Miguel Franco de Sousa. Incombustível !

Autor:  Alberto Pires

Agosto 23, 2021

Figura incontornável do motociclismo de velocidade em Portugal, Miguel Franco de Sousa é, também, um excelente conversador e dono de um precioso baú de memórias. Bastaram trinta minutos para recuar quarenta anos, antes de regressarmos às boxes do AIA. Pouco tempo depois subiria a um pódio, exigente, como sempre gostou.

  • Texto e fotos: Alberto Pires
  • Fotos arquivo: Artur Cerqueira, Jorge Morgado, Jorge Viegas, Miguel Franco Sousa

Motox.pt: Nem sei por onde começar…

Miguel Franco de Sousa: “Talvez pelo início! Acho que tudo começou com uma Parilla 150, uma moto já antiga, que o meu irmão mais velho me deu quando foi para a tropa no Ultramar nos anos ’70. Tinha também uma Triumph Tiger 650, com que normalmente andava e com a qual correu também. Nessa altura eu tinha apenas 15 anos e andava com aquela moto na rua.

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O irmão, Carlos Manuel Franco de Sousa, com a Tiger 650, na prova de estreia
do Autódromo do Estoril em 1972.

O meu pai um dia apanhou-me e proibiu-me de andar nela porque não tinha seguro, e eu não tinha carta nem idade para ela, e disse-me que se passasse no 5º ano me dava uma moto. Eu já tinha comprado um motor Zundapp de cinco velocidades, de cabeça grande, refrigerado a ar, para fazer uma moto aos poucos… Mas passei no final do ano e o meu pai ofereceu-me a Gilera, onde acabaria mais tarde por montar o motor Zundapp.

Comecei a correr em 1981, numa Honda Bol d’Or, quando a comprei. Fui ver uma corrida e achei que a malta era muito lenta, excetuando o António (Toy) Teixeira. O resto andava tudo muito devagar e, de facto, na primeira corrida fiquei em terceiro e na seguinte em segundo. Quem venceu foi o Toy, que tinha um avião, uma CB1100 R.

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R.Severino (32), Toy (1), MFS (35), Hermano Sobral (44), Manuel João (40) e Simplício Espada

No ano seguinte, em 1982, ainda tentei vencer. Um amigo meu, o Pedro Rocha dos Santos, emprestou-me uma Suzuki GSX 1100. Era uma completa naked, ainda dei luta ao Toy mas nunca consegui chegar em primeiro lugar.

Em ’82, a primeira prova fora do Estoril, e internacional também, foi em Vila Real. Foi uma tripla estreia. Na equipa J. Pimenta, com a Yamaha TZ 250, com a qual nunca tinha andado, e também a primeira vez em Vila Real.

Participei na prova do Campeonato Nacional, e fiz a prova do Mundial de TT, com a moto que tinha de estrada, em que fui do Estoril para lá e voltei. Só lhe tirei os piscas, os faróis e os espelhos. Foi o Wayne Gardner que venceu a prova. Eu acabei no 9º lugar, fui o melhor português e marquei dois pontos no Campeonato do Mundo. Foi giro!

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Depois fui fazer a última prova do Campeonato de Europa, em 250cc, em Jarama. Era o único circuito permanente em Espanha na altura. Só podíamos alinhar 35 e eram 75 nos treinos. Consegui classificar-me à tangente, arranquei no último lugar, e no final da primeira volta estava em 11º ! Infelizmente à segunda volta o pneu traseiro furou e tive de abandonar.

Na prova seguinte do nacional, no Estoril, com o andamento que trazia de Jarama venci destacado.”

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MotoX.pt: Nessa altura eras o único piloto da equipa?

M.F.S.: “Era o único a fazer o Europeu. O Contente Fernandes corria com a Bimota 350, mas, como se tinha recusado a participar lá fora, usava a Bimota 350 apenas no campeonato nacional.

Em 1983 sagrei-me Campeão Nacional apesar de não ter feito a primeira corrida do CNV, porque estava nesse momento em Misano, a fazer a segunda prova do Europeu de 250cc. O Europeu nunca me correu muito bem. Conseguia classificar-me, o que não era mau porque só podiam alinhar 35 pilotos e continuavam a ser mais de 75 pilotos inscritos. Normalmente conseguia alinhar sempre no final da grelha, mas a experiência foi muito boa. Passei a utilizar a Bimota 350, para fazer a classe de 500, e correu muito bem porque aí já conseguia alinhar e não era no último lugar, já ficava a meio da grelha. A Bimota era de facto uma moto extraordinária !

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MotoX.pt: – O meu amigo Luis Cardoso acompanhava essas aventuras e contou-me alguns episódios…

M.F.S.: “No Europeu a coisa estava a correr bem mas depois começou a haver falhas e começámos a deixar de ir. A equipa era composta pelo Pedro Ribeiro e o mecânico era o José Saraiva (pai). Eu pedi ao José Luís Pimenta para não fazermos as viagens de ida e volta constantemente, já que se tornava muito cansativo, e convinha também estarmos uns dias antes no circuito, para me ir ambientando. Eram pistas novas para mim. Para o circuito de Donington consegui convencê-lo a ir mais cedo. O José Luís foi lá ter com o Pedro Ribeiro de avião e eu fui na camioneta com o José Saraiva e com o Togu, que nos foi ajudar dessa vez. Só alinhei com a 350 porque a 250, desde a queda em Jarama, na primeira prova do Campeonato Europeu de Velocidade, ficámos com o quadro empenado, e não se conseguia andar naquilo. Encomendámos um quadro à Spondon, fomos buscá-lo, mas não houve tempo para montar tudo. A coisa estava a correr muito bem, estava a fazer os treinos à chuva com a Bimota 350, a fazer melhor tempo que as 500’s, mas quando levei a bandeirada relaxei, pisei o lancil, caí e magoei o ombro. Fiz uma luxação, já não me consegui mexer e acabou aí. Estava a começar muito bem mas acabou mal.

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Depois fizemos apenas o Nacional, vencemos as corridas quase todas. Só não ganhámos a primeira. A penúltima ou antepenúltima, em Vila do Conde foi muito triste, porque o João Farinha teve um acidente e morreu. Eu estava a reclamar daquele circuito, ainda por cima nesse fim-de-semana foi em conjunto com os automóveis, e não havia segurança possível. Ainda bem que eu não vi o acidente, foi atrás de mim. Ele também era candidato ao título, tinha ganho a primeira corrida e ficado em segundo nas outras. Ele nem sequer se tinha inscrito, estava de férias no Algarve, correu com a inscrição de outro piloto, enfim, tinha mesmo que ser… Fiquei muito triste.

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Com Filipe de Menezes e Carlos Franco de Sousa

Depois, com as quedas ficava magoado e comecei a pensar que se calhar não valia a pena. Além disso, eu acho que a ideia de todos os miúdos que começam a correr é a de chegar ao escalão máximo, até ser Campeão do Mundo. É esse o objetivo do Miguel Oliveira neste momento! A minha ideia era essa e quando em ’83, a meio do ano, começámos a desistir de ir para o Europeu e fazer só o Nacional, cheguei ao fim do ano e disse que assim não valia a pena.

Entretanto em ’87 surge o Troféu Lubritex que achei uma brincadeira muito engraçada. A Honda Motor de Portugal cedeu-me uma NS 125 F. Eram quase todas Honda, havia algumas Yamaha e uma Suzuki, mas rapidamente evoluiu para as Cagiva e Aprilia, logo no primeiro ano, mas as Honda não acompanharam a evolução. Foi muito engraçado, no conjunto das duas mangas venci a primeira prova no Estoril, tinha-me casado no ano anterior e nesse ano tive uma alegria muito grande porque na altura a minha mulher ficou à espera do meu primeiro filho, que tem hoje 33 anos.

As corridas acabaram, estive a tratar da família e desliguei-me completamente das corridas do nacional. Entretanto, o meu amigo Joaquim Boavida, que estava nas Clássicas, insistiu muito comigo. Dizia-me “Tu tens uma Bol d’Or, podias vir para aqui”, e eu apesar de lhe dizer que a moto estava velha e cansada ele continuava a insistir. Acabei por me meter naquilo e resolvi fazer uma Bol d’Or de corrida.

Comprei a moto que era do Paulo Araújo, reparei o motor, fiz-lhe umas alterações, foi depois para a AG Racing do Augusto e ficou impecável. Entretanto isso acabou mas aqui, no AIA, vi as Kawasaki Z 800, que andavam com o Paulo Vicente, com o José Luís Teixeira e com o José Crossas Galvão. Nesse mesmo ano, em 2016, acabei por convencer o Boavida a entrarmos na Z Cup, e venci o troféu. Em 2017 surgem as 900, veio mais gente, cresceu como temos visto e apareceram pilotos mais rápidos, como o Pavel e o Fred, e aí a coisa ficou mais séria, tivemos que engolir e andar atrás deles”.

MotoX.pt: E porque é que passaste para a Aprilia?

M.F.S.: “A Aprilia é mais moto, mas é uma chatice, estou um bocado arrependido! Gasta mais pneus, gasta mais gasolina, é tudo mais caro. Em caso de queda – por acaso caí num ‘track day’ há cerca de um mês, parti uma costela e a reparação não ficou cara – tem que se gastar mais”.

MotoX.pt: Já sentiste e viste tudo e mais alguma coisa, já estiveste nas corridas com um determinado objetivo e hoje estás com outro, portanto a experiência ficou completa. Eu estou impressionado com a performance dos miúdos. Que semelhanças encontras relativamente ao teu início de carreira?

M.F.S.: “Não tem nada a ver, até porque uma parte dos miúdos que estão cá são incentivados pelos pais. No meu caso era precisamente o contrário, apesar da minha mãe gostar muito e achar muita graça, e o meu pai também, mas não queriam. Aliás, o meu pai deu-me a Gilera 50 como forma de acalmar os ânimos.

Os miúdos têm hoje a vida muito mais facilitada que eu, mas apenas relativamente ao seu início. Não quer dizer que seja mais fácil, antes pelo contrário, há mais expectativas e muitos mais pilotos. Por isso é que o Miguel Oliveira é realmente um caso extraordinário. Eu sempre disse isso desde que ele andava nas motos pequeninas, e apesar de estar desligado do Campeonato Nacional nunca deixei de o seguir. Deve haver pilotos com potencial, mas se não forem aqui para o lado, para os nossos vizinhos, não evoluem. A evolução do Miguel teve muito a ver com o trajeto que ele fez, como todos os outros”.

MotoX.pt: Sentes-te capaz de dar-lhes algum conselho ?

M.F.S.: “Sim, sim, genericamente claro. Há uma coisa que é essencial: um bocadinho de modéstia e boa educação. Isso é o fundamental. Depois, obviamente, tendo jeito, terem vontade de aprender”.

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