Yamaha XSR900. Perfume de corridas
Autor: Paulo Ribeiro
Maio 8, 2023
Era uma vez – que assim devem começar todas as histórias… – uma inteira geração que adorava corridas de motos. Que se revia nos pilotos e sentia as cores de cada marca e equipa como sendo as suas. Com a lendária decoração da Sonauto/Gauloises, a Yamaha XSR900 remete para as memórias da década de 1980.…

Era uma vez – que assim devem começar todas as histórias… – uma inteira geração que adorava corridas de motos. Que se revia nos pilotos e sentia as cores de cada marca e equipa como sendo as suas. Com a lendária decoração da Sonauto/Gauloises, a Yamaha XSR900 remete para as memórias da década de 1980. Onde Christian Sarron venceu, em 1984, o Mundial de 250 cc aos comandos da Yamaha TZ250. Ou para começar a ganhar na categoria maior em 1985, com a YZR500 (OW81), terminando o Mundial de 500 cc em 3.º, resultado que repetiria em 1989.

- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Delfina Brochado
É certo que os tempos são outros, mas o fascínio pelas obras de arte sobre rodas mantém-se inalterado. Claro que, com o passar do tempo, os carburadores, sempre difíceis de afinar, deram lugar à injeção eletrónica, e as válvulas ganharam o seu espaço em motores cada vez mais potentes e fiáveis. Nas corridas, como no dia a dia. Aumentou a eficácia, mas também a segurança. O mercado cresceu e com ele o número de propostas à medida de cada motociclista. Motos que brilham pela versatilidade enquanto outras querem-se mais específicas. Umas que se destacam pela polivalência, outras pela exclusividade.

Há motos racionais, económicas e polivalentes, e há as outras. Pensadas exclusivamente para o prazer. Seja por uma estética diferenciada, seja por uma ficha técnica exótica ou por uma luxuosa lista de componentes e equipamentos. São estas, as motos emocionais, que mais preenchem os sonhos de todos. Mesmo dos que, não podendo ter mais do que uma moto na garagem, optam pela versatilidade e sentido prático.
Mudança de rumo
Sentimento a que a marca de Iwata soube apelar de forma única com a família Faster Sons, do segmento Sport Heritage, de que esta Yamaha XSR900 representa a segunda geração. E que, curiosamente, marca significativa diferença face à antecessora (inspirada na XS750 da década de 1970), a começar pelo capítulo estético. Recuperando o espírito das corridas e com uma escolha de cores que não foi inocente, tem linhas e detalhes que remetem para a competição. Das entradas de ar no depósito às falsas saídas de ar debaixo do assento, passando pelos parafusos de meia-volta nas placas laterais. Ou mesmo do espaço entre o banco do condutor e o depósito de gasolina!






E se é verdade que toda a moto exala um perfume de competição, a parte menos conseguida acabam por ser as laterais do radiador. Demasiado volumosas e com acabamento que poderia ser diferente. Pelo contrário, destaque positivo para os poisa-pés do passageiro, rebatíveis e extremamente cuidados em termos de design. Componentes que ficam invisíveis até ao momento em que são necessários, garantindo então o suporte para o pendura, em posição bastante alta e com conforto questionável. Nota de introdução ao egoísmo de uma moto criada para satisfazer prazeres de individualidade e diversão.

No entanto, e para lá do gozo hedonístico, as opções de design não abdicam do sentido prático como sucede com os retrovisores. Que, colocados na extremidade do guiador, ajudam a manter a estética bastante limpa e garantem boa visibilidade. Mesmo se a largura acrescida dificulta a condução em cidade, entrando em confronto frequente com os espelhos dos automóveis.
Quando diversão rima com estilo
Igualmente o farol e o painel remetem para a corridas, mais parecendo que foram simplesmente fixos numa seção dianteira completamente despida. Afinal, como acontece nas máquinas de competição. E já que por aqui andamos, falar também do assento que, longe de ser dos mais confortáveis, é, ainda assim, melhor que nas motos de corrida na década de 1980. Um banco fixo ao redesenhado sub chassis, em aço, e que faz lembrar uma coque racing. Semelhança que será reforçada com a carenagem prevista na lista de acessórios. Tal como a cúpula para o farol que obviará a total ausência de proteção aerodinâmica numa moto que permite, com alguma facilidade, levar-nos a velocidades muito elevadas.
E nem pode o condutor-aspirante-a-piloto esconder-se atrás do pequeno painel de instrumentos. Que, contrariando a tendência de passar para lá das 5 polegadas, tem apenas 3,5” de diagonal. Espaço onde cabe muita informação, com boa visibilidade em todas as situações de iluminação exterior, mas onde os números poderiam ser um nadinha maiores. Sobretudo atendendo à faixa etária dos potenciais utilizadores…
Ainda no posto de comando destaca-se o complexo conjunto de comandos existente à distância do polegar esquerdo. Que, apesar dos muitos botões, acaba por ter uma ergonomia bem aceitável. Enquanto isso, do lado direito, existe apenas o botão de ‘starter’ e um comando rotativo que permite viajar nos menus. Com vários detalhes premium, incluindo a placa de alumínio específica colocada no suporte do guiador, esta seção ficaria a ganhar com um painel mais condizente com a época. E que, mesmo sendo digital, poderia recuperar a imagem dos mostradores analógicos. Fica a dica…
Design clássico que veste tecnologia moderna
Nada, mas absolutamente nada condizente com a época é a ciclística. Ou melhor, bem vistas as coisas, mantém-se a estrutura em alumínio tipo Deltabox, estreada na Yamaha YZR500 (OW61) de 1982. Quadro que chegaria aos modelos de série em 1985, com a TZR250, e logo a seguir, na FZR1000, em 1986. Mas que, sublinhe-se, é bem diferente da anterior versão da Yamaha XSR900, mais rígido e inspirador de maior confiança quando se anda mais depressa. Mudanças que contribuem para a grande precisão da direção e muita facilidade na condução, nomeadamente no momento de entrada em curva.

Tendência que assenta na geometria e na nova tecnologia de fundição que, além de um peso reduzido em 2,3 kg, contribuiu para a maior rigidez, tanto longitudinal como lateral, além da que diz respeito à torsão. Mas a enorme estabilidade, sensível em estrada, e que permite abordar as curvas mais rápidas sem qualquer stress tem outras explicações. O braço oscilante é mais comprido (59 mm) face à anterior XSR900 – na verdade é igual à nova Tracer9 – e a distância entre eixos é também maior. Fatores que induzem um comportamento mais sereno, menos brusco e nervoso, com reflexos em condução mais relaxada. Mas sem prejuízo de grande eficácia desportiva!

Altura em que a estabilidade vem ao de cima, juntamente com a rapidez nas mudanças de direção, sem necessidade de estar pendurado no guiador. Que está mais para a frente (14 mm) e para baixo (35 mm) relativamente à Yamaha XSR900 lançada em 2016. Algo que, juntamente com o banco mais baixo (22 mm para os 810 mm, garantindo fácil apoio dos pés em paragem), proporciona uma posição de condução diferente. Mais lançado sobre o eixo dianteiro, mas, ainda assim, bem confortável, perdendo algum do espírito ‘street-fighter’ em prol de uma filosofia mais racing.
Geometria de estabilidade
Espírito de corrida que beneficia de um quadro otimizado em termos de rigidez, e de um sistema de amortecimento que revela enorme evolução. Afinal a estabilidade e precisão acrescida assentam também nas suspensões KYB, com a forquilha de 41 mm de diâmetro e 130 mm de curso a revelar uma grande eficácia. O bom nível de conforto (elevado mesmo na parte inicial, condizente, afinal, com filosofia da Yamaha XSR900) não belisca a eficácia quando se rola mais depressa. Elemento completamente ajustável que mostrou grande competência quando o ritmo aumenta, revelando apenas as limitações naturais em maus pisos.

Algo em que o banco fino não ajuda, ficando com saudades da MT-09 ao fim de uma hora – alguém falou nas espumas das motos de corrida?… – e que é replicado na traseira. Onde o monoamortecedor KYB (137 mm), ajustável em pré-carga da mola e no retorno hidráulico, ganhou novas ligações e um braço oscilante mais comprido. Rumo a comportamento mais eficaz e devidamente adaptado à revista forquilha, também com molas mais duras. Tudo somado, a Yamaha XSR900 pode até ser menos ágil, menos imediata e agressiva nas viragens face à MT-09, mas é, seguramente, mais… comunicativa. E mais aveludada.





O mesmo sentimento ressalta da travagem Brembo, sobretudo do trem dianteiro onde as pinças radiais de 4 pistões mordem de forma extremamente potente os dois discos de 298 mm. Muita potência perfeitamente doseável graças à nova bomba radial, ajuda importante na progressividade na parte inicial do curso da manete direita. Ajuda significativa quando se conduz em ritmos mais tranquilos, minimizando os solavancos sempre que tocamos na manete. Mas, quando é mesmo necessário, trava como se tivesse o demónio no corpo…
A sustentável leveza do alumínio
A curvar ou nas mais exigentes mudanças de direção é ainda notória a leveza das novas jantes em alumínio de 10 raios, forjadas através de um método inovador e patenteado pela Yamaha. A marca anuncia menos 700 grama no peso – não suspenso – o que justifica essa acrescida capacidade de viragem, sempre bem apoiada pelos Bridgestone Battlax Hypersport S22. Uma facilidade que amplia a sensação de peso reduzido (-2kg) para um total de 193 kg e isto com o depósito cheio com 14 litros de gasolina.



Com uma ciclística revista na busca de maior leveza, facilidade e eficácia, a Yamaha XSR900 destaca-se ainda por um motor que se apresenta extremamente renovado. Desde logo pelo aumento de cilindrada (de 847 cc para 890 cc à custa de mais 3 mm no curso dos pistões) ditando aumento de 4 cavalos na potência máxima (para 119 cv/10000 rpm) e de 9 Nm no binário (para 93 Nm/7000 rpm).
Mais potência e binário, menos peso e mais rotação que torna este motor muito melhor face à anterior versão, já de si num excelente patamar. Dá ares de um motor completamente novo, mais eficaz e divertido, menos brutal apesar da evolução numérica, mas, sobretudo mais equilibrado. Ao ponto de, mesmo em rotações elevadas e mesmo com poisa-pés em alumínio (que são ajustáveis em duas posições), não se sentirem vibrações nos pés.
Motor que conta com novidades nos pistões, bielas, árvores de cames, sistema de admissão completamente novo, injeção revista e saídas de escape redesenhadas. Alterações que, juntamente com a posição de condução mais baixa, mais junto ao depósito, permite perceber melhor a sonoridade do escape e da admissão de ar, reforçando a sensação de aceleração.
Inteligência artificial
O equilíbrio deste bloco três-em-linha contribui, naturalmente, para uma resposta efetiva e suave em qualquer rotação, sendo bem ajudado por uma caixa de velocidades bem escalonada e curta como convém a este tipo de motos. Motor oferecedor de viciantes doses de prazer, muito cheio em baixas e com enorme aptidão para ganhar rotações. Longe do espírito ‘on-off’ da anterior versão, este CP3 revela grande capacidade de alongamento, com diversão garantida nos regimes mais elevados.

Comportamento bem animado a que não é alheia a riqueza eletrónica, com herança da unidade de medição inercial (IMU), imagine-se, da superbike Yamaha YZF1000 R1. A começar pelo acelerador ‘ride-by-wire’ que permite toda uma panóplia de ajudas à condução. Desde logo com quatro mapas de motor, aptos a uma perfeita adaptação a todas as condições de piso e estado de espírito, e com um ‘quick-shifter’ que é um mimo em todas as rotações! A revisão deste componente, que surge montado de série, garante um comportamento de extrema suavidade, muito macio e preciso desde as mais baixas rotações. Bem superior ao que temos visto em motos de outras ambições desportivas e preços muito diferentes. E ainda bem que assim é porque poupa algum esforço da manete de embraiagem que, apesar de assistida e deslizante, é tudo menos manteiga. É mais tipo queijo curado!

Mas há mais, muito mais, artefactos eletrónicos controlados através do painel TFT de 3,5”, do ABS com sistemas Brake Control e Cornering ABS. Ou os controlos de cavalinhos (Anti-Wheelie), de tração (Traction Control), de derrapagem (Slide Control) ou o Cruise-control, semelhantes à R1.
Reescrever a história
Novo capítulo na história ‘vintage’ da marca, com um modelo atrativo para os adeptos da imagem retro e apaixonante para os adeptos das corridas de velocidade do século passado. Aliás, uma mistura perfeita entre o design clássico e a mais moderna tecnologia que está na base da filosofia Fasters Sons. E que é referência iconográfica a uma época em que os fabricantes japoneses reinavam nas pistas, ditando a evolução tecnológica das duas rodas. Posto que agora reavivam através dos vários sentidos: seja pela sonoridade do escape, pela visão de detalhes como a mesa superior da direção maquinada a partir de um bloco de alumínio ou pelo tato da cobertura do banco rematada com duplo pesponto em amarelo.

De imagem fascinante e atrativa nostalgia, que vai muito além do conceito café-racer, a Yamaha XSR900 está disponível no azul Legend do vídeo que pode ver aqui e em preto Midnight, com discretos apontamentos em cinzento, ao preço de 11 695 €. Por certo o preço mais competitivo da categoria para uma proposta realmente diferente, juntando uma estética irrepreensível a comportamento dinâmico de excelência. Bem como consumos e potência máxima referenciais, verdadeiramente ímpares num segmento onde os acessórios também contam. E que, no caso da Yamaha, contam vezes 80, tal é a dimensão da lista de opcionais.
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