É normal dizer-se que os filhos herdam dos pais diferentes sinais genéticos, aproximando mais de um ou do outro consoante o ângulo de observação. No caso da Honda ADV350 é fácil perceber a sua origem e evolução genética. Afinal, tem o coração da Forza 350 e a alma da X-ADV 750. Mas, nem sempre o resultado final traduz o rigoroso somatório das partes. Por vezes, um mais um é superior a dois!
- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Lluis Llurba/Honda
As contas são fáceis de fazer. Some-se o motor e ciclística da Honda Forza 350 à estética da X-ADV 750, multiplique-se o fator da diversão, divida-se pela economia e eleve-se o resultado à potência máxima da mobilidade com estilo. Por outras palavras, encontre-se o ponto médio do caminho entre as duas e, aí perto, estará a ADV350. A prova de que os sucessos da história podem ser repetidos.
Tudo a partir da comprovada base da urbana a que se junta a dose correta da filosofia da aventureira. Imagem de robustez, transportada para os desafios quotidianos das grandes urbes. Que exatamente para isso foi pensada a Honda ADV350, propondo uma mobilidade mais divertida. Mais espampanante que a sóbria Forza, apresenta um mundo de pormenores distintivos em relação à máquina com que partilha o quadro e motor.
Seria necessário um aturado jogo das diferenças entre as duas para compreender a distância entre os dois conceitos estéticos. A que se juntam, inclusive, detalhes de inspiração na RCV de MotoGP, como a passagem de ar na carenagem lateral. Concebida para aumentar a estabilidade, mas, sobretudo, para reduzir a turbulência na zona dos joelhos e cujo efeito se agradece em estrada. Aerodinâmica que joga a favor do bem-estar a bordo, testado ao longo dos 750 quilómetros do Honda 350ADV Tour & Fun Challenge.
Do trânsito de Saragoça à estrada do silêncio
Uma viagem por algumas das mais curvilíneas estradas da Comunidade Autónoma de Aragão, incluindo a famosa The Silent Route, espetacular troço de 63 km da A-1702 na província de Teruel. Palco de excelência para comprovar o acertado trabalho da Honda rumo às viagens mais improváveis. É que, em cidade, mantém-se o elevado patamar atingido pela Forza que nem a acrescida altura do banco coloca em causa. O que ficou comprovado no arranque de Saragoça, em plena hora de ponta, desafiando o sempre nervoso trânsito matinal.
A posição de condução é agradável, permitindo variar entre a colocação das pernas direitas, melhorando a agilidade urbana e rapidez de reação, ou com os pés atirados para a frente. Que resulta melhor nas ligações interurbanas, permitindo usufruir do generoso apoio lombar, ainda que não ofereça total proteção aos pés como na posição mais tradicional.
As muitas parecenças com a X-ADV 750 têm ponto alto na seção frontal, a começar pela assinatura luminosa, integralmente em LED, e pelo ecrã. Que é ajustável em 4 posições (130 mm de altura), mas apenas de forma manual através de um sistema trapezoidal. Por questões de segurança, sublinha a Honda, esta operação só pode ser feita com as duas mãos, estando parado. Puxa-se em simultâneo dois botões laterais e ajusta-se à medida de cada condutor, ampliando a proteção à cabeça e tronco. Mais desprotegidos ficam os ombros, devido à forma do ecrã, sendo que a altas velocidades poderá sentir-se alguma pressão acrescida no topo do capacete. É que nem sempre a posição mais elevada é a que protege mais e oferece mais conforto…
Polivalência reforçada e… aquecida
Enquanto se espera a chegada de ecrãs opcionais (mais largos, fumados ou com apêndices aerodinâmicos), nota para a montagem, de série, dos protetores dos punhos. Garantia de defesa aos elementos nos dias mais frios e chuvosos, a que se poderá juntar o opcional sistema de aquecimento. Acessório que reforça a polivalência ao longo de todo ano, tal como a Smart Top Box de 50 litros de capacidade (412 €).
Que amplia a já de si boa capacidade (48 L) do espaço sob o banco, onde cabem dois capacetes integrais. E que, tal como sucede com a Forza, é modulável, com uma pequena divisória plástica, à medida das necessidades do utilizador e abre-se com recurso à Smart Key. Chave inteligente que, guardada no bolso, permite realizar todas as funções através do botão retro iluminado existente na consola central. Sistema extremamente prático, sobretudo em cidade, que bloqueia também o espaço existente à esquerda no painel frontal, podendo deixar o telemóvel a carregar na tomada USB tipo C de forma segura.
No posto de comando, sobressai o elevado cuidado ergonómico, permitindo fácil controlo a partir da boa posição oferecida pelo confortável banco. Ainda que os mais altos possam ter alguma dificuldade em descobrir o espaço necessário para acomodar as pernas. E, sobretudo, para colocar os pés na posição mais avançada, já que o encosto lombar cria algumas limitações para condutores com mais de metro e oitenta. Ao mesmo tempo, os mais baixos têm a vida facilitada no pára-arranca do dia-a-dia, com os 795 mm de altura do banco e o recorte da plataforma poisa pés a tornar bastante acessível o apoio no solo.
Sonhos de aventuras africanas…
Cuidados urbanos que não diluem os sonhos de grandes aventuras. A paixão continua a ser fator de elevada preponderância na hora de comprar uma moto e, no caso da Honda ADV350, faz todo o sentido. Assim como o fez, em 2016, a inovadora X-ADV 750, criadora de um novo conceito SUV nas duas rodas.
Às linhas atrevidas da nova proposta da família New Urban Adventure junta-se, por exemplo, o guiador largo, suspensões altas e os pneus com perfil ‘off-road’ (15 polegadas à frente e 14” atrás). Bem como o painel de instrumentos de tipo dakariano.
Montado numa torre que o coloca em posição elevada e vertical, o painel em LCD de fundo negativo proporciona uma boa visibilidade e informações muito completas. Em síntese, nem o facto de não permitir mudanças do aspeto visual ou até de alguns dígitos obrigarem a um olhar mais atento impede uma nota bem elevada. Da mesma forma sucede com o satélite de comandos que permite realizar todas as operações, com o polegar esquerdo.
Controlo fácil e intuitivo, sem retirar a mão do guiador, que permite operar o Honda Smartphone Voice Control. Sistema que se liga por Bluetooth ao telemóvel do condutor (ou do passageiro) e, através da aplicação RoadSync, permite fazer chamadas ou ouvir música. Mais-valia tecnológica a que se junta o Emergency Stop Signal, ligando automaticamente os piscas traseiros sempre que é efetuada uma travagem muito forte.
… e ritmo de campeonatos do Mundo
Desaceleração que, sem ser brutal, mostrou-se à medida de todas as exigências. Suficiente mesmo quando o ritmo era acelerado pelo bicampeão do Mundo de MotoE (2020 e 2021), Jordi Torres convidado da Honda Europe para esta viagem ao Motorland de Aragon para assistir à corrida do Mundial de MotoGP. Travagem progressiva, com a sensação de potência diluída pelo afundar da suspensão dianteira devido ao curso mais longo. E que, em ritmos mais divertidos, deve ser combinada manualmente com a traseira. Sem sistemas de repartição da força aplicada nas manetes, esta é a solução para corrigir trajetórias e impedir que a frente levante nas travagens em curva. Tudo somado, nota positiva para a ação do disco dianteiro de 265 mm de diâmetro mordido por pinças de 2 pistões da Nissin, enquanto atrás surge um disco de 240 mm com pinça de pistão simples.
Com o experiente piloto, que já correu nos mundiais de Moto2, MotoGP e Superbikes, a abrir caminho, oportunidade ímpar para procurar os limites da ciclística. Mas que, ao contrário do que poderíamos imaginar, estão longe, bem longe do esperado. A ‘culpa’, além do muito rígido chassis em tubos de aço, é do sistema de amortecimento. Afinal, a forquilha dianteira invertida da Showa tem 37 mm de diâmetro e 125 mm de curso e, mais importante, é fixa ao chassis através de duas mesas de direção.
Configuração de verdadeira moto que, juntamente com novas jantes em liga de alumínio mais leves 250 gr, torna o trem dianteiro muito intuitivo. Facilidade de colocação em curva exponenciada pela largura do de guiador em alumínio tipo ‘fatbar’, bem superior ao normal neste tipo de motos. Componente que reforça enormemente a maneabilidade da moto (perdão, da scooter…) em estrada e facilita movimentos de correção, graças ao elevado poder de alavancagem proporcionado.
Em busca da alcatifa perdida
Suspensão dianteira que é uma das principais diferenças relativamente à Honda Forza 350, mostrando-se algo dura num momento inicial. E não transforma o asfalto em mau estado ou os pisos empedrados das povoações medievais como Morella em aveludadas alcatifas do Século XX. Ou nos superlisos pisos tecnológicos Séc. XXI.
Nesta primeira fase do curso nota-se bem o trabalhar da suspensão que não é a mais macia do mundo. Mas, à medida que vai encontrando as exigências na estrada, aí sim, comporta-se à altura. Com uma excelente nota, acrescente-se, como aconteceu nas curvas retorcidas da Sierra de Arcos ou em Els Ports, barreira natural que separa Aragão da Catalunha.
Atrás, um comportamento semelhante, com dois amortecedores Showa com botija de expansão e 130 mm de curso, mas que, tal como na dianteira, não permitem qualquer tipo de afinação. Seja como for, as molas de tripla ação garantem boa progressividade, fazendo esquecer a impossibilidade de ajuste em pré-carga. Com efeito, tanto a solo como com carga, o comportamento é eficaz mesmo quando se curva para lá dos limites do aconselhável em maus pisos.
Exatamente igual ao da Forza, é o motor monocilíndrico de 330 cc, oferecedor de 29,2 cavalos (7500 rpm) e binário máximo de 31,5 Nm (5250 rpm). Valores que balizam a faixa onde se nota a maior vivacidade deste motor, sempre com muito agradável sonoridade grave e desportiva. Interessante é ainda a capacidade de resposta em saída de curva, desde que não se deixe cair o regime abaixo das 4500 rpm. A partir daí, as acelerações surgem fortes e progressivas, com uma capacidade de alongamento que vai até perto do ‘red-line’. Contributo para manter, de forma fácil, velocidades de cruzeiro na casa dos 120/125 km/h, mesmo a subir, e máxima que, em circuito, passou os 165 km/h no painel.
Momentos de diversão
Motor de atrito reduzido (eSP+) e performances que reforçam a competitividade da Honda ADV350. Mesmo perante alguma concorrência de cilindrada superior. Contudo, não oferece a imagem aventureira e a possibilidade de algumas passagens na terra a caminho da praia ou de um ponto de vista único sobre a paisagem.
Desenganem-se, porém, aqueles que pensam tratar-se de uma trail! Embora aparente um estilo aventureiro, graças à suspensão alta, guiador largo e dos pneus Metzeler Karoo de perfil misto não é uma moto de ‘off-road’. É, isso sim, uma scooter urbana com imagem distintiva e alguns atributos que permitem prolongar um pouco a viagem (mas apenas um pouco…) quando o asfalto termina.
Altura em que se agradece a montagem do controlo de tração HSTC (Honda Selectable Torque Control) com duas posições e possibilidade de, ao contrário do ABS, ser desligado. Em pisos de mais rolantes, como em terra dura ou cascalho, o 2.º nível é o mais adequado, permitindo divertidas atravessadelas sem ser demasiado intrusivo. Uma vez que é suficiente em grande parte das situações, garantindo um ‘plus’ de segurança, e apenas em condições extremas haverá vantagens em desligar o sistema.
Argumentos particularmente interessantes para uma scooter divertida, prática e com estilo que custa 6450 euros e está disponível em dois tons de cinza (prata metalizado Spange e metalizado Mate Carbonium) e vermelho-escuro metalizado Mate Carnelian.
Quanto a consumos, nos 750 quilómetros efetuados a ritmos muito elevados e sem cuidado em termos de poupança de combustível, ficou-se pelos 4,0 litros por cada centena de quilómetros. Valor aferido no computador de bordo, acima dos 3,4 L/100 km anunciados pela marca, mas, ainda assim, perfeitamente à medida das ambições extraurbanas da Honda ADV350. Sobretudo doseando o andamento, com expetativa de que os 11,7 litros de gasolina do depósito cheguem para 300 quilómetros de diversão.