Ao fim de seis anos consecutivos, o número que encabeçava o frontal da Kawasaki ZX-10RR Ninja de Jonathan Rea ‘saltou’, por fim, para a Yamaha YZF-R1 de Toprak Razgatlioglu. Em 2021, os pilotos oficiais da casa de Akashi somaram quedas e erros acima do normal e as queixas sobre o comportamento da Ninja, que continua sem conhecer uma nova versão desde 2018, somaram-se até ao final da época.
O que mudou para este ano? Terá a Kawasaki e a equipa da Provec descoberto as razões de problema? E as soluções encontradas, funcionam?
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK e Fernando Pedrinho
E para mal de Jonathan Rea e Alex Lowes, a vantagem proporcionada pela proverbial tração mecânica, que era apanágio da ZX-10RR, face às motos adversárias desvaneceu-se como a névoa matinal. Essa foi uma superioridade da equipa durante anos a fio e que lhe permitia tirar mais rendimento dos pneus traseiros que existiam até há um ano atrás, normalmente mais duros, e que não eram capazes de garantir tração em pistas mais quentes. Mas porquê? Simplesmente porque a Pirelli desenvolveu o excecional composto traseiro super macio para o Pirelli Diablo Superbike, designado por SCX, que veio garantir às restantes equipas a tão ansiada tração à saída de curva, permitindo aos seus pilotos lutar de igual para igual na maior parte das pistas. Já este ano, o novo SCQ, ultra macio, promete ser uma escolha possível para os pilotos mais leves para a ‘Superpole Race’, para além de permitir a todos uma janela de oportunidade mais ampla, na ‘superpole’, caso vejam a volta rápida cancelada por bandeiras amarelas, por exemplo.
E porque sofriam as Kawasaki?
Ora acontece que o mesmíssimo SCX acabou por complicar a vida aos homens das motos verdes, como me confirmou Jonathan em algumas ocasiões na segunda metade do campeonato do ano passado. “Na fase de travagem, o pneu traseiro tem imensa aderência e empurra-me a frente na entrada para as curvas, colocando muito esforço no congénere dianteiro”. Isto não só o fazia sobreaquecer como desgastar mais do que o necessário. Mas pior: a frente fechava e obrigava Jonathan e Alex a alguns malabarismos com o guiador todo torcido e a borracha da frente a ‘desenhar’ alguns traços negros no asfalto, nalgumas vezes com ida ao soalho garantida. Nem Davide Gentile ou Danilo Cassonato, os dois estrategas da eletrónica da equipa oficial lograram, por essa via, controlar o ‘empurrão traseiro’, o que resultou num ‘zero’ ou poucos pontos na luta de Rea com o sultão turco, Toprak Razgatlioglu.
O milagre veio do Japão
Mas este ano, nos testes de pré-época, os sorrisos dos dois britânicos e de toda a equipa davam a demonstrar que a solução havia sido encontrada. A mesma resultou numa nova configuração da forquilha dianteira fornecida pela Showa. E se o norte-irlandês não revelou qualquer detalhe, já Alex abriu um pouco o véu e explicou que o novo garfo nipónico funciona com um pouco mais de curso que o anterior, permitindo trabalhar melhor no afundamento quando a moto mergulha para a curva sob ação dos travões, o que os ingleses designam por ‘trail braking’, não ‘congelando’ nem fechando a direção, como sucedia antes.
O certo é que Jonathan recuperou a sua aura e sorriso, e nas várias sessões de testes realizadas em Espanha, nem no fim-de-semana de Aragão se queixou uma única vez. A Ninja parece ter recuperado a sua proverbial estabilidade e foi difícil descortinar a moto verde colocar o ‘pé’ em ramo da mesma cor ao longo dos três dias.
O mesmo ritmo de Álvaro
Nas corridas de Domingo Jonathan foi brindado com uma margem de mais de quatro segundos em ambas corridas, sendo que a ‘Superpole Race’ é um autêntico sprint, com metade das voltas. ”Senti que o meu ritmo era idêntico ao do Álvaro, mas com a pista livre”, disse-me o norte-irlandês. “Só que o Rinaldi e o Toprak estavam tão empolgados em conquistar posições que tive dificuldades em explanar o real andamento ao meu alcance. Precisei de muito tempo para ter a pista desimpedida pela frente, para ser rápido, mas as corridas foram, novamente, muito intensas”.
A mudança da direção do vento também ajudou a alguns pequenos erros por parte do hexacampeão mundial. “No sábado tínhamos o vento por trás na reta grande, mas no Domingo ele soprou de frente nessa mesma reta”, voltando a empurrar as motos na chegada à primeira curva do traçado aragonês.
“Saio feliz, parabéns ao Álvaro”
Rea saiu feliz do Motorland, pista habitualmente difícil para qualquer moto. “Sim, se me tivessem dado esta aposta de resultados na segunda-feira anterior teria assinado por baixo”, confessou o natural de Ballymena. Como assim? “Sabendo do comprimento da reta longa deste circuito, do andamento do Álvaro e do Toprak nos testes de pré-temporada, além de ter sido aqui que o Michael Ruben conseguiu a sua primeira vitória no Mundial de Superbike, ser o melhor dos outros deixa-me contente e em ‘pulgas’ para ir para Assen”.
A vitória de Bautista não teve os contornos da de 2019, onde esmagou a concorrência com 20 segundos de vantagem. “O que é aceitável”, refletiu Jonathan. “No Sábado foi a moto a fazer o trabalho todo, o Álvaro ia em cima da Ducati [quase como se fosse um passageiro] e acho que em termos de estratégia de corrida estive melhor. Só que para Domingo ele sabia que a sua oportunidade era ir para a frente bem cedo para apanhar ar livre pela frente e esperar que se gerasse o caos atrás de si, entre nós, o que acabou por acontecer. Está de parabéns: fez as duas voltas iniciais de uma forma excelente, em ambas as corridas, muito agressivo, sobretudo na travagem para a primeira curva, na ‘Superpole Race’. Fez o que eu esperava dele, francamente, e eu fiquei retido na luta pelo segundo lugar com os outros dois. Ainda houve uma altura na corrida em que pensei estar no ponto de me desembaraçar deles e ir atrás do líder. Passei o Rinaldi, mas errei na curva um e no saca-rolhas e comecei a forçar em demasia os pneus. Perdi fluidez e passei andar mais no tipo ‘pára-arranca’”.
Com um conjunto decididamente mais sólido, não parece haver muito espaço para melhor na ZX-10RR Ninja. “Ainda estou a trabalhar em algumas áreas da eletrónica”. Mas, mais precisamente, que áreas são essas? “Áreas eletrónicas”, ripostou com um sorriso de quem não quer dizer mais, como se passou ao longo de toda a semana e fim da mesma. “Em termos de ciclística a moto está boa, como acho era visível na televisão. O comportamento é bom, estamos a utilizar o pneu de forma correta, pelo que temos apenas de rever os parâmetros para a qualificação, para sacar um pouco mais de longevidade do pneu e conseguir ter mais tempo para conseguir um tempo, pois quando andas em luta com esta malta, a posição em pista vale tudo”.
Moto mudou de um dia para o outro? Agora vem Assen.
Terão as alterações efetuadas na ZX-10RR de um dia para o outro contribuído para um pior andamento no Domingo? “Não mudámos muita coisa”, disse. “A moto era praticamente a mesma, pelo que foi o comportamento do pneu traseiro a fonte de maior variação”, de um dia para o outro. “No Sábado tinha imensa tração, mas no Domingo foi mais o ‘feeling’ normal com o pneu a perder rendimento para o final. Isso é algo estranho, porque a temperatura da pista andava nos 28º C e no final da corrida de Domingo estava nos 35ºC. Esta variação tornou tudo mais difícil”.
No ano passado Rea esteve imperial em Assen, vencendo as três corridas sem (grande) contestação. Como seria de esperar, as suas expetativas são elevadas para o fim-de-semana neerlandês. “Só quero dar o meu melhor, mas é claro que espero estar forte. Mas nunca se sabe o nível da concorrência é muito elevado. Só necessito que a minha funcione logo desde o primeiro dia para preparar o pacote do fim-de-semana. A temperatura deve estar mais baixa, pelo que teremos de entender a duração dos diferentes pneus. Mas é uma pista de que gosto e virão muitos adeptos do Reino Unido após a primeira ronda do BSB”.
Lowes rápido e quase lá
Iniciando o mundial com uma queda no sábado, no dia seguinte Alex Lowes esteve bem melhor e mais consistente. “Debati-me todo o fim-de-semana para encontrar uma afinação que funcionasse bem”, revelou o piloto inglês. “Talvez tenhamos trabalhado em demasia, durante o inverno, com pneus usados, pois não consegui ser tão rápido quanto desejava. Mas estou contente, pois fomos mais rápidos na corrida este ano comparativamente ao ano passado. As condições estranhas do ano passado ajudaram-nos a alcançar o pódio, mas este ano senti-me bem no calor e não andei longe do quarteto dianteiro. Faltam apenas algumas décimas”.
Alex voltou mesmo a “uma afinação prévia que já tínhamos utilizado”, disse. “Não é que tenhamos deitado fora o que aprendemos no Inverno, mas revisitámos uma geometria base da moto que me devolveu mais confiança, pois dá-me mais estabilidade e margem com o pneu da frente. Perdemos algum tempo a meio da corrida, mas para o fim voltámos a ganhar rapidez. É isso que temos de entender: o que passa a meio da corrida para perdermos ritmo”.
Lowes não está a utilizar todo o ‘armamento’ do seu companheiro de equipa, mas sim a ‘miraculosa’ forquilha Showa que parece ter curado os problemas que vinham do ano passado com a frente da Kawasaki.
Que venha de lá Assen para confirmámos todas estas evoluções.
De Honda NT1100 no Motorland Aragon
Fomos até à primeira corrida do Mundial de Superbike com a novíssima Honda NT1100. Foram mais de 1200 quilómetros com a turística bicilindrica gentilmente cedida pela Honda Iberia, a que agradeço e, em particular, a Carlos Cerqueira.