-2-1, com coletores ovalizados, termina numa panela Akrapovic em titânio, com um litro mais de volume, ajudando a reduzir o som emitido em 5 dB.

Os valores de máximos de potência e binário mantêm-se, mas entre as 8.000 rpm e as 12.000 rpm são evidentes as melhorias na nova Honda CBR1000RR-R SP. É uma proeza considerando que cumpre as normas Euro5+.

Tudo isto é depois potenciado pela gestão electrónica através da unidade de medição Inercial (IMU) Bosch MM7.10 de seis eixos, partilhada com a mais recente Africa Twin Adventure Sports. Imaginem a capacidade de interligação entre os cinco níveis de disponibilidade de potência, três níveis de travão motor, nove níveis de controlo de tração, três níveis de ABS (Standard, Track e Race), três níveis de elevação das rodas dianteira e traseira, seis possibilidades de configuração fixa de suspensão eletrónica, e três estágios de amortecedor de direção. Junte-se ainda três níveis de ‘quick-shifter’ e 4 possibilidades de Start Mode! Algumas destas funções permitem ainda ajustes individuais, sendo astronómico o número de combinações possíveis!
Com conselhos de campeões
Fui para a pista sem limitações de potência, controlo de tração na posição 4 de um máximo de 9, travão motor no máximo e a suspensão e ‘wheelie control’ em modo Sport. Foi a configuração base escolhida pela Honda para esta ocasião, seguramente bem aconselhada pelos vários campeões presentes.

As condições em que aconteceu o primeiro contacto podiam distorcer a análise. Tinha acabado de fazer dois turnos de 20 minutos na nova CBR 600RR, uma referência em termos de equilíbrio e abrangência, para além de estar, agora, dotada de tudo e mais alguma coisa no capítulo das ajudas eletrónicas. Saltar para algo com cerca de 100 cv mais e cuja imagem se confunde a vinte metros de distância, era meio caminho andado para contaminar a percepção.
Na realidade foi com espanto e alguma incredulidade à mistura que cheguei à curva 5 em Portimão, uma das zonas mais delicadas do circuito. Estamos formatados para, numa ‘mil’ com pelo menos dois R’s, antecipar os movimentos e ter que descontar a vontade da inércia. Deve forçar-se a entrada em curva, sentir nos punhos o peso do corpo e manter a frente na trajetória com a traseira a empurrar. Suster o abanar em aceleração e procurar refúgio na carenagem enquanto nos sentimos como um corpo estranho em cima de algo que, nitidamente, acordou, ou nasceu, com mau feitio.
Pois, era este o ponto de partida, a expectativa, e nada disso estava a acontecer. Enquanto procurava a explicação para este facto, começando por atribuir a razão a uma abordagem demasiada conservadora, a realidade continuava a confrontar-me com a bondade do conjunto. Ao fim de algumas voltas tive de refazer as minhas referências.
A descobrir novas sensações
Num primeiro momento tive que colocar de parte a sensação frequente, tanto na travagem como a meter em curva, de que vamos em cima de um carril em mau estado, que nos obriga a seguir uma direção e nos sacode para onde lhe apetece. Em seguida, perceber que não tenho de sentir o eixo dianteiro nas mãos como preço a pagar pela informação por onde estou a passar. Por último, retirar da equação a referência de que só estou a travar tarde quando já me custa espremer a manete direita.
Depois de estabelecido e acomodado neste novo quadro de convivência, é altura de aproveitar tudo o que está disponível. E, então sim, desafiar as minhas referências num dos melhores traçados do mundo.

A posição de condução dá-nos a liberdade de movimentos suficiente para encontrar a melhor abordagem para cada situação. E as mudanças de ângulo, ao não estar demasiado encolhido, exigem menos esforço. O achatamento da curvatura do depósito permite também transformarmo-nos numa autêntica lapa. E disponibiliza uma melhor proteção atrás da carenagem, enquanto nos entretemos a ver quanto é que conseguimos marcar no velocímetro. A minha GoPro registou 297 km/h, eu deixava de olhar para o painel TFT de 5 polegadas aos 280 km/h!

É um exercício que depende unicamente da trajetória de entrada na reta. Depois acelera-se sem receio que a frente levante em demasia assim que acabamos a subida. John McGuinness, 23 vezes vencedor na Ilha de Man, garantiu que o ‘wheelie control’ da CBR1000RR-R SP resolvia a questão! Os discos de 330 mm, as pinças e bomba Brembo fazem o milagre de garantir que podemos travar ainda mais tarde. Mas essas décimas a mais acabam por ser úteis para desenhar a linha ideal para a curva um.
Miolo de precisão milimétrica
É, no entanto, no miolo da pista que usufruímos da qualidade e interligação de todos os elementos. O afundar da suspensão dianteira na justa medida, mantendo a traseira a exercer a função de estabilizar o conjunto permitindo uma colocação da frente com precisão milimétrica, é o indício mais evidente da articulação proporcionada pela IMU de seis vias. A este nível eu já não consigo determinar a proveniência da intervenção! Impossível diferenciar a dimensão do ABS em curva, do travão motor ou da variação de comportamento das suspensões eletrónicas.

Na realidade também não é algo que ofereça grande preocupação. Prefiro concentrar-me naquilo que oferece, amplificado pela performance dos Pirelli Slick SC3 que tinha montados, usufruindo do descanso proporcionado pelo contribuição irrepreensível do ‘quick-shifter’ nas duas direções. Com as variáveis físicas com que tenho de lidar, ter a mão esquerda concentrada apenas em segurar o punho e a direita liberta da função de subir a rotação nas reduções, menos significa muito mais! Quanto à novidade, por todos salientada, relativamente ao funcionamento proporcionado pela abertura em dois blocos das borboletas de admissão, é percepcionada de duas formas.
Acusticamente, em travagem há um abafar sonoro, e, quando aceleramos, sente-se um gargarejar. Pouco depois um som profundo proveniente do depósito de combustível, que nos acompanha adicionando uma nota grave ao silvo produzido pelo escape. E que, dinamicamente, contribui para o travão motor. Por outro lado, já em aceleração, ajudar a gerir a entrega da potência de forma ativa, conjugando-se com a contribuição reativa proveniente da análise da diferença de rotação entre as rodas.
Um canhão desde o arranque
Numa próxima oportunidade ensaiaremos o ‘Start Mode’ da Honda CBR1000RR-R SP. Quero colocar o motor entre as 6.000 rpm e as 9.000 rpm e simplesmente largar a embraiagem, para ver como é que o sistema aguenta a carga de cavalaria!

Posso concluir que esta CBR1000RR-R SP é um colosso enquanto moto desportiva. O seu equilíbrio dinâmico permite-nos uma interação imersiva em todas as dimensões da condução sem mascarar os limites de cada um. Ou seja, podemos usufruir de performance em consciência e deste modo progredir até onde a nossa vontade o determinar.

Ao nível dos acessórios está disponível um Pack Racing e um Pack Confort. Mas, para uso mais intenso em pista, a HRC disponibiliza um kit completo. Nesse sentido é incluída nova ECU, cablagem elétrica, junta de cabeça, embraiagem, eixo traseiro de desmontagem rápida e escape de competição.
O preço da Honda CBR1000RR-R SP Firebladeainda não está definido mas não deverá ser muito diferente da versão anterior. Assim que for conhecido será aqui anunciado.
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