Kawasaki Z650RS. Nostalgia, simplicidade e diversão

Os estudantes, mesmo após a conclusão da sempre agitada vida académica, jamais deixam de evocar, saudosamente, que Coimbra tem mais encanto. São memórias que apelam ao sentimento, recordando uma fase da vida em que tudo era mais simples. Ó, e como as coisas simples podem ser boas! Basta olhar para a Kawasaki Z650RS para reviver um passado áureo, onde as motos eram simples mas eficazes, capazes de despertar emoções genuínas.

Fomos descobri-la, claro está, na cidade dos estudantes.

Texto: Paulo Ribeiro

Fotos: Kawasaki/Rui Jorge

A mensagem é clara! Que ninguém negue a importância do passado! Alerta que se aplica com total autoridade à novíssima Kawasaki Z650RS, como a todas as propostas que vão buscar inspiração a anteriores modelos da marca. Mais do que mera inspiração estética, procura-se a recuperação de valores das mais profícuas décadas do século passado. E são, sem dúvida, os anos ‘70 os mais revisitados pelas casas japonesas, italianas, alemãs ou britânicas. Assomos de nostalgia temperados pela mais moderna tecnologia.

Moderna de roupagens clássicas

Foi esse o ponto de partida para a Z650RS, visão clássica da irreverente naked Z650, partilhando códigos estéticos com a Z900RS e RS Café. Imagem retro muito bem conseguida de assumida inspiração na belíssima Z650 B1, de 1977, a que a história se refere como filha da mítica Z1. E tirando o bloco de 4 cilindros em linha ou o longo escape cromado, sinais dos tempos, a verdade é que as duas Z650, a B1 e a RS, não escondem traços de familiaridade. Com 45 anos de diferença poderiam muito bem ser mãe e filha… As semelhanças vão até ao perfil do assento e das suas costuras, passando pela forma das caixas dos manómetros e do farol ou pela inconfundível traseira da família Z. E até a identidade visual reflete fortíssima inspiração, com nome da marca em relevo no depósito e o ‘lettering’ daqueles tempos.

Voltemos aos dias que correm. Ao ampliar a família RS, a Kawasaki criou aquilo a que chamou Retrovolution. A evolução da espécie tendo em conta os valores de tempos idos. À imagem clássica, ao estilo retro, juntou mecânica bem moderna, com tecnologia desportiva, em cocktail que resulta atrativo, suave e com sabor que perdura.

A base técnica é reciclada da Z650 (o bloco de motor é também o mesmo da Versys, Ninja e Vulcan S), sendo apenas aplicadas umas quantas mudanças de pormenor rumo a uma retro desportiva.

Rebeldia intemporal

Da naked Z650 a Kawasaki aproveitou o motor, já se disse, mas também o quadro em treliça, o sistema de amortecimento e a travagem. E até os pneus montados de origem são os mesmo Dunlop SportMax Roadsport 2. Diferentes são as jantes, com novo design que atira para as rodas raiadas, a que se juntam os travões de perímetro liso e não recortado. Retro oblige.

O guiador, mais alto e largo, apoiado em mesas de direção colocadas em posição mais elevada (graças aos tubos de suspensão mais longos), cria nova posição de condução. De costas direitas e com os poisa-pés em posição neutra. A que se junta o excelente apoio oferecido por um banco de generosa largura e da facilidade exponenciada por um depósito muito estreito. E se a ficha técnica diz que o banco está mais distante do solo (820 contra 790 mm da outra Z) a verdade é que não se nota essa diferença. Para os que não se sintam confortáveis, a lista de acessórios oferece um banco mais baixo.

O resultado é espelhado na posição de condução bastante descontraída, em banco muito confortável para os condutores mais altos, que poderão usufruir em toda a plenitude do amplo e bom estofo na parte central do assento. Já os mais curtos de pernas e, sobretudo, de braços, mesmo não tendo grande dificuldade em apoiar devidamente os pés no chão, terão que conduzir um pouco mais à frente, mais sobre o depósito, notando por vezes a maior dureza da extremidade do banco. Um detalhe apenas e que não penaliza o bom nível geral de bem-estar a bordo.

Simplicidade história

Antes de arrancar para o primeiro contacto com a Kawasaki Z650RS, tempo para apreciar o painel clássico, com dois mostradores analógicos redondos ladeando pequena janela digital. Herança direta da Z900RS, oferecedor de boa legibilidade e informações mais do que suficientes.

Do odómetro, com totalizador de quilómetros e dois parciais, aos consumos instantâneo e médio além da autonomia com a gasolina restante no depósito de 12 litros. E, de forma mais visível, em gráficos de barras, o nível de combustível e a temperatura do líquido refrigerante enquadram a velocidade engrenada.

Simplicidade e eficácia que continua nos comandos, em número e com funções idênticas às que veríamos num modelo da década de 1970. De bom tato e com posicionamento intuitivo, revelam apenas um botão extra, que permite mudar entre as várias informações do painel. Comutador bem mais prático do que os botões que estariam, antigamente, junto aos dois mostradores.

Nota final no capítulo estético para o farol redondo, em preto e aro cromado, de imagem clássica apenas disfarçada pelas luzes LED, em imprescindível toque de modernidade. Também os retrovisores variam entre o clássico formato redondo e o moderno tom negro. Não são cromados como noutros tempos, é certo, mas são discretos e não apresentam vibrações perniciosas para a visibilidade à retaguarda. Também as manetes partilham deste equilíbrio temporal entre o formato e material clássico e a moderna possibilidade de regulação da distância aos punhos.

A menina dança?

Tempo de colocar a Kawasaki Z650RS em marcha e ver o que vale na cidade, de Coimbra para o caso, como nas mais reviradas estradas rumo à belíssima aldeia de xisto do Talasnal, em plena serra da Lousã.

No burgo coimbrão, onde as capas negras ainda não tinham assomado à rua na fresca manhã de início de dezembro, ficou bem patente a desenvoltura da RS em meio urbano. Desde logo pela facilidade em apoiar os pés no solo, com a fineza do depósito e da parte dianteira do banco a fazer esquecer uma altura mais elevada face à naked Z. A que se junta uma boa brecagem e um guiador com largura adequada às aventuras entre os automóveis e autocarros.  Elevada maneabilidade que contribui para a grande facilidade nos percursos quotidianos, de forma sempre confortável e segura.

A suspensão, sem qualquer possibilidade de ajuste na dianteira, está bem adequada à filosofia e prestações da RS. Com um toque aveludado na parte inicial do curso, perfeito para os pisos irregulares das cidades como para o asfalto mais irregular ou até o empedrado rumo às recônditas aldeias lusitanas, só mostra algumas limitações quando o ritmo ultrapassa o aconselhável e legalmente permitido. A velocidades bem acima das de um tranquilo passeio de domingo, revela então alguma falta de capacidade de digerir os maiores solavancos, sobretudo quando são consecutivos. Comportamento normal numa máquina que está longe, muito longe mesmo, de ter ambições desportivas e que só é notório, sublinhe-se, quando testamos os limites. Já no eixo traseiro, a possibilidade de ajuste de pré-carga, tarefa complicada com o mecanismo de afinação debaixo do banco, minimiza os efeitos da menor capacidade de retorno (‘rebound’) do mono amortecedor colocado em posição quase horizontal.

Dançar consoante a música

Com amortecimento que, ainda assim, está perfeitamente à altura dos acontecimentos, destaca-se, por outro lado, a excelência de uma ciclística que assenta no motor autoportante. Garantia de rigidez acrescida à estrutura em treliça tubular que serve de quadro. Afinal esta é a base da irrequieta Z650, que, com uma mudança de roupa e uma maquilhagem perfeita, transforma a traquina urbana em elegante princesa a caminho do baile. E que, independentemente do ritmo tocado pela orquestra, não se desmancha. Antes revela grandes dotes de bailarina da valsa ao foxtrot, passando por um tango ou por uma sensual morna.

Mudanças de ritmo que trazem ao de cima outro ponto muito positivo. A travagem mostrou-se muito modulável, fácil de controlar, mas surpreendeu essencialmente pela enorme potência. Mesmo sem pinças radiais ou discos com rebordo recortado em forma de pétala (uma vez mais, retro oblige…), a capacidade de desaceleração é soberba. E apenas o tato, demasiado mordaz ao primeiro toque, pode intimidar os menos experientes. Mas apenas num momento inicial para, logo de seguida, mostrar-se bem doseável, controlável e progressiva. Isto na dianteira porque atrás a coisa muda de figura, com um conjunto que leva a roda a bloquear com alguma facilidade.

Com o maestro a acompanhar o estado de espírito do condutor, a música pode mudar a cada momento sem que isso represente redução da performance… artística. O motor tem personalidade forte, é certo, mas deixa-se levar com facilidade. Bem arredondado, é facilmente utilizável desde as mais baixas rotações, condizente com o espírito de uma retro, sendo menos notórias as batidelas do que quando caía o regime na Z650.

Discrição de princesa

Maiores semelhanças, aí sim, nas vibrações que chegam aos pés por volta das 5000 rpm sob a forma de ligeiro formigueiro, bem como o toque metálico da caixa de velocidades. Uma dureza que torna a utilização da caixa menos agradável a ritmos baixos. Mas que, assim que se acelera, responde com funcionamento muito preciso e grande rapidez de engrenagem. Altura em que também o escape ganha nova vida. Com uma sonoridade sóbria, mas possante, de presença forte mas sem abdicar da discrição própria das verdadeiras princesas.

Resumindo, um conjunto de elevada suavidade geral, muito agradável ao toque, desde o motor mais arredondado à embraiagem, assistida e deslizante, de tato super macio. E com grande agilidade urbana, excelente maneabilidade em estrada, ressaltando ainda a facilidade de passagem em curva. Características que permitem um ritmo bem acima do que a imagem deixaria supor! E com uma média de consumo que, apesar da animação ao longo de todo o dia, andou pelos 4,6 L/100 km. Nada mau para um dia de enorme diversão com uma moto que já está nos stands da marca, ao preço de 8495 euros, sendo que a proposta em negro custa 8390 €.

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