- Jorge Casais
Adiado por um ano, pelo menos, lá parti em 26 de Junho rumo ao extremo norte da Europa.
Os meses que antecederam a partida tiveram muita preparação para que tudo corresse pelo melhor. Muitas horas de Youtube, muitas horas de leitura, quer de livros quer de artigos online, mas procurei sempre evitar ser influenciado por quem já tivesse percorrido este caminho de moto ou carro. Queria mesmo ser eu a escolher o trajecto como faço sempre nos meus passeios a solo.
Foram muitas as rotas traçadas e alteradas, provocadas pelas muitas indecisões. Ora um dia estava tudo finalizado ora no outro, depois de ter lido ou visto alguma coisa que achasse mais interessante, lá voltava eu a refazer o trajecto. Por vezes eram apenas alguns km, mas chegaram a ser centenas de km quando, por exemplo, decidi deixar cair a passagem da ponte Storseisundet na estrada atlântica. Com muita pena minha é certo mas em Ålesund teria que flectir para a “esquerda” e não para a “direita” como realmente acabei por decidir.
As duas fotos abaixo dão uma ideia do que “ganhei” ao ter optado por apanhar a E136 e não ter passado pela ponte Storseisundet. Paisagens absolutamente monumentais, marcantes e deslumbrantes.
Duas semanas antes da partida, envio o meu projecto para alguém que conheço, o Thomas, apenas através das redes sociais Facebook e Youtube, para ver o que ele tinha a dizer sobre o mesmo. As suas palavras soaram mesmo bem. Senti que tantas horas a trabalhar neste projecto deram os seus frutos. O Thomas é um bom conhecedor dos meandros da Noruega e tem vários vídeos bem interessantes sobre a mesma. Reproduzo quase na íntegra a sua resposta:
“Hahaha, it looks like you have done your homework mate… not much to add to that trip. The places you want to visit makes perfect sense, July is a great month to ride here… Travel alone in Norway is no problem at all…. most likely you will meet more people this way. I prefer to ride alone myself, because I’m in a much better state when I can consecrate on my own time and see the things I will like to see. Not having to think about others in the group with different request”
No final deste passeio, viagem, percurso ficam pelo meio 22 dias a rolar com a inseparável Super Ténéré, 14,567 km percorridos onde passei por vários países (Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Suécia e Finlândia) e 6,235km em solo Norueguês.
É em solo Sueco que a ST ultrapassa os 170,000 km, passados alguns km de Gotemburgo, já em direcção a Drammen. Ultrapassa os 180,000 km já vinha eu em viagem de regresso. Andava por terras Francesas, bem perto de Lapalisse.
Hoje e com alguma distância, ao procurar resumir este feito épico, para mim claro, da ida até Nordkapp sinto-me realizado. A minha primeira grande viagem a solo na minha inseparável ST.
Seria injusto não referir a MOTOCAR, o José Pedro Carvalho e o seu Pai, Manuel Carvalho, e toda a equipa de Colaboradores. Impecáveis. Sempre a ver todos os pormenores, a lembrar se levava isto ou aquilo. Não me levem a mal Sr. João, André e Tiago, mas desta vez tenho que destacar o trabalho do Rui Bastes, pois foi ele quem desta vez esteve incumbido de preparar a ST, e do Rui Almeida, pois à última da hora lá conseguiu desencantar aqueles acessórios que me lembrei de pedir. Bem uns foram bem úteis e outros nem os usei. Mas claro que OBRIGADO a todos pois sei e sinto que toda a Equipa Motocar estava comigo nesta viagem.
Quanto à motox.pt e ao Alberto Pires apenas tenho a dizer MUITO OBRIGADO. Obrigado por ter, desde o primeiro minuto, ficado entusiasmado em seguir e publicar a minha viagem. Obrigado por o ter feito diariamente e obrigado por ter assistido à minha partida a horas impróprias… era mesmo muito cedo quando saí de casa.
Aos que me foram acompanhando nesta viagem também agradeço as palavras que me foram enviando. Sempre de incentivo.
Na partida e o no regresso aos “Zés a Lés” que estiveram comigo de forma presencial mas também “digitalmente”. OBRIGADO.
Deixo para último, propositadamente, a minha família, que sempre me deu força para que realizasse este meu sonho. Eu sei que apesar da força que me deste Patrícia, a tua preocupação era enorme pelo facto de ser uma viagem tão grande, ser a solo e de moto. Mais uns cabelos brancos… mas deixa lá, ficam-te bem. OBRIGADO Patrícia, Francisca, Filipa e Rita.
Nas minhas crónicas diárias a partir de certa altura comecei a referir uma preocupação em parar o mínimo possível em filas de trânsito. O calor era mesmo muito mas não só.
Na expedição Apollo 13 James A. Lovell tem uma frase que se tornou icónica: “Houston, we’ve had a Problem”. Salvaguardando as respectivas dimensões de situações, também me aconteceu algo idêntico. “Pedro, estou com problemas de sobreaquecimento na moto”.
Parado numa fila de com alguns quilómetros à entrada de Stavanger de repente ouço um estalido na frente do lado esquerdo da moto. Olho para ver o que poderá ser e nem um minuto após olho para o quadrante que indica “HI TEMP”. Ei lá, o que se passa? Isto não pode acontecer a uma moto Japonesa, muito menos a uma Yamaha e menos ainda a uma Super Ténéré. O que é certo é que aconteceu. O motor da ventoinha do radiador entregou a alma ao criador.
Depois do tal telefonema para a Motocar “Pedro, estou com problemas de sobreaquecimento na moto” ainda se chegou a pensar que fosse um fusível. Como estava no meio do trânsito lá tive que fugir do mesmo. Era ver o “JE” a passar pelo meio dos carros como se estivesse possuído. Lá cheguei finalmente ao hotel e, depois das indicações da Equipa de Intervenção rápida de longa distância, chegamos à conclusão que não era o fusível.
No outro dia fui à Yamaha logo de manhã cedo onde após breves verificações concluíram que o motor da ventoinha estaria queimado. Novamente a frase “Pedro, estou com problemas no motor da ventoinha do radiador, que queimou, e aqui não possuem forma de arranjar uma que não leve pelo menos uma semana”. Em contacto de imediato com a Yamaha em Portugal o Pedro moveu mundos e fundos para que aparecesse a desgraçada da ventoinha. E conseguiu junto da Yamaha, só que a mesma só estaria disponível em Trondheim. Seja. Desde que eu não andasse em filas de trânsito não iria haver stress. O que fiz foi a partir desse momento evitar entrar em localidades de maior dimensão e passei a marcar os hotéis fora das mesmas.
De facto deu resultado porque apenas voltei a ver “Hi Temp” nos engarrafamentos na Alemanha e França… e já no regresso a casa.
Mas se pensava que iria ficar resolvido enganei-me redondamente porque a DHL lembrou-se de carregar a ventoinha, mas só a entregaria no concessionário Yamaha ao final do dia. Estava já a desesperar e, mais uma vez “Pedro, estou com problemas quero ir embora mas a ventoinha só chega, em princípio, ao final do dia aqui ao concessionário”. Aqui o salvador já não podia ajudar mais pois o problema já era com a DHL e não da MOTOCAR, YAMAHA Portugal, Europa e do concessionário em Trondheim.
Era um risco? Era. Ia ficar ali parado? Não. Confio tanto na mota ao ponto de prosseguir viagem? Sim. Então o que pedi no concessionário foi que me tirassem a ventoinha porque assim pelo menos havia mais espaço para a senhora respirar.
Para além das botas que foram levadas por mãos alheias, de um forro de casaco que também quase eram levadas por mãos alheias, esta foi de facto a única situação que me levou a ficar apreensivo.
Haveria uma outra mais lá para a frente, e já quase a chegar a Norkapp, mas nesta, sou franco, via a coisa muiiiiiiiiito negra. Muito negra mesmo, com o ter que percorrer quase toda a estrada (cerca de 20 km) debaixo de um temporal que se levantou subitamente em que eu tinha que deitar a moto, mas deitar mesmo, para o lado esquerdo para fazer face ao vento que vinha desse lado. Umas horas bem stressantes o conseguir chegar lá em cima e depois regressar pelo mesmo caminho. Eu bem que tentei virar a moto para vir embora, mas nas duas tentativas que fiz quase que era arrastado pelo vento para fora de estrada.
Um resumo da Noruega, muito rápido, é se pensamos que acabamos de ver o(a) mais fantástico(a) fiorde, queda de água, montanha, estrada, etc…, enganamo-nos, passamos um túnel ou acabamos de fazer uma curva mais apertada e damos de caras com algo tão ou mais fascinante do que acabámos de ver.
Existe um roteiro de estradas cénicas (18) tendo eu percorrido algumas delas. Deixa-me surpreendido que não incluam neste roteiro duas estradas que nos levam ao extremo sul da Noruega em Lindesnes. São estradas bem simpáticas, com muita curva, nas quais somos acompanhados por paisagens lindíssimas e localidades a condizer. Refiro-me às estradas 460 até ao farol e depois uma outra que nos leva até Lyngdal, a estrada Fv401.
As viagens a solo têm destas coisas, como não temos com quem falar, temos que meter paleio com alguém. Foi o que fiz. Onde parava e quando encontrava motociclistas, que eram imensos e por toda a Noruega, lá estava eu a meter paleio com eles. Impecáveis todos eles… mesmo os daquela marca que em alguns países não passam a bola a ninguém de outras marcas (não resisto a esta alfinetada por isso OVER AND OUT).
Foi numa destas conversas com um grupo de motociclistas Harley (vestidos a rigor, barbas longas, cabelos compridos, tatuagens no braço e fitas no cabelo) que me disse que uma ida até Havøysund, Hamningberg e Kirkenes seria a cereja no topo do bolo, depois de lhes ter dito o que iria percorrer. A primeira, até Havøysund, ainda a percorri, e de facto é realmente brutal.
As outras duas teriam que ser no regresso depois de ir ao Norkapp o que significava pelo menos mais dois dias e cerca de 1500 km. Estas duas ficarão para uma próxima vez. Quem sabe quando for percorrer o TET Finlândia, não é João Araújo? Nas nossas T7. Está lançado o desafio amigo.
Na minha modesta opinião ir à Noruega de mota, não percorrer a Fv17 e não ir a Lofoten, é uma enorme perda. No caso da primeira percorri-a a saborear dedicando-lhe 3 dias.
No segundo caso, asneira minha, e muuuuuito grande, apenas lhe destinei 1 dia e meio. No mínimo 3 dias para percorrer todos aqueles preciosos cantinhos. Grrrrrrrrrrrrr, aqui posso dizer que me lamentei e muito ter feito um erro enorme de juízo. Mas bem que o meu amigo Tor me avisou que era muito pouco tempo. Só que os dados já estavam lançados e não podia naquela altura estar a recalendarizar, sob pena de comprometer a passagem por outros locais, bem com a data de regresso.
Já estou mesmo a ver que vou ter que lá voltar. Ora bem, a tal ponte Storseisundet e Lofoten em pormenor, se vier do tal TET Finlândia, depois seguir por Hamningberg e Kirkenes e no regresso fizer parcialmente o TET Suécia, até que dá para visitar e percorrer aqueles dois locais e ainda mais algumas estradas cénicas. Huuuuum João Araújo, estarei a delirar ou a pô-lo já com a cabeça à roda? Vamos andando e vamos vendo… com tempo tudo é possível.
Chegado mesmo a Nordkapp, naquele dia em que fui mesmo até à esfera armilar e não como no anterior que me fiquei pela bilheteira, saboreando o momento, registando o mesmo em vídeo e fotografia, liguei o GPS e carreguei no botão mágico CASA. Bolas que aí é que percebi que estava mesmo muito longe. Ao fim de alguns minutos de cálculo, onde abri a possibilidade de calcular com auto-estradas, o resultado foram 5323 km. Xiiiiiiiiiiii, tanto km.
O regresso levou 5 dias
- Nordkapp a Luleå 907 km
- Luleå a Estocolmo 919 km
- Estocolmo a Bremen 1270 km
- Bremen a Vichy 1180 km
- Vichy a Casa 1521 km
- Total de 5797 km
Acabei por percorrer mais cerca de 480 km porque tive que desviar na Alemanha em direcção a Frankfurt e entrar em França por Nancy, evitando desta forma o mau tempo que se fazia sentir para os lados da Bélgica. Obrigado pelo aviso Patrícia, Romano e Pedro que me telefonaram preocupados pois sabiam que era esse o caminho que percorreria nesse dia de regresso. De facto, se não fosse o primeiro telefonema da minha esposa, ainda no dia anterior, muito provavelmente iria apanhar um trânsito e temporal infernais.
Por último não seria justo se não relembrasse o Tor e o Tommi, por motivos distintos, mas ambos deram-me apoio nesta minha viagem até ao extremo norte da Europa.