BMW S1000RR. Espírito Motorsport!

Dez anos depois de romper com a tradição e acrescentar ao catálogo uma verdadeira desportiva, a marca bávara reformulou inteiramente o seu conceito, apresentando uma BMW S1000RR que de comum com a anterior mantém apenas a designação. O espírito, esse é completamente Motorsport!

  • Texto: Alberto Pires
  • Fotos: BMW

O ‘state of art’ em 2009 pode ser encarado hoje como o princípio de uma nova era, que, entretanto, evoluiu de tal forma que duvidamos que possa ser sequer comparado. Já havia mapas de motor, controlo de tração, ‘gear-shift’ e Race ABS, mas o que nos surpreendeu há dez anos atrás, reconhecemos hoje, estava ainda num estado embrionário.

Atualmente, fruto dos pneus e da evolução na aquisição e gestão de dados, as motos desportivas precisam de um quadro diferente, mais rígido na coluna de direção para aguentar as travagens em ângulo. Mas também que a zona central seja flexível para as exigências em inclinação e um braço oscilante capaz de digerir toda a potência em aceleração à saída de curva. Tudo isto para domesticar mais de 200 cavalos, sendo que o obrigatório valor máximo não implique uma menor disponibilidade em médias, para permitir a exploração em estrada. Por último, os parafusos já não servem para afinar, perderam essa valência, hoje servem apenas para apertar!

Motor igual só no papel

Apesar do imenso rol de novidades, há, no entanto, elementos em que essa característica é mais relevante ou difícil de atingir. O motor está no topo dessa lista! Foi revisto minuciosamente em busca de performance e redução do peso e não tem um elemento que seja em comum com o anterior. Apesar do diâmetro e do curso serem iguais, os pistões são diferentes, com uma saia mais curta, e as bielas têm menos 2 mm de comprimento. A cambota parece proveniente de uma unidade com menor capacidade e os sistemas de lubrificação e refrigeração foram otimizados.

Com tudo isto conseguiu-se reduzir o peso final em 4 kg, apesar da inclusão do novo sistema Shift Cam adicionar 1 kg à balança. O resultado final deste conjunto é extraordinário. São 207 cv declarados às 13.500 rpm, consegue subir até às 14.600 rpm e, com ajuda da Shift Cam, tem um binário superior a 100 Nm entre as 5.500 rpm e as 14.500 rpm.

Como se não bastasse, o sistema original de escape, cuja função obriga normalmente a castrar o rendimento do motor, desta vez não o faz. E, mesmo assim, é capaz de cumprir a próxima norma Euro5 e é mais leve 1,3 kg. Tem dois pequenos catalisadores, seguidos por uma panela com labirinto fonoabsorvente, dotada de uma válvula que ao abrir, a partir das 8.000 rpm, solta os decibéis necessários para tornar tudo mais interessante, dispensando o habitualmente volumoso silenciador final. Impressionante!

Em busca da flexibilidade perdida

Ciclisticamente as soluções são igualmente engenhosas. O quadro mantém um desenho próximo do anterior mas o motor faz agora parte da estrutura. A BMW batizou-o de Flex Frame devido à forma como o seu funcionamento interage e permite elevar o comportamento ciclístico. O anterior paradigma da elevada rigidez geral deixou de fazer sentido, sendo fundamental que os elementos que o compõem cumpram com solicitações tão distintas como a entrada em curva, velocidade ao longo da trajetória escolhida e tração em aceleração à saída.

O braço oscilante é composto por uma peça única e o sistema de suspensão tem um cinemática diferente, mais simples e usando menos elementos. Mas, acima de tudo, capaz de afastar o amortecedor do sistema de escape, evitando assim que a temperatura condicione o seu funcionamento.

Como opção pode ser instalado no amortecedor o sistema de controlo eletrónico de compressão, que irá trabalhar com os diferentes 4 mapas gerais, para um funcionamento ajustado à realidade escolhida. A suspensão dianteira reduziu o diâmetro para 45 mm (anteriormente 46mm) e no seu interior os cartuchos têm as funções de compressão e extensão separadas.

A travagem está entregue a pinças de quatro pistões e discos de 320 mm, cuja diminuição da espessura para 4,5 mm permitiu reduzir 0,5 kg na roda dianteira. Na traseira mantém-se o disco de 220 com pinça de pistão simples.

Eletrónica de sonho…

Todas estas evoluções estão acompanhadas com o mais recente pacote eletrónico, que se desenvolve ao longo de quatro modos principais, Rain, Road, Dynamic e Race. São selecionáveis de forma simples no punho esquerdo, com a identificação das funções disponível também em Português. Como se não bastasse, a nossa versão incluía ainda o opcional Riding Mode Pro, para utilização em pista, com 3 pré-seleções programáveis distintas.

Do modo Rain até ao Race Pro cabe a cada um configurar a forma como o acelerador reponde. Da intervenção do ABS ao controlo de tração, passando pelo funcionamento do amortecedor traseiro ou do travão motor. Mas também da altura máxima do cavalinho, velocidade máxima nas boxes, arranque em pista e ainda uma ajuda para arrancar numa subida, se esta tiver uma inclinação superior a 5º. No manual vem tudo explicado, é uma questão de o querer ler!

A S1000RR que tivemos à nossa disposição estava equipada com o kit M, ou seja, tinha jantes em carbono, Riding Mode Pro e uma bateria mais leve. Na balança acusa menos 14,5 kg que a versão que substitui e como não tinha o guarda lamas traseiro e respetivos apêndices nem os dois espelhos na frente o peso é ainda menor. A decoração desportiva da marca assenta-lhe bem e as linhas são muito mais agressivas que anteriormente, com o formato dos faróis LED a destacarem-se na frente. O painel de instrumentos TFT é enorme e dispõe de 3 configurações distintas.

… para um dia de pesadelo

Todo este ambiente de sonho estava no entanto a transformar-se num pesadelo já que chovia ao ponto de não ser possível rodar com pneus de estrada. E os de chuva, apesar de garantirem um nível elevado de aderência, obrigam a uma dose de confiança que só se adquire depois de alguns anos a competir em Inglaterra.

Ainda assim foi possível perceber que o motor era encorpado, que o ABS funciona e é progressivo o suficiente para não nos assustar. E que o encaixe proporcionado ao piloto e a facilidade com que se mete em curva é de tal forma distinta que estávamos na presença de uma desportiva de raiz. Levada ao limite, ao nosso limite, foi interessante verificar que a mais de 250 km/h, a derreter quinta e com mais de 200 cavalos a massacrarem o pneu, por vezes a traseira perdia a compostura. Mas, como que por milagre, tudo voltava quase instantaneamente ao sítio, para dar ainda um bocadinho mais! Ficou a saber a pouco, adivinhava-se apenas o seu enorme potencial.

A sorte contudo estava do nosso lado e regressámos uma semana depois à pista. Isto porque o último grupo internacional era mais reduzido e podíamos ocupar as vagas disponíveis. Desta vez com ‘slicks’ e numa configuração Race Pro2, com o controlo de tração na posição menos maternal e todas as restantes na segunda de quatro posições, foi possível sentir a interpretação por parte da BMW daquilo que deve ser uma desportiva.

BMW S1000RR proporciona sentimentos de piloto oficial

O binário disponível é alucinante, com mais de 100 N-m ao longo de 9500 rpm. O que equivale a dizer que, a meio de uma trajetória, quando se roda o punho, não há diferença entre estar na velocidade que se julga adequada ou na imediatamente a seguir, e os 207 cavalos às 13 500 rpm incentivam que se estique até à zona vermelha pois esse valor é quase constante até ao 14 600 rpm! Ou seja, temos uma dose maciça de força em médias rotações para preparar uma saída que se estende gloriosamente até ao limite da zona vermelha!

O funcionamento da caixa é exemplar e a travagem está onde é preciso. Sente-se que o ABS intervém nos momentos mais delicados, mas permite acomodar uma entrada em curva sem receios, ajudando a que nos sintamos mais satisfeitos a cada volta que passa. Não o sendo, sentimo-nos pilotos, e dos bons! O que pose ser visto no vídeo de uma volta ao Autódromo do Estoril com a BMW S1000RR.

BMW Shift Cam Technology. Ovo de Colombo!

Ter duas árvores de cames numa só, através de um mecanismo aparentemente simples!

Com os sistemas de gestão eletrónica atuais podem-se fazer verdadeiros milagres, mas há um componente mecânico determinante para o comportamento do motor a quatro tempos que dá pelo nome de árvore de cames. Tem como função determinar quando, durante quanto tempo e com que rapidez é que as válvulas de admissão e de escape abrem e fecham, determinando assim o caráter do motor.

Um mesmo motor, em função da árvores de cames de admissão utilizada, pode ser mais cheio em médias ou mais potente em altas, sendo o seu caráter sempre o resultado de um compromisso. Com a tecnologia Shift Cam a BMW conseguiu dotar a árvore de cames de admissão com dois perfis distintos, que ao serem guiadas e deslocadas lateralmente a partir das 9.000 rpm passam a conferir ao motor comportamentos distintos, permitindo maximizar o binário em médias e retirando tudo o que este pode dar em altas.

Peter Hickman. Uma nova arma à disposição

Entrevista Peter Hickman, detentor da volta mais rápida na Ilha de Man como se pode ver neste vídeo. Numa BMW S1000RR, claro…

MotoX – De que forma é que esta moto é diferente e melhor que a anterior?

Peter Hickman – É tudo diferente, motor, chassis, posição de condução, na forma como o motor acelera por causa da tecnologia Shift Cam, é uma moto nova!

MotoX – Já tem dez anos a primeira…

P.H. – Sim, e tem vindo a ter melhoramentos ao longo dos anos.

MotoX – O que é que especificamente pediu para esta nova geração?

P. H. – A minha opinião é praticamente igual a de todos os que correm com ela, o chassis era o seu ponto fraco, já que era muito difícil de afinar. Segundo o meu ponto de vista era demasiado rígido, de maneira que ficava muito sensível às pequenas alterações, às condições de piso, à temperatura, ou tipo de asfalto. Com esta, até numa configuração de origem conseguimos curvar melhor…

MotoX – A primeira vez que experimentou as duas foi em Cartagena…

P.H. – Em julho do ano passado, fiz um teste à duas, quando entrei nas boxes perguntaram-me o que achava, e eu disse que continuava a ser uma BMW, parecida em muitos aspetos, mas mais fácil, e depois vi que tinha retirado 1,4 segundos e fiquei espantado. Cartagena é um circuito curto, fiquei a 4 segundos com esta moto do meu melhor tempo com a SBK.

A base é excelente para o Mundial de Superbikes

MotoX – Vai correr em Superstock este ano?

P.H. – Sim, o conjunto vai ser bom, a produção está um bocadinho atrasada, mas vai chegar a tempo.

MotoX – Em Phillip Islands a moto do Tom Sykes mostrou alguma falta de velocidade…

P.H. – Considerando que estamos a começar com um motor que é completamente novo, em que ainda tem muito para desenvolver, ficar em quarto nos treinos acho que é até muito bom. Se considerarmos o tempo feito nas secções 2 e 3, em que a velocidade não é fundamental, éramos os mais rápidos! Ou seja, o chassis é bom, curva muito bem, lá para metade de maio o motor já estará no seu melhor.

MotoX – Relativamente ao novo chassis, estamos mais envolvidos na moto que anteriormente, e a moto parece mais pequena.

P.H. – Sim, estamos mais envolvidos, mesmo com o meu tamanho sinto-me mais encaixado e confortável, acho que fizeram um excelente trabalho.

MotoX – Gosta da forma como o Shift Cam modifica o motor?

P.H. – Seguramente, mesmo para competição é um sistema que se aprecia. No motor antigo a pancada era grande quando os cavalos chegavam, agora temos o melhor de dois mundos, médias quando é útil e potência quando é necessário.

Entrevista Michael Thewke. Responsável pelo projeto S1000RR

MotoX – Quando decidiram renovar a S1000RR, quais as prioridades definidas?

Michael Thewke – Apenas três pontos, perder peso, ter um motor mais potente e ser um segundo mais rápida que anteriormente.

MotoX – Nas alterações identifiquei dois pontos importantes, o conjunto quadro e braço oscilante, e o funcionamento da suspensão traseira. Foram desafiantes?

M.T. – Sim, retirámos desse conjunto 5,1 kg, e só no quadro central reduzimos 1,3 kg. Os outros elementos para serem aligeirados foram tornados mais simples. O sistema “Full Floater”, por exemplo, não precisa de tantas peças para o seu funcionamento e para um correto posicionamento do amortecedor.

MotoX- O motor da S1000RR esteve sempre no topo da concorrência no que diz respeito à potência máxima. Este é ainda superior em potência e binário. Onde é que se centrou a intervenção?

M.T. – Retirámos 4 kg no motor. Concentrámos os seus elementos, reduzimos o peso ao usar menos material, só a cambota é mais leve 1,8 kg. Mais do que procurar aumentar o valor de potência máxima o objetivo foi melhorar o binário e a facilidade de condução. Com a curva de binário que apresentamos quem a conduzir pode-se preocupar com outras coisas que não o motor.

MotoX- O sistema de escape foi sempre uma limitação ao rendimento. Desta vez a solução encontrada melhora inclusivamente o resultado final.

M.T. – O escape é capaz de cumprir com as normas Euro5, apesar de estar apenas homologado para a Euro4, tem duas panelas catalíticas e mais uma destinada à redução de ruído, permitindo que o terminal seja mais simples.

MotoX – Quando olha para a moto, o que o orgulha mais?

M. T. – Para mim, o facto de ser compacta como uma 600, com tudo no sítio, com todos os elementos integrados.

Ficha Técnica

BMW S 1000 RR – 2019

Características

  • Motor
  • Tipo: 4T, quatro cilindros em linha, refrigeração líquida
  • Distribuição: DOHC, 4 válvulas p/cilindro
  • Cilindrada: 999 cc
  • Diâmetro x curso: 80 x 49,7 mm
  • Potência declarada: 207 cv às 13.000 rpm
  • Binário declarado: 113 Nm às 10.500 rpm
  • Alimentação: Injecção eletrónica
  • Arranque: Elétrico
  • Embraiagem: Em banho de óleo
  • Caixa: Seis velocidades
  • Ciclística
  • Quadro: Dupla trave em alumínio
  • Suspensão dianteira: Forquilha invertida com 45 mm de diâmetro e com 120 mm de curso
  • Suspensão traseira: Monoamortecedor com 130 mm de curso
  • Travão dianteiro: Dois discos de 320 mm, assistidos por pinças radiais de quatro pistões (BMW Race ABS opcional, desconectável)
  • Travão traseiro: Disco de 220 mm, com pinça flutuante de pistão simples.
  • Roda dianteira: 120/70-17’’
  • Roda traseira: 190/55-17’’
  • Peso e dimensões
  • Distância entre eixos: 1.441 mm
  • Altura do assento: 824 mm
  • Capacidade do depósito: 16,5 L
  • Peso em ordem de marcha: 197 kg (193.5 kg versão M)
  • Preço (2019): 19.823 € 24.276 € (versão M)

Comments are closed.