Mais importante do que o destino é, na maioria das vezes, a viagem. Por isso decidimos, 3 mulheres em 3 motos, tornar a deslocação à Croácia numa jornada de descoberta e diversão. A ideia era ir até Sveti Martin na Muri, no norte deste país dos balcãs, local escolhido para a realização do FIM Mototour of Nations e, entre as várias opções, podíamos ir diretas ao destino, enviar as motos e viajar até lá de avião ou mesmo alugar as motos no local. Mas náo quisemos resumir a viagem à simples chegada ao destino.

- Texto: Mara Silva
- Fotos: Tuxa Oliveira
Acontece com todos, mas, sobretudo, com muitos motociclistas. Muitas vezes, na pressa de chegar, esquecemo-nos de valorizar o trajeto! Por isso, escolhemos (talvez) a mais difícil forma de fazer o percurso entre o Porto e a Croácia, mas também a mais divertida e seguimos sempre por estrada. Preferimos, as 3 mulheres em 3 motos, trocar o roncar dos motores em velocidade acelerada para chegar mais rápido, por um suave ronronar e descobrir a beleza do caminho, sem que o destino fosse a única medida do sucesso.
Assim, no final de agosto, 3 mulheres em 3 motos (Mara Siva, Tuxa Oliveira e Anita Carvalho) aos comandos de um Honda, uma BMW e uma Suzuki), com as top-cases cheias de entusiasmo e vontade em conhecer o desconhecido, saíram de Portugal com destino à Croácia.


A primeira etapa ligou a capital do norte de Portugal à capital do País Basco francês, também conhecida como cidade da arte e da história. Bayonne fica na confluência dos rios Nive e Adour, no departamento dos Pirenéus Atlânticos, a as suas casas típicas, estreitas e altas com riscas coloridas, dão um alegre ar pitoresco a esta cidade.
Com uma riqueza arquitetónica que recorda o peso histórico desta pequena cidade junto à fronteira franco espanhola, era imperdível a visita à Catedral de Sainte-Marie, bem no centro da cidade e declarada como Património Mundial em 1998, pela UNESCO. Com torres góticas que dominam o horizonte e parecem tocar no céu, viu o seu claustro, construído no Séc. XIII, ser usado como cemitério antes de albergar um mercado aberto ao público, fazendo, atualmente, parte do caminho de peregrinação para Santiago de Compostela.

Sob os encantos da chuva (que também os tem…)
Uma visita bem cativante, depois de uma tirada longa mas soalheira, que não deixava antever o que viria a suceder no dia seguinte, com um amanhecer chuvoso num ambiente que se prolongou durante quase toda a viagem, com a chuva a não dar tréguas às 3 mulheres em 3 motos. E acham que isso desanimou alguém? Nada disso…
A luz era diferente, é certo, longe do brilho que só o astro-rei consegue pintar, mas as paisagens continuavam com o seu encanto: os túneis de árvores continuavam verdes e os campos de feno mantinham os seus tons entre o dourado e os castanhos. As capelas no meio das aldeias perdidas continuavam de pé, as casas caiadas continuavam a transmitir o seu charme e até as pontes medievais continuavam a fazer-nos viajar no tempo. A chuva apenas conferia beleza diferente….

A meio da tarde parámos em Cahors: terra de vinhas e de bom vinho. Localizada no sudoeste de França, é um verdadeiro tesouro de história e arquitetura. Com raízes que datam do período romano, esta cidade é conhecida pelos seus monumentos bem preservados. Caminhar pelas suas vielas e nas margens do rio levou-nos à descoberta de uma peça invulgar.
Um relógio movido por esferas: 54 pequenas bolas, pesando cerca de 80 gr cada uma, mantêm o relógio em funcionamento. Um relógio que nos lembrou que, mesmo optando por viajar de forma serenamente turística, havia que fazer quilómetros, continuando a percorrer os caminhos por entre as vinhas e as adegas. Pena foi não podermos fazer uma degustação de vinhos, mas ficou como uma boa desculpa para um regresso ainda com mais calma. Quem sabe, tendo Cahors como destino.



Enquanto esperamos por essa oportunidade, havia que seguir viagem, com as 3 mulheres em 3 motos a rumarem a Rodez, com uma paragem prolongada na elegante catedral. Com origens que remontam ao período medieval, a Catedral de Rodez demorou três séculos a ser construída entre os Sec. XIII e XVI. Claro que a História explica as (muitas) razões para tamanha demora, desde a Guerra dos Cem Anos à falta de fundos, passando por períodos de doenças e epidemias.

Depois de vários minutos em frente à catedral, tempo para voltar a colocar os queixos no sítio, caídos que estiveram perante tamanha beleza. Fosse pelas torres maciças, pelas intimidatórias gárgulas, pela distinta cor rosa da pedra ou pelas imensas figuras, esculpidas na pedra com tamanho detalhe. Tanto para apreciar! Dizem que a catedral, de estilo gótico, está constantemente a sofrer intervenções de restauro, devido à fragilidade do arenito rosa usado na construção deteriorar-se bastante com o tempo, obrigando, por isso, a um trabalho constante e cuidadoso de uma equipa de pedreiros.



Demos a volta à catedral e, surpreendentemente não há uma grande entrada (pelo menos, das dimensões a que estamos habituadas). Aliás, na fachada principal não há portas nem janelas e o acesso faz-se por uma porta lateral. A torre sineira, com 87 metros de altura, constitui um dos mais altos campanários de França. Graças ao bispo François d’Estaing que queria que fosse o mais bonito e mais alto de toda a França. E conseguiu concretizar o seu desejo.
3 mulheres em 3 motos numa aventura… ciclística?
Prontas para seguir viagem, as 3 mulheres em 3 motos, deliciaram-se com um percurso que ora seguia por vales serenos, com ribeiros de um lado e escarpas do outro, ora subia facilmente para lá dos 1400 metros de altitude. Quilómetros que abriram o apetite para o almoço em Le Puy-en-Velay, uma vila encantadora com uma curiosa catedral que tem uma entrada absolutamente peculiar, obrigando a subir a escadaria frontal antes de voltar a descer para o interior do templo. Estávamos maravilhadas.

Classificada como Património Mundial da UNESCO, foi um dos maiores lugares de devoção mariana da Europa na Idade Média ali tendo sido descoberto um imenso relicário. No seu interior, a estátua da Virgem Negra domina o altar principal, tendo substituído a original, oferecida por São Luis e queimada em 1794, durante a Revolução Francesa. A imponência deste local, construído no ponto mais alto da vila, é reforçado pelos vestígios que datam do Paleolítico e pelo facto de ser ponto de partida da Via Podensis, umas das ligações até St. Jean Pied du Port (na fronteira com Espanha) que entronca no Caminho Francês rumo a Santiago de Compostela.






Voltámos ao início da história durante o almoço! Claro que esta simpática vila merecia muito mais tempo para ser descoberta, mas, afinal, apesar de ser uma viagem idealizada para desfrutar, para aproveitar cada momento, as 3 mulheres em 3 motos tinham um objetivo pelo que havia que prosseguir. Até Grenoble, onde decidimos parar para descansar.
Uma cidade que se mostrou um pouco insegura (para não dizer muito…) tendo o bom-senso ditado que afastássemos os telemóveis de olhares mais cobiçadores e que, de nariz empinado e sem parar, saíssemos daquelas ruas. No dia seguinte, antes de voltar à estrada, os proprietários do hotel vieram despedir-se oferecendo-nos águas para a viagem. Saímos de lágrimas nos olhos com tamanho carinho.

Ainda só tínhamos feito cerca de 60 km, quando tivemos de tomar uma decisão: seguir viagem rumo a Itália ou subir o Alpe d’Huez, com os seus 14 quilómetros pejados de curvas, muitas delas em cotovelo e com inclinação bem acentuada? Em contraponto à insegurança e, porque não confessá-lo?, algum medo, havia uma enorme vontade de superar-nos e por isso a decisão acabou por ser tomada facilmente e de forma unânime: “Bora lá subir!”



Localizado a uma altitude de 1860 m e rodeada por picos que chegam aos 3300 m, o Alpe D’Huez não é a montanha mais alta, mas é, sem dúvida, das mais míticas chegadas da Volta a França em bicicleta, o grande ‘Tour’. Apesar dos receios e muitas precauções, subimos sem dificuldade de maior: afinal aquilo até era fácil. Pelo meio fomos parando para absorver as paisagens enquanto por nós passavam muitos ciclistas. Coragem era isso: subir de bicicleta. As vistas eram indescritíveis, num surpreendente e deslumbrante contraste entre as montanhas com neve e os lagos de um azul intenso, ligados por vários túneis atravessando as montanhas partilhadas por ciclistas e esquiadores.

Emocionada pelos miúdos italianos
Ainda com as imagens das paisagens alpinas a acomodarem-se no baú das memórias, entramos em Itália já a pensar no merecido descanso quando, num semáforo, parou um carro ao meu lado com duas crianças que teriam 6, 7 anos. Um deles olhava imenso para a minha mota e, de forma natural, sorri-lhe levando-o a ganhar coragem para perguntar se era portuguesa. Respondi afirmativamente e o miúdo ficou tão contente que me aqueceu o coração. Mais à frente, mudamos de direcção e o miúdo não parava de gritar: “Ciao, portuguesa…” 😍
Tanto carinho que levei um sorriso enorme até Novara, onde as 3 mulheres em 3 motos pernoitaram, e acho que ainda era visível na manhã seguinte, ao arrancar em direção a Varese. Cidade que nos ofereceu mais surpresas, embrenhadas pelas vielas ou ao virar de cada esquina, com as árvores adornadas com coloridas peças de croché ou as imagens pintadas dos santos nas esquinas.

Surpresas sem parar até à Basílica de San Vittore que, com o seu altar em talha dourada, deixou-nos uma vez mais de boca aberta perante tamanha beleza, dos tetos com ricas pinturas e esculturas aos quadros pendurados por todo o espaço… Eram tantos os pormenores que criaram enorme dificuldade para absorver tudo. A basílica, juntamente com a torre sineira, com quase 80 m de altura, e o batistério, constituem o coração religioso de Varese. Continuámos a percorrer as vielas, sem destino, e chegávamos ao Palazzo Estense, de estilo barroco e aos seus jardins. Tudo majestosamente cuidado!

Saímos de Varese por ruas tão estreitas que mal passava um carro. Começámos a descer por vielas íngremes até que, ao virar de uma esquina, tínhamos o Lago Como mesmo à nossa frente. Um verdadeiro espanto aquele que já foi definido como o lago mais bonito do mundo por um jornal americano, algo que tendo a concordar.






Com um característico formato de Y invertido ou, como dizem os italianos em forma de homem, “o Lago de Como tem a forma de um homem, uma perna em Lecco e a outra em Como, o nariz em Domaso e o fundo em Bellagio”. Além disso, as vilas que circundam o lago têm uma enorme beleza cénica e o dia cinzento ainda conferia um ar mais místico. Percorremos as margens do lago até Bellagio e, posteriormente, até Lecco.

As vistas continuavam dignas dos melhores postais, mas era hora de seguir viagem até Bérgamo. Sim, porque as 3 mulheres em 3 motos estavam ali para conhecer e descobrir novas paisagens, mas havia um destino a alcançar.






A cidade de Bérgamo está dividida em duas partes completamente distintas: a moderna, comercial e pulsante Città Bassa (Cidade Baixa) e a medieval, charmosa e histórica Città Alta. Entrar nesta Cidade Alta é como entrar numa época medieval com as suas vielas estreitas, calçada em pedra, edifícios com uma incrível diversidade arquitetónica barroca e renascentista e, claro, o castelo. Beleza que invade os sentidos e faz querer ver mais e sentir tudo. Entrar no ambiente. A Piazza Vecchia é um lugar histórico rodeado por monumentos importantes, dos quais se destacam a Torre Cívica, o Palazzo del Podestà e uma série de arcadas construídas no período medieval e que formam uma galeria coberta.

Na Piazza del Duomo, fica a Basílica de Santa Maria Maggiore, construída no século XII, cujas Portas dos Leões são um chamariz. Ao lado, encontra-se a Capela Colleoni, construída no Sec. XV e o exterior com mármore branco, rosa e vermelho formando padrões geométricos deixa qualquer um maravilhado.
O encanto de Veneza e um alerta de perigos
A viagem continuou até Veneza. Ficámos alojadas em Mestre e fomos de Tram até ao centro de Veneza e ficámos logo rendidas. Conhecida pelos seus canais sinuosos e os seus edifícios antigos, Veneza tem uma atmosfera única. Com mais de uma centena de ilhas interligadas entre si por inúmeras pontes e canais, visitar Veneza é uma experiência diferente. E não ver estradas nem automóveis e, pelo contrário, no lugar destes, só ver canais e barcos é encantador.
Além disso há as gôndolas, as tradicionais embarcações de Veneza que dão um toque de romantismo à cidade. De cor preta, estreitas e alongadas, com detalhes dourados e bancos acolchoados, transformam qualquer passeio numa vivência inesquecível. São usadas desde o século XI e não andar de gôndola em Veneza é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa…

Por isso, como não podíamos perder a oportunidade, lá fomos nós, entrando na gôndola com muitas cautelas e algum receio. É que aquilo abanava tanto que parecia que mal entrámos de um lado, íamos cair pelo outro. Mais parecia que estávamos em mar alto mesmo estando nas tranquilas águas de canais que o gondoleiro, vestido com roupas tradicionais – calças pretas e camisola às riscas – percorreu de forma sábia.
O mais engraçado é que as 3 mulheres em 3 motos, que não viveram qualquer susto ao longo da viagem por estrada, pensaram que, a qualquer momento, iam ter um acidente tal era o trânsito. E sempre a balançar para tentar manter o equilíbrio.


Em alguns canais era incrível o silêncio que se fazia sentir no ar e a serenidade que transmitia. Veneza conseguia ser mágica! As pequenas pontes de pedra, as praças pitorescas, os palácios antigos tudo era de uma beleza ímpar. Mas não menos bonitas são as lojas dos trajes de Carnaval de Veneza, com máscaras e vestidos de época que nos levaram a viajar no tempo. Estávamos completamente apaixonadas por esta cidade. Passámos o dia a caminhar por entre vielas, a saltitar de ponte em ponte, a absorver o encanto de Veneza e a sua atmosfera de amor, mistério e glamour misturado com romantismo e magia…
É sempre mais complicado partir de uma cidade que nos apaixona. Os momentos que queremos eternizar e, se possível, prolongar são as fundações das agradáveis memórias que guardamos de cada viagem. Mas é também nessa despedida, em jeito de breve até já, que reside a riqueza de cada jornada. Por isso, seguimos viagem através de vilas rodeadas de campos cultivados, ora com milho, ora com vinhas, continuando o caminho traçado até Trieste.






Recebidas pela frescura do Mar Adriático, com quem partilhamos longos quilómetros, lado a lado, aproveitamos a vista soberba com uma paragem para registar o momento. Pararam três motos com matrícula da Chéquia que logo perguntaram a nossa origem e se viajávamos só as três. Perante a afirmativa logo franziram o sobrolho e um deles, aparentemente muito preocupado, afirmou que “isso era bastante perigoso!” Talvez possa ser, pensei com os meus botões, mas só se for para alguns homens. Não para 3 mulheres em 3 motos vindas de Portugal.
E, com esta sensação de conquista, entrámos na Eslovénia, parando na pequena, mas muito agradável vila de Izola, onde os pescadores mantêm tradições ancestrais na arte da pesca. Demos um passeio pelo centro histórico e seguimos viagem para, mais alguns quilómetros à frente, entrarmos na Croácia. A primeira parte do desafio estava cumprida e vinha aí a ‘desculpa para a viagem destas 3 mulheres em 3 motos’.
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