Nos finais dos anos setenta, dois jovens destacaram-se num mundo das corridas de aceleração em linha, vulgo ‘drag racing’, que congregava gente de todo o lado para o sol da Califórnia. Se Terry Vance queria sempre andar mais depressa, Byron Hines sabia o que tinha de fazer para realizar o desejo do seu companheiro de competição.
O sucesso foi tal que não demorou muito a atrair a atenção de outras equipas, pilotos e até de algumas marcas, que se traduziram na produção dos mais variados componentes e prestação de serviços de desenvolvimento e preparação.
Desde a sua fundação, em 1979, a Vance & Hines manteve a filosofia de desenvolver as soluções para que qualquer moto ande mais rápido em pista, e com esses ensinamentos conceber produtos que possam dar uma ajuda a qualquer piloto, em qualquer parte do mundo.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Vance & Hines, NHRA, arquivo MotoX.pt
Esta ligação à competição foi tal que a casa de Santa Fe Springs, uma localidade situada a sudeste de Los Angeles, junto à autoestrada que liga a mega-urbe a Santa Ana (os amantes do supercrosse sabem que Anaheim não fica distante), chegou mesmo a chamar para si os programas desportivos de marcas como a Yamaha, Suzuki, Ducati e Harley-Davidson em modalidades tão distintas como a velocidade, ‘dragster’ ou ‘flat track’.
Já em Portugal, o meu amigo Nuno Leitão trouxe dos EUA muitos dos ensinamentos que aprendeu com a Vance & Hines e DynoJet para preparar, na Moto Motor, em Vila Fria, no concelho de Oeiras, algumas das melhores motos do Nacional de Velocidade e da ‘Extreme’ Espanhola, como as Yamaha YZF-R6 e YZF-R1 utilizadas por Nuno Oliveira e o catalão Josep Sardá.
400 cavalos no fundo das costas!
Com o centro de desenvolvimento situado em Browsnburg, nas imediações de Indianápolis, a capital do estado norte-americano de Indiana, a Vance & Hines celebrizou-se pelos motores que tem vindo a conceber e construir para a ‘drag racing’, algo que sempre fez parte do seu código genético.
Uma das suas realizações mais espetaculares é o quatro cilindros em linha VIL18504V, cuja base remonta ainda aos blocos prediletos dos ‘dragsters’: os robustos motores das GS dos anos ’80, com as cabeças de duas enormes válvulas por cilindro. Só que neste caso, a V&H optou por cabeças de 16 válvulas, trabalhadas em blocos de liga leve por máquinas de controlo numérico, após terem sido desenhadas num programa de CAD (‘Solid Works’) pelo hexacampeão de ‘Pro Stock Moto’, Andrew Hines. O bloco de liga leve de 45 kg dá lugar a uma cabeça de 10 kg que substitui a unidade de oito válvulas introduzida em 1998, mantendo contudo os 1.850 cc de capacidade.
Ao optar por quatro válvulas por cilindro, a área de passagem dos gases é incrementada, o que permite ao motor ‘respirar’ melhor. Além disso, as peças móveis são todas mais ligeiras, para o que também contribui o acionamento das válvulas como é norma das principais desportivas da atualidade (por balanceiros flutuantes – ‘finger followers’ – em lugar das tradicionais ’touches’ com pastilha calibrada), com menos inércia, o que possibilita atingir regimes mais elevados sem colocar em risco o motor. E como as condutas de admissão e escape são modulares, isso permite a adaptação a diferentes caixas de ar e sistemas de escape sem necessidade de alterar a cabeça do motor, o que autoriza a utilização deste motor não só na classe ‘Pro Stock’ da NHRA (o acrónimo de ‘National Hot Rod Association’) como também nas de ‘Pro Mod’ e ‘Pro Street’.
Com a potência a máxima rondar os 400 cavalos, estas motos percorrem o quarto de milha (cerca de 402 metros) em menos de sete segundos, acelerando acima dos 310 quilómetros por hora nessa distância tão curta! Tudo isto com gasolina que permite usar um pouco mais de compressão que a de um normal posto de abastecimento, ao contrário do nitrometano utilizado nos ‘top fuel’ ou ‘funny car’ das classes automóveis, cujos motores de mais de oito litros de capacidade debitam 11.000 cavalos! Isso permite-lhes cobrir o quarto de milha em cerca de 3,7 segundos e atingir 530 km/h. Sim, leram bem! O mundo das corridas de aceleração é pura insanidade.
Por outras palavras, as cabeças multiválvulas permitiram, de imediato, superar o ‘standard’ de quase 40 anos onde as duas enormes válvulas por cilindro dominavam. Um longo caminho percorrido desde a década de oitenta, onde era difícil conseguir mais de 245 cavalos sem que o motor partisse, como confidenciava há bem pouco Jack Valentine, antigo piloto britânico de ‘drag racing’ e responsável pela participação da Triumph no campeonato britânico de Supersport, com o saudoso Craig Jones e as nada competitivas Daytona 600, para além de ter passado pela direção de várias equipas, como a atual campeã do mundo de Superbike, a Crescent.
VH160VT, o mais recente da criação V&H
Designado internamente por VH160VT, é o mais recente resultado da rapaziada (e raparigada) de Brownsburg. Trata-se de um bicilindrico em V com um ângulo de 60 graus entre os cilindros, com as válvulas acionadas por hastes e balanceiros, mas que ainda assim lhe permite girar acima das 10.000 rotações por minuto. Com 2.621cc de capacidade, este motor destina-se às equipas e pilotos da NHRA que alinham na categoria ‘Pro Stock Motorcycle’ com motos cujo aspeto é baseado na EBR (Buell) 1190RX.
Matt Smith é o campeão em título desta classe com a EBR / Buell da Denso/Stockseth Racing e bateu precisamente Angelle Sampey na Hayabusa da Vance & Hines, que passou a utilizar o motor de 16 válvulas a partir da prova de Gainesville. Dos outros elementos da equipa de Santa Fe Springs, Eddie Krawiec foi quarto e Andrew Hines terminou o campeonato em nono.
Pilotos e equipas do campeonato podem optar por comprar o motor completo ou como um ‘builder’s kit’, que lhes permita utilizar os seus próprios excêntricos e admissões de acordo com a preferência de cada equipa ou piloto.
Se tiverem oportunidade de ver a dimensão de um êmbolo deste motor, ou de uma das suas duas válvulas, preparem-se para que o vosso queixo bata no chão. Sabendo que cada cilindro tem mais de 1.300 cc de capacidade (basicamente toda cilindrada de uma Suzuki Hayabusa num só cilindro!), o êmbolo mais parece um prato de refeição e a válvula de admissão é do tamanho de um pires, ao medir válvula de admissão sete centímetros de diâmetro. É inconcebível que este bicilindrico atinja 10.000 rpm!
Na verdade, o diâmetro característico de um cilindro de um ‘V-twin’ da NHRA situa-se nos 130 mm e o curso nos 98,5 mm. Isso significa que às 10.000 rpm o êmbolo atinge uma velocidade linear de 32.8 m/s, bem acima do valores críticos de resistência, na casa dos 25 m/s, mesmo sabendo que um ‘run’ dura apenas sete segundos. Numas contas rápidas, a este regime o enorme êmbolo seria capaz de ‘percorrer’ 1.970 metros num minuto.
A gasolina utilizada é de 118 octanas e aditivada com chumbo, no caso a Sunoco SR-18, a permitir uma relação de compressão de 14.5:1. O nitrometano fica reservado para algumas das classes dos automóveis.
O regime máximo deste bicilindricos situa-se nas 10.400 rpm (14.000 rpm no casos dos Suzuki quatro em linha) e a potência é de 400 cavalos às 9.800 rpm, para um binário máximo de 325 Nm às 7.000 rpm, suficiente para rebocar um navio! Notem que a Triumph Rocket 3, com um três cilindros em linha de 2.458 cc de capacidade entrega 221 Nm no regime de 4.000 rpm.
Com a massiva utilização de peças em liga leve maquinadas em tornos de controle numérico, o peso completo de um motor, a seco, situa-se nos 99 kg, enquanto o dos quatro cilindros baixa para 84 kg, incluindo a transmissão.
De uma coisa vos asseguro: quando assistirem a uma prova de ‘drag racing’ ao vivo, a vossa vida nunca mais vai ser a mesma.