Depois de uns dias na estrada rumo ao FIM Mototour das Nações 2025, sempre com muita diversão e descobertas por Espanha, França, Itália e Eslovénia, a chegada à Croácia revelou muito mais surpresas do que imaginávamos. E se o trajeto já nos tinha enchido a alma, o destino não ficou nada atrás. Valeu bem a pena marcar presença com o Moto Clube do Porto nesta jornada integrada do FIM Tour World Challenge. Que o MCP venceu pela sexta vez consecutiva.

- Texto: Mara Silva
- Fotos: Tuxa Oliveira e organização
Para o Mototour das Nações 2025, a Comissão de Mototurismo e Lazer (CTL) da Federação Internacional de Motociclista (FIM) optou pela Croácia. Um país situado nos Balcãs, banhado pelo mar Adriático e com um litoral bastante recortado, com penínsulas, baías e muitas ilhas. A primeira paragem na Croácia aconteceu na cidade de Rovinj, com as suas casas coloridas e ruas cheias de comércio a proporcionarem os primeiros momentos deliciosos num país onde o Homem terá habitado, pelo menos, desde o Paleolítico.


Uma entrada serena, mas extremamente deliciosa que nos proporcionou um momento verdadeiramente mágico. É que, enquanto nos deixávamos perder por aquelas vielas, surpreendentemente intimistas, acabamos por chegar a um morro, virado para o mar, em pleno pôr do sol.


A vontade era ficar ali a beber um copo e a usufruir da atmosfera, mas tínhamos de seguir viagem, sempre a pensar no Mototour das Nações 2025, e já era noite cerrada quando chegámos a Pula. Quando falamos de Pula, ressalta de imediato a imagem do anfiteatro construído durante o Império Romano, sob ordens do Imperador Augustus, entre 2 a.C. e 14 d.C. e com traços arquitetónicos que remetem de imediato e sem dúvidas para o Coliseu de Roma.
Estar ali, mesmo em frente de um anfiteatro num excelente estado de conservação fez-nos recuar no tempo e imaginar como teriam sido as lutas de gladiadores. Atualmente, a arena continua como o palco mais importante da cidade, mas as lutas e outros espetáculos mais ou menos atrozes do tempo dos romanos deram lugar a mais agradáveis eventos culturais.

Rumo ao Mototour das Nações 2025, saímos de Pula bem cedo e seguimos viagem pelas montanhas, mas quase sempre com o mar no horizonte. Uma vista simplesmente esplêndida, de encantos reforçados nas paragens que íamos fazendo em cada miradouro nessas estradinhas cheias de boas curvas para curtir. Num deles, quando estacionámos e ainda mesmo antes de sair das motos, já nos estavam a oferecer comida. Um grupo de condutores de motociclos de 50 cc estavam ali a tomar o pequeno-almoço e deram-nos a provar um doce típico daquela zona, uma espécie de bola de Berlim, mas com recheio de marmelada.

Uma gigantesca delícia que nos ajudou a seguir viagem, de barriga e alma recheadas, ao longo de muitos quilómetros de curvas e contracurvas, com as montanhas e o Adriático de mãos dadas. Com mais de 1200 ilhas, ilhotas e rochedos, o litoral croata proporciona paisagens de roubar o fôlego a qualquer um e, não raras vezes, dei por mim a sorrir dentro do capacete. A vista maravilhosa sublinhada pela cristalina cor do mar, a brisa a bater na cara e o sol a queimar a pele… Que momentos, que privilégio! O calor era muito e a água estava convidativa pelo que, ora muito bem, faça-se a sua vontade.
Nada como uns bons mergulhos, para refrescar o corpo a caminho de Zadar, onde fomos recebidas pelas muralhas e um sistema defensivo medieval de fortes e bastiões que permitiram manter a independência por mais tempo do que a maioria das cidades vizinhas. E garantiram que nunca fosse capturada pelos turcos!

Com mais de 3000 anos de história, Zadar é um verdadeiro museu a céu aberto, onde ruínas romanas, igrejas medievais e arquitetura renascentista se misturam harmoniosamente. A Catedral de Santa Anastácia é a maior catedral da região da Dalmácia e um dos marcos históricos mais importantes da cidade, com origens remontam que ao Séc. IX. Por outro lado, Zadar tem ainda uma construção mais moderna e absolutamente inovadora: um órgão de mar! Um instrumento com 70 metros de comprimento, feito de mármore e em que cada tubo atravessa a estrutura e entra em contato com o Mar Adriático, enquanto no topo há pequenos orifícios que, juntos, ajudam a cria uma melodia com a passagem do ar empurrado pelas ondas.






A Croácia conquistava-nos a cada minuto, a cada quilómetro percorrido. Ia-se revelando, a cada instante, o acerto da CTL da FIM em organizar o Mototour das Nações 2025 neste palco de eleição.



O dia seguinte estava bastante quente e, por isso, parámos em Trogir e depois em Podstrana para uns mergulhos, em pequenos intervalos na viagem até Omis. Nos séculos XIII e XIV, esta vila foi o lar dos piratas, que roubavam os navios mercantes, com os salteadores locais a ganharem a fama de serem os mais perigosos. Atualmente é uma pequena cidade medieval rodeada por altos desfiladeiros, de onde se consegue ver uma ponte que une dois dos ‘canyons’. Uma ponte com uma história muito curiosa, uma vez que, quando foi construída, começaram um tabuleiro de cada lado e, quando chegaram a meio, viram que um dos tabuleiros estava a uma altura e o outro estava mais baixo…

Perfeitamente rendidas a esta pequena e tão pitoresca cidade demos os últimos mergulhos do dia e fomos até ao destino dessa etapa: Split. Fundada no século III pelo imperador romano Diocleciano, que ali construiu o seu palácio, a cidade cresceu ao redor desse local. E foi aí que assistimos a um senhor a tocar guitarra ao ar livre, proporcionando mais uma experiência fantástica nesta aventura até ao Mototour das Nações 2025. Caminhar pelas vielas é uma fusão única de história da antiguidade, grande charme e vida urbana vibrante. É estar na atualidade a pisar locais por onde os romanos andaram.



E ao 11.º dia de viagem, tempo de nos despedirmos do litoral e abraçar o interior croata com todo o seu esplendor. Seguimos viagem pelo meio de aldeias remotas, vimos casas isoladas, rebanhos guardados pelos seus pastores, capelas perdidas no meio das montanhas…. Era meio-dia quando alcançamos o destino do dia: o Parque Nacional dos Lagos de Plitvice.

Qualquer foto ou vídeo, por muito bonitos que nos pareçam, não conseguem expressar a beleza deste lugar, o maior parque natural da Croácia, com uma área total de mais de 73.000 hectares e que é Património da Humanidade, da UNESCO. Os seus verdejantes bosques envolvem dezasseis lagos e soberbas cascatas, num parque dividido em Lagos Inferiores e Lagos Superiores. Entrando pelo acesso mais próximo dos lagos inferiores, fomos logo recebidas por deslumbrantes cascatas. O nosso coração já estava arrebatado! Há bastantes trilhos, mas nós escolhemos dois que, combinados, nos levaram através dos lagos inferiores e superiores

Além de muita caminhada pelo meio da natureza, onde nos sentíamos parte dela, é possível usufruir de um passeio de autocarro e de barco. Cada passo dado deixávamo-nos sem fôlego tal a beleza da paisagem. As cascatas deixavam transparecer uma água límpida, formando lagos com um tom de um azul-esmeralda inesquecível. Os passadiços levavam-nos mesmo ao lado das cascatas onde sentíamos os salpicos na cara, enquanto apreciávamos a mistura do verde das árvores com o azul da água num exuberante festival cromático, acompanhado pelo som das quedas de água que ecoava nos ouvidos como uma suave melodia.



Os olhos observavam serenamente, mas o coração emocionava-se perante a natureza no seu estado mais puro e belo e, por momentos, o tempo parava. O silêncio levava a um encontro connosco próprias. Não havia pressa nem barulho. Não havia preocupações nem stress. Apenas paz e harmonia. Havia emoção e felicidade. Estar nos Lagos de Plitvice foi mais do que visitar um lugar, foi ter o privilégio de entender que o tempo pode parar e que a aprendizagem maior talvez seja lembrar que não precisamos de correr para viver.
Seguimos para Zagreb, capital da Croácia, uma grande metrópole, um enorme contraste depois de tantos vilarejos atravessados e lugares calmos visitados, chegávamos à confusão: trânsito, azáfama, stress. Ficou claro que Zagreb é uma cidade em reconstrução depois de, em dezembro de 2020, um terramoto de magnitude 6,4 ter atingido a Croácia, com o epicentro perto desta cidade, causando danos significativos nos edifícios. Talvez seja essa a razão para grande parte dos edifícios históricos no centro da cidade estarem a sofrer obras de recuperação. Demos um passeio e seguimos viagem. Era final do dia quando chegávamos ao destino: Sveti Martin na Muri, palco do Mototour das Nações 2025…
O título nacional no Mototour das Nações 2025
O FIM Mototour das Nações 2025 foi organizado no município de Sveti Martin na Muri, que se situa no norte da Croácia, delimitada por dois rios – Mura e Drava. O nome da cidade significa São Martinho no rio Mura. A comitiva portuguesa saiu, por entre vilarejos, até ao Speedway Stadium Millenium. O ‘speedway’ é uma modalidade motociclística com corridas em circuito oval de terra, que tem entre 260 e 425 metros de comprimento. As motos de ‘speedway’ são muito leves, cerca de 80 kg, com motor de um só cilindro, transmissão direta e, imagine-se, não têm travões. Nem sequer amortecedores traseiros! Usam metanol como combustível e alcançam velocidades muito elevadas em poucos segundos….
Na abertura do Mototour das Nações 2025 tivemos o privilégio de dar duas voltas à pista com as nossas motos (que têm travões) e depois assistir a uma demonstração de um piloto simplesmente espetacular. As curvas são feitas em longas derrapagens controladas e as travagens, ou melhor os abrandamentos, são feitos exclusivamente com o motor. Ufa, tamanha demonstração de perícia, equilíbrio e força física abriu o apetite para um agradável lanchinho antes de seguirmos viagem até ao Mlin na Muri, o mesmo que dizer, Moinho na Muri. Ou seja, no rio Mura.

No ponto mais ao norte da República da Croácia, muito perto da Eslovénia, o rio Mura faz mover a roda de um moinho fluvial de madeira, aquele que é exatamente o único moinho flutuante da Croácia. No início do Séc. XX, havia cerca de 90 moinhos num raio de apenas 40 km. Em 1980, havia apenas um… E, atualmente, existe apenas este, tendo sido construído pelos habitantes para devolver à vila a atmosfera da época em que os moinhos dominavam a região.

A paisagem era linda, com um prado verdejante, o rio a correr sem pressa e o moinho de madeira… Ao lado do moinho, havia uma balsa fluvial, sem motor, velas ou remos. Estava presa por um cabo e é apenas com o movimento da corrente que ela se movimenta, transportando pessoas e veículos entre as duas margens do rio. O almoço foi servido ali mesmo, ao ar livre, onde podemos degustar várias especialidades croatas. Até língua eu comi que, por sinal, era muito boa.
No segundo dia do Mototour das Nações 2025, a meteorologia não era animadora, com previsões de chuva. Seguimos viagem por entre colinas até entrarmos numa zona vitivinícola, com colinas verdejantes, casas com flores nas janelas e as adegas a convidar para uma degustação. As vinhas plantadas nos socalcos davam as boas-vindas mesmo antes da viragem para um caminho de terra por onde subimos até um miradouro panorâmico chamado Mađerkin Breg. Um nome com uma origem tão bela e comovente…

Durante a II Guerra Mundial, em 1940, Emilija (bailarina húngara) veio atrás do seu amor Albert (soldado) para esta região. Quando Albert morreu, Emilija, conhecida como Mađerka, permaneceu ali, num país que não era o seu. Quando alguém lhe perguntava como vivia, ela respondia que vivia dos ovos que vendia e que se alimentava da beleza da natureza que a cercava.
Em homenagem a essa mulher, a colina recebeu o nome que leva até hoje – Mađerkin Breg. A torre de observação tem uma altura total de 27 metros e, subindo ao topo, estamos no ponto mais alto de Međimurje, a 362 metros de altitude, de onde se avistam cinco países – a Croácia – claro está! – mas também a Eslovénia, Áustria, Hungria e Eslováquia.



Lá de cima a vista é simplesmente de tirar o fôlego e existem indicações da direção e distância de várias cidades. Uma em particular chamou-me a atenção: Jerusalém – 3 km! Explicaram então que, séculos atrás, os cristãos iam ou vinham de Jerusalém (em Israel) e passavam naquele pedaço de terra, achavam que era um ótimo local para plantar vinhas e por ali ficaram. E, por isso, mesmo é, atualmente, uma das vilas mais importantes na produção de vinho da zona.

Depois caminhamos até uma colina cheia de mesas e bancos brancos feitos de paletes e onde existe também um baloiço. Lá, a família Štampar ofereceu-nos, para degustação, um vinho rosê branco., muito leve e doce. A chuva começou a intensificar e seguimos viagem para o almoço, nas margens do rio e debaixo de guarda-chuvas. Mas o que fez furor foi a escultura do Mineiro Ivek, uma homenagem aos mineiros que, com o seu esforço, trabalho e sacrifício, escreveram a história de Mursko Središće, uma cidade que cresceu graças à mineração.
Chegava o último dia do Mototour das Nações 2025. Arrancámos e depois de cerca de 80 km, parámos nas margens do rio Drava, na vila de Prelog. Ali existe uma pequena marina, num lago artificial, que dava para dar uma volta de barco (para quem quisesse). Aqui há a lenda de Pesjanek, inspirada na paisagem mística do Drava e que passado de boca em boca desde tempos imemoriais, como uma forma de alertar sobre os perigos que espreitam perto do Drava e nos trilhos rurais.
Pesjanek, o monstro, tem cabeça grande e amarela como uma abóbora, braços longos e pernas como um sapo, peito peludo como a crina de um cavalo, cauda longa como a de um lagarto e, por causa da maldição de sua mãe, só tem um olho, mas com ele vê tudo. Dizem que vive no rio Drava, de onde, com um grito agudo, emerge para buscar crianças malcomportadas.

Depois de conhecermos o monstro, seguimos viagem até Cakovec. Esta cidade recebeu o nome em homenagem ao Conde Dimitrije Csaky (Čaki), que construiu uma fortaleza de madeira chamada Čakov turen no início do século XIII. Čakovec foi mencionada explicitamente pela primeira vez como uma cidade fortificada em 1333, em um documento do Rei Roberto. Ao longo da história, mudou frequentemente de dono e através de várias gerações, a fortaleza de Čakovec foi transformada em um dos mais magníficos castelos croatas e europeus da época. Depois de uma visita pela vila e castelo regressámos ao hotel. Onde o Moto Clube do Porto recebeu, durante o jantar e encerramento do Mototour das Nações 2025, o prémio do 1.º classificado por pontos



Estava na hora de nos despedirmos das pessoas do Mototour das Nações 2025 e voltarmos à estrada, uma vez mais, apenas 3 mulheres em 3 motos. Depois de 15 dias, estava na hora de começar o regresso a casa e, desta feita, por autoestrada, pois, por compromissos profissionais tínhamos de estar no Porto dois dias depois. E às 18 horas do dia marcado estávamos a entrar em Portugal. Festejámos com os braços no ar e o coração emocionado: Tínhamos conseguido!
É muito bom ir, mas é excelente regressar. Eram 20.30 h., quando 3 mulheres condutoras, 18 dias, 6 países e 7.009,4 km depois, chegavam a casa. Foram 18 dias desafiantes, mas também de superação. Dias cansativos, mas também de resiliência. Dias de desabafos, mas também de muitas histórias partilhadas. Dias de muitos quilómetros, mas também de muitas gargalhadas.

Perdi a conta aos momentos inusitados que tivemos, às centenas de ataques de riso que tivemos, às dezenas de pessoas que nos abordaram… O carinho que recebemos foi de aquecer o coração. Viajar de mota é muito mais do que fazer quilómetros. É permitir que o coração se emocione, que os olhos se encham de novos horizontes e que a alma se transforme com cada passo no desconhecido. E no regresso trazemos connosco mais do que lembranças: trazemos pedaços de cada momento partilhado, de cada conversa de madrugada ou de cada acordar silencioso.
18 dias onde aprendemos muito. Mas, sobretudo, que só existe um tempo para ser feliz: o agora! E nós escolhemos que cada instante naquela viagem fosse ‘o agora’.

Partilha este artigo!







