André Sousa não para de sonhar e, não menos importante, de concretizar os sonhos. Depois da Volta ao Mundo, ao longo de três anos de aventuras e peripécias, atravessou o continente americano desde o Polo Sul ao Polo Norte. Foram mais de 63 mil quilómetros de Ushuaia, bem no sul da Argentina, até à pequena aldeia petrolífera de Deadhorse, no Alasca, passando as fronteiras de 23 países. Finalmente em casa, depois de ano e meio de uma viagem que meteu tiros, roubos e perseguições, André Sousa conta as primeiras estórias. A não perder!

- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Paulo Ribeiro
Na chegada a Portugal, com um misto de alegria conferido pela sensação de missão cumprida, e de tristeza, já a sentir a falta da aventura que só uma grande viagem oferece, André Sousa não escondeu a surpresa de ver tanta gente, tantos amigos, na Portela do Homem. Na passagem do Xurés galego para o Gerês minhoto, como na chegada triunfal a Barcelos. Na mesma praça de onde André Sousa partiu 525 dias antes.

O homem da “Ride That Monkey” trocou o ‘mini amendoim’, como carinhosamente trata a Honda Monkey com que se tornou o primeiro a dar a Volta ao Mundo a solo numa moto tão pequena, pela mais adequada Honda Africa Twin. Em comum, para lá da cor amarela das motos, o genuíno desejo de aventura de quem não se intimida perante os maiores desafios. E semelhantes foram também as fortíssimas sensações de André Sousa ao chegar a Portugal.

É que, “apesar de utilizar as redes sociais para ir partilhando algumas das estórias durante a viagem, nem sempre há muito tempo para acompanhar de perto e por isso não fazia ideia de quantas pessoas seguem o projeto” conta André Sousa. Que, por isso mesmo, ficou surpreendido por “não estar à espera de tanta gente. Aliás, fiquei quase dormente, mesmo sabendo que estariam à espera na chegada, mas não esperava tantas bandeiras, tanto apoio e carinho. Curioso é que, ainda em Espanha, já era seguido por uma série de motos, numa caravana de boas-vindas que se prolongou até Barcelos”.
A multidão depois da solidão
Mas o aventureiro ainda teve tempo para mais espantos. “Aí a uns 20 km de Barcelos havia uma pessoa, parada na berma da estrada nacional, com uma enorme placa a dizer LUME, uma espécie de grito de guerra que encerra muitos vídeos deste projeto”.

Emocionado com a receção a caminho da ‘chegada oficial’, André Sousa reconhece “que foi uma enorme loucura mesmo com temperaturas muito elevadas, de 36º no Gerês, que levou muitos dos que estiveram na fronteira a não irem a Barcelos, outros a ficarem pela concentração do Motoclube Serra do Gerês, ficando mais divididos do que aquando da partida, a 27 de janeiro de 2024, ainda e sempre apadrinhada pelos amigos barcelenses dos Motogalos e pela Câmara Municipal de Barcelos”.

Agora, 74 semanas depois do arranque, André Sousa chegou “sem palavras capazes de expressar o agradecimento o todos os que tornaram possível esta louca aventura. Os patrocinadores e, sobretudo, os amigos e motociclistas. Sem todos eles era impossível”, garante. E assegura também que não vai escrever outro livro para contar as estórias e peripécias vividas entre Ushuaia, bem no sul da Argentina, e Deadhorse/Prudhoe Bay, a cidade mais a norte do continente americano, no Alasca.

“O livro Volta ao Mundo de Minimoto aconteceu para perpetuar a história vivida com a Monkey, para que um qualquer curioso possa descobrir, nem que seja daqui a 100 anos numa qualquer biblioteca, a história do maluco André Sousa que se lançou numa travessia única. Foi uma viagem ímpar, feita em 3 anos a 50/60 quilómetros por hora, com imensas contingências, incluindo o COVID, atropelamentos, um internamento de dois meses, um sequestro, um terramoto e tantas outras histórias interessantes que, graças ao resultado final, até dão para rir um bocado”.
Maxi aventura com uma minimoto
Com os astros alinhados para poder cumprir a travessia planetária e numa idade que tudo permitia, André Sousa reconhece que “com uma minimoto é mesmo complicado fazer uma volta ao Mundo. E dos muitos que foram pedindo ajuda e dicas para o fazer, conheci um grupo de 4 rapazes americanos (quatro e não apenas um!) que tentaram ir dos Estados Unidos a Ushuaia e acabaram por desistir logo no Panamá. Agora com uma moto maior, tendo coragem, tempo, vontade de conhecer e desejo de aventura, qualquer pessoa consegue fazê-lo”.




Na travessia da máxima latitude possível do globo, houve tempo para tudo, numa viagem marcada por muitos ‘recordes’. Atravessando a cordilheira andina, a mais extensa do Mundo com 8000 quilómetros entre a Argentina e a Venezuela, o motociclista de Oliveira de Azeméis, atravessou o deserto mais árido do Mundo (Atacama, norte do Chile), passou na capital nacional a maior altitude (La Paz, Bolívia, 3640 metros), no maior deserto de sal (salar de Uyuni, Bolívia, 10.582 km2), no lago a maior altitude (Titicaca, entre a Bolívia e Peru, 3812 m) e ainda entrou na Amazónia, ficando chocado com a destruição que o Homem está a fazer na maior floresta tropical do planeta.
Como nos filmes de bandidos…
Uma aventura que, uma vez mais e um pouco à imagem da que é relatada nas páginas do livro, daria um bom argumento para um filme de ação, entre quedas bizarras, tiroteios, perseguição a bandidos ou um roubo de um moto que valia… nada! Entre o ar sério de quem foi roubado e os risos de uma estória tão caricata, André Sousa recorda o primeiro projeto de uma grande viagem, numa altura em que fazia um intercâmbio universitário no Brasil.

“Ainda fazia corridas de motos quando surgiu o convite para dar a volta à América do Sul em 120 dias com a última Honda CG 125 produzida no Brasil, na fábrica da Manaus, em 2018. Foram quatro meses na viagem mais rápida em redor do continente sul americano, tendo feito 24.225 quilómetros e atravessado todos os países daquele continente, incluindo passagens em altitude, a mais de 5200 metros”, recorda André Sousa

No final da viagem com o derradeiro exemplar dos mais de 42 milhões de unidades produzidas ao longo de 42 anos, “além do pé direito tão pisado que até custava a andar de tantas vezes dar ao pedal de arranque, fiquei com a moto guardada em casa de um amigo no Brasil. Agora, ao atravessar a Bolívia, descobri através de uns amigos brasileiros que a casa tinha sido vendida com tudo o que estava lá dentro”.

Sem cortar gás, André Sousa continua. “Voei para Fortaleza para reaver a moto e fui maltratado pelos novos donos da casa, apesar de explicar que nada tinha a ver com o anterior proprietário a quem só tinha pedido para guardar a moto, que pouco ou nenhum valor comercial tinha e nem sequer andava. Tentei evitar problemas, mas como fui ameaçado e queria mesmo reaver a CG, contratei uma milícia que foi lá buscar a moto. Nem sei se quero saber como o conseguiram, nem percebi se estava escondida na casa ou guardada noutro local. Uma coisa é certa. Há de voltar a andar e viajar para Portugal!”
As loucas aventuras de André Sousa
Podem parecer histórias irreais as de André Sousa, saídas da imaginação fértil de alguém afetado pelo sol intenso e ar rarefeito na cordilheira dos Andes. Mas são verídicas! Daquelas que só se vivem uma vez na vida e que, só com sorte, é possível contá-las na primeira pessoa! Como o apoio à polícia peruana num roubo de ouro. “Foi numa zona muito perigosa, nos arredores de Puerto Maldonado, controlada pelos garimpeiros e onde até os autocarros turísticos são desaconselhados de passar. A polícia faz o que pode, mas é complicado quando os bandidos entram num autocarro de arma na mão para assaltar os turistas e fogem em potentes pick-up quando eles têm motos sem grande capacidade para os perseguir”.

Avisado da perigosidade do local, mesmo à entrada dos Andes, André Sousa ia de sobreaviso quando viu o alarido e, segundos depois, “tinha um polícia sentado em cima da bagagem presa ao banco do passageiro, de metralhadora na mão, a perseguir bandidos”. O andamento, apesar de seguro para um piloto experiente, deixou o militar com algum receio, bem patente no vídeo publicado no Instagram, pedindo para ir mais devagar e mesmo para parar. “Então disse para continuar sozinho e se visse uma Hilux branca com quatro homens para não parar e avisar o posto de polícia seguinte. Acabei por passar a carrinha e informar a polícia, mas não fiquei para saber o que aconteceu aos malfeitores”.
Histórias ‘fechadas a sete chaves’
Com um rol de estórias “algumas bem mais pesadas”, em países onde quer regressar um dia, André Sousa não pode contar tudo. Muito menos publicar, porque, “em alguns países sul americanos, a vida não tem o mesmo valor…” Há outras narrativas, mais normais para qualquer viajante, que se podem contar. E ainda que nem todos os motociclistas gostem de falar de quedas, a verdade é que elas acontecem.

Como a sofrida nos ‘malditos 73’, um troço da Ruta 40 com 73 km de rípio, aquela pedra de tamanho incerto, ora bem pequena ora maior, misturada com areia e onde as motos só conseguem circular nos traços deixados pelos rodados dos camiões, jipes e carros. “Ora, num dia de muito vento, com alerta de rajadas superiores a 100 km/h e com a moto muito inclinada para combater a força do vento, bastou sair uns centímetros do trilho para cair. Nada de grave, é certo, mas o problema é que levantar cerca de 350 quilos e com aquele vendaval… Valeu a ajuda de uns brasileiros que viajavam numa carrinha para levantar a moto e seguir viagem”.
Para quando o regresso à aventura?
Mas numa aventura de mais de 63 mil quilómetros, com mais de 20 mil feitos em pisos de terra, a maioria na América do Sul, muitas são as recordações que marcaram André Sousa de forma indelével. “Ao fazer o que não era possível fazer com a Honda Monkey, como viajar em altitude ou longas distâncias em caminhos de areia, deu para aproveitar de forma diferente com a Africa Twin, desfrutando de paisagens incríveis nos Andes, na Amazónia ou no salar de Uyuni”.

Mas numa viagem onde deu uso à tenda em 189 noites passando as outras em 103 casas onde recebeu convites para descansar e em que gastou 3720 litros de gasolina (e, diz entre risos, “outros tantos de cerveja”) não esquece outros episódios. “No sul da Bolívia, perto de Santa Cruz, na aldeola de La Higuera conheci e estive à conversa com a senhora que deu a última sopa a Che Guevara, e vi a sala da escola onde foi assassinado depois de ser ferido e capturado”.

Ainda sem planos para nova viagem, André Sousa reparte-se em entrevistas e convívios onde conta algumas das muitas histórias vividas ao longo de 17 meses. Muitas nunca sairão da confortável segurança de conversas entre amigos, longe das tipografias porque “ainda há muito Mundo para viajar…”
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