Com a Moto Guzzi V7 Stone Corsa, a casa de Mandello del Lario recupera a aura desportiva que ajudou a consolidar uma história única. Dona de um inconfundível estilo ‘café-racer’ e senhora de enorme elegância em estrada, exibe outros argumentos que deixariam orgulhosas as mais ilustres antepassadas. Uma máquina moderna sob roupagens clássicas ou um regalo para os sentidos dos eternos apaixonados por mecânicas ímpares? Tudo isto e muito mais numa edição exclusiva já à venda em Portugal.

- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Francisco Cruz
Damos corda ao relógio do tempo e recuamos até 1965 para assistir ao nascimento da Moto Guzzi V7 700. Máquina com curiosíssima gestação, nascida de resquícios da II Guerra Mundial, quando o Ministério da Defesa italiano encomendou um veículo de 3 rodas, a pensar sobretudo nas Tropas Alpinas, capaz de mover-se facilmente pelos terrenos mais inóspitos e de transportar pelo menos 500 kg de material bélico.
Uma década de aturado desenvolvimento materializou-se no Mulo Meccanico 3×3, isso mesmo, uma espécie de triciclo, carinhosamente apelidado de ‘mula mecânica’. Tinha tração às três rodas (20% na dianteira), diferencial central e o primeiro motor de dois cilindros em V produzido pela marca. Bloco V2 colocado transversalmente para garantir dimensões do veículo mais compactas e também melhor refrigeração. Além de, com esta configuração, permitir a transmissão direta às rodas posteriores através de um cardã.

Tinha 754 cc e apenas 20 cavalos de potência devido à baixa taxa de compressão, preparada que estava para funcionar com gasolinas ‘pobres’ precavendo as limitações em eventuais cenários de guerras. Mas, mais importante, disponibilizava um binário de 47 Nm às 2400 rpm capaz de lidar com as mais íngremes inclinações nas montanhas alpinas.
História de sucessos
Motor com uma história curiosa, inicialmente criado para equipar o Fiat Nuova 500, antes da Fiat abandonar o projeto. E que deu origem ao bloco de 703,7 cc (80 x 70 mm) e 50 cv às 6000 rpm, com caixa de 4 velocidades e embraiagem a seco de inspiração automóvel. Além da transmissão final por veio que acompanhava o bloco fabricado a partir de 1965 para a V7 700.

Mas o primeiro fabricante italiano a produzir um motor de grande cilindrada queria mais e melhor e, em 1969, lançou a V7 Special, com a cubicagem crescida até aos 757 cc. Já com 65 cavalos e transmissão de 4 velocidades, permitia mover os 230 kg (a seco) até uma velocidade máxima superior a 180 km/h! Características de Grand Tourer que ditaram crescimento do bloco para os 844 cc com caixa de 5 velocidades.

E o que tem esta história a ver com a ‘nossa’ Moto Guzzi V7 Stone Corsa? Pois bem, numa época em que as corridas eram a melhor ferramenta de marketing, a mais antiga marca italiana em funcionamento decidiu rever o motor V2 e adaptá-lo às regras da classe de 750 cc. A cilindrada foi reduzida para 748 cc (ainda e sempre através da alteração do curso dos pistões), surgiu uma nova árvore de cames e a taxa de compressão foi aumentada para chegar até aos 70 cavalos de potência (à cambota). Com uma velocidade máxima superior a 200 km/h, peso inferior a 200 kg e grande agilidade, a V7 Sport ganhou inúmeras corridas e esmagou recordes mundiais.
Espírito de ‘café-racer’
Apoiada no motor V-Twin que é a alma viva da marca, criou em 2019 o troféu Moto Guzzi Fast Endurance, série de corridas monomarca que permitiu a muitos pilotos desfrutar da emoção de correr em máquinas V7. A grande adesão e o entusiasmo em redor desta competição esteve na origem do momento que, em 2023, surpreendeu o mundo durante o evento Moto Guzzi World Days.

Desde o primeiro momento que é notória a aura da Moto Guzzi V7 Stone Corsa, remetendo-nos para tempos de brilhantismo pelas pistas de todo o Mundo. A adoção da cúpula frontal e da tampa do banco passageiro reforçam a mística das corridas, sublinhada pela decoração baseada em cinza metalizado e com uma linha vermelha que corre o depósito horizontalmente e se prolonga pelos painéis laterais. A posição de condução resulta mais natural do que esperado, por força de um bem conseguido triângulo entre o guiador, poisa-pés e o banco, mas sobretudo por apoiarmos as mãos num guiador e não em avanços rebaixados. Que até são disponibilizados na lista de acessórios…
O corpo vai descaído sobre a dianteira, mas apenas de forma ligeira, sem atirar demasiado peso sobre os pulsos. Por outro lado, o facto de contarmos com um guiador largo, facilita sobremaneira uma utilização polivalente, ajudando a curvar de forma mais eficaz numa qualquer estradinha de montanha, ao mesmo tempo que proporciona maior à vontade em utilização urbana. Não só a posição mais alta permite uma acrescida visibilidade como a largura do guiador ajuda nas manobras mais repentinas.

O puro egoísmo da Moto Guzzi V7 Stone Corsa
Note-se ainda que a pintura em dois tons, oferecedora de uma sensação de maior comprimento e velocidade, começa na pequena carenagem que nos remete para as corridas do século passado. Tem muito mais estilo do que efetiva capacidade de proteção aerodinâmica, funcionando realmente bem apenas quando nos escondemos completamente atrás da pequena bolha. Mas, na verdade, e apesar do estilo, quem procura a Moto Guzzi V7 Stone Corsa para grandes corridas?

Isto apesar de exibir, orgulhosa e despudoradamente, uma imagem de ‘café-racer’, que é sublinhada pelos espelhos retrovisores colocado na extremidade dos punhos. E que, além de não obstruírem o campo de visão para diante, oferecem surpreendente visibilidade à retaguarda. Ainda que em circulação urbana possam gerar conflito com carros e camiões, autocarros e furgões.

Mas há ainda a tampa de depósito de combustível da Moto Guzzi V7 Stone Corsa, em alumínio maquinado, e o assento que, apesar de homologado para duas pessoas e com poisa-pés atrás, é na verdade um monoposto. Assento que até pode ser tapado por uma capa específica que reforça a evocação do ambiente das corridas de outros tempos. É confortável, para o condutor, mas esqueçam lá a ideia peregrina de prometer uma viagem de sonho a qualquer passageira…
Imbuída do espírito de competição
Com uma ligação histórica que continua no elegante farol redondo em LED e com a estilizada Aquila de Mandelo em posição central, bem como nos dois amortecedores traseiros, a Moto Guzzi V7 Stone Corsa respira competição por todo os parafusos (ou pelo menos por muitos deles). Uma edição especial que representa a celebração do espírito das corridas, diferenciada pela imagem e por alguns componentes específicos. Da conjugação dos tons cinza prata e vermelho à cúpula frontal, da ausência dos foles de borracha que protegiam a forquilha da V7 Stone, para um ar mais eficaz e elegante, até à placa distintiva de edição especial colocada na fixação do guiador. Prova indelével da exclusividade desta Moto Guzzi V7 Stone Corsa.




Individualidade que começa, claro está, no motor que é versão descafeinada da Moto Guzzi V85 TT, um V-Twin a 90 graus, de 853 cc refrigerado por ar e com 2 válvulas por cilindro. Debita, neste caso, 65 cavalos às 6800 rpm e 73 Nm de binário às 5000 rpm, números transportados até à roda traseira através de uma caixa de 6 velocidades e transmissão final por cardã. Com uma serenidade que não é incomodada pelo abanar do motor em baixas rotações, este bloco oferece a possibilidade de desfrutar de cada deslocação de forma única aos comandos da Moto Guzzi V7 Stone Corsa.

Em cidade são mais notórias as inevitáveis vibrações de um motor desta tipologia. Ainda assim não são chatas nem cansativas e desaparecem àmedida que as rotações vão subindo. Sobretudo quando é ultrapassada a fasquia das 3000 rpm, altura em que o comportamento de enorme tranquilidade da unidade motriz, quase amorfo diria, dá lugar a maior vivacidade. Subida mais rápida de regime que impele, naturalmente, a um uso mais intenso da caixa de velocidades da Moto Guzzi V7 Stone Corsa. Que é bastante suave no acionamento, mas manifestamente ruidosa na engrenagem. No entanto a boa precisão no acionamento tem como contrapartida alguma dificuldade em encontrar o ponto motor nas paragens de semáforo. Atitude que quase poderíamos catalogar de desportiva…
A eficácia da simplicidade
Comportamento que é evidenciado pela tradicional embraiagem a seco, reminiscências das corridas, com um engrenar de carretos gerador de alguns solavancos e ruídos. Em estrada e após alguns quilómetros de descoberta e aprendizagem, é possível minimizar esta atitude mais agressiva e desfrutar ainda de uma transmissão com efeito reativo reduzido. Ou seja, com escassas reações torsionais quando se acelera ou corta gás. O que, sublinhe-se, garante uma condução surpreendentemente precisa nas estradas mais recurvadas, aproveitando a entrega de binário bastante linear após as 3000 rpm.


Num patamar equivalente ao motor da Moto Guzzi V7 Stone Corsa está o sistema de amortecimento. Simples, mas eficaz. Claro que é sempre importante recordar que, apesar do estilo, esta não é uma moto de corridas! A forquilha de 40 mm, sem qualquer ajuste, garante uma boa leitura do asfalto que vai passando sob a roda dianteira e mostrou-se bastante confortável, mesmo nos pisos mais deteriorados.

O que não equivale a dizer que não tenha demonstrado uma capacidade desportiva adequado ao espírito de uma clássica. A entrada em curva é precisa, sendo fácil controlar a ligeira tendência racing em ‘cair’ para o interior. Reação que fica a dever-se ao diâmetro da roda dianteira de 18 polegadas e que é atenuada pelo perfil bem redondo dos Michelin Road Classic. Mais uns quilómetros de natural adaptação e é possível tirar partido desta característica para maior rapidez e suavidade em curva com a Moto GUzzi V7 Stone Corsa.

A naturalidade com que passam a encarar-se as estradas mais curvilíneas, minimizando as travagens e consequentes acelerações mais firmes em saída de curva, permite aproveitar o conforto da seção posterior da Moto Guzzi V7 Stone Corsa e esquecer os efeitos de torção. Até porque os dois amortecedores KYB garantem elevado conforto à custa de algum bambolear da traseira, aconselhando o ajuste em pré-carga, o único possível, com 5 posições diferentes, à medida de cada estilo de condução.
Mais conforto ou eficácia desportiva?
Amortecimento suficiente para as prestações da Moto Guzzi V7 Stone Corsa tal como a travagem. Muito potente e progressivo, o conjunto dianteiro da Brembo com uma pinça de 4 pistões a atuar sobre um disco de 320 mm, peca apenas por um feeling que podia ser melhor. Isso porque é notória uma sensação de dureza inicial na manete sem que isso implique com a capacidade de desaceleração ou torne imprescindível a montagem de um segundo disco. Que surgirá numa versão ainda mais aguerrida e especial…
Com ABS bem calibrado e com entrada em ação suave e controlo de tração MGCT ajustável, pouco se nota a escassa potência do disco de 260 mm e pistões e 2 pistões montada na roda traseira de 17”. Equipamento que mantém os 218 kg em ordem de marcha e com depósito cheio sempre bem seguros.
Segurança que, em italiano, rima com conforto, destacando-se o assento macio, bem desenhado e extremamente acessível a todas as alturas (760 mm ao solo) e uma imagem que sobressai em qualquer estrada como em frente a uma esplanada.
Mas a Moto Guzzi V7 Stone Corsa conta ainda com iluminação LED com luz diurna e um painel LCD. Ecrã ligeiramente deslocado para a esquerda, reforçando imagem clássica, que oferece uma boa legibilidade. E que tem características diferenciadoras como a silhueta da Águia de Mandello del Lario que pisca como aviso para trocar de velocidade. As funções são escolhidas a partir do botão Mode e validadas com um toque no botão de arranque (com o motor em funcionamento) o que, depois de familiarizados com o menu, facilita todas as operações.
Comercializada apenas na combinação cromática das fotos, a Moto Guzzi V7 Stone Corsa honra de forma honrosa e honesta os 14 títulos mundiais e vitórias no Tourist Trophy da Ilha de Man. Custa 10.299 € e pode ser vista nos concessionários da marca.

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