Triumph Trident 660. Convite para um Baile Real

  • Texto: Paulo Ribeiro
  • Fotos: Delfina Brochado

A História é composta por nomes e números, acordos e desavenças, avanços e recuos. Por vencedores e vencidos, ricos e explorados, dominadores e dominados. Sempre foi assim e sempre assim será!

O Império Britânico, o maior de todos, com um poder que, no auge, se estendeu por, praticamente, um quarto do planeta, com colónias, domínios, protetorados e outros territórios diretamente governados ou administrados pelo Reino Unido, mandou no Mundo durante mais de um século. E parece querer continuar a ter uma palavra a dizer…

Gerou, pois, uma realeza poderosa, dominante, naquela que foi a principal potência mundial, atravessando quatro séculos (1583-1997) mas cujos efeitos duram até aos dias de hoje. Curiosamente, sendo uma das 40 monarquias do Mundo é, também, a mais antiga democracia, mostrando que, afinal, valores aparentemente tão distintos podem ser conjugados. Como em tudo na vida, desde que haja peso, conta e medida… Foi também o berço da Revolução Industrial, em meados do século XIX, exatamente na mesma altura em que anexava a Índia, passo importante num processo colonial extremamente amplo e naturalmente conturbado.

Tempos efervescentes em que a crescente necessidade de mobilidade colocou um novo negócio a andar sobre rodas: as bicicletas. Ainda antes do século virar a página, dois alemães, Siegfried Bettmann e Mauritz J. Schulte, fundavam a Triumph Cycle Company, a mesma que, depois de ganhar dinheiro a importar e fabricar bicicletas, começou nos primeiros anos do Séc. XX a motorizar os quadros ainda básicos, com motores da belga Minerva. Logo a seguir criou o seu primeiro motor e iniciou uma história de sucesso que nem duas Guerras Mundiais, nem as várias aquisições mais ou menos agressivas por parte da British Leyland, primeiro, e da BSA, já na década de 1950, ou o conturbado processo sindical em finais de 1970, conseguiriam abalar.

E o que tem isto a ver com a Triumph Trident 660?

Mas, um pouco à imagem daquele que é, de seu nome completo, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, também a Triumph adotou uma atitude perfeitamente democrática inspirada nos valores da Monarquia Constitucional. Ou seja, não abdicando dos nobres princípios dos tricilíndricos alargou a gama, sem complexos, a outros patamares. Democratizou sem desonrar a linhagem ou banalizar um produto merecedor do lacre do antigo império britânico. Ou não fosse resultado de uma parceria com a indiana Bajaj, esse colosso industrial que faturou mais de 52 milhões de euros em 2020.

Disponível nas combinações cinza prata/vermelho (Silver Ice/Diablo Red) e preto/cinza prata (Matt Jet Black/Matt Silver Ice), a Triumph Trident 660 oferece ainda opções mais discretas com base em branco (Crystal White) ou preto (Sapphire Black). Escolha a que mais lhe agrada movendo o cursor sobre as imagens… Quanto ao preço, uma agradável surpresa: 7995 €!

Democratização que, no caso da roadster Triumph Trident 660, surge carregada de mais-valias, assumindo-se claramente como chave de entrada na Casa Real, adaptando a nobreza de linhagem ímpar às exigências do mundo moderno. E, assim, saindo sem pruridos da segurança do altaneiro castelo para enfrentar, na rua, as mais variadas ameaças, surgidas de vários reinos. Do Império do Sol Nascente (Honda CB650 R, Kawasaki Z650, Yamaha MT-07 ou Suzuki SV650) ao Reino de Itália (Ducati Monster 797, Benelli BN600, Moto Guzzi V7 ou, num registo mais agressivo, a MV Agusta Brutale 800); do Império Germânico (KTM 690 Duke) aos povos nórdicos (Husqvarna 701 Svartpilen/Vitpilen) passando pela mais populosa nação do Mundo (CFMOTO 650 NK) até às ameaças internas ao trono (Royal Enfield Continental e Interceptor 650 ou mesmo a Brixton Crossfire 500). Cada uma esgrimindo os seus argumentos, trunfos de potência ou economia, força ou rapidez, de tamanho ou imagem face ao ‘royal baby’, anunciado ao Mundo a 25 de agosto de 2020, no London Design Museum, completamente pintada de branco à exceção do motor. Depois de 4 anos de gestação e uma estreita cooperação indo-britânica, os jornalistas puderam ver de perto sua alteza real no final de outubro, antes do arranque de uma distribuição atrasada pelas questões logísticas levantadas pela situação pandémica a nível mundial. Um peso-médio de linhas minimalistas, mas de inconfundível familiaridade.

No ADN estão presentes traços de realeza que, olhando para a árvore genealógica remetem para a sua tia-avó Trident T150 (3 em linha 741 cc e 58 cavalos) nascida em 1968, com nome e filosofia seguida pelas tias mais novas (Trident 750/900), recebidas com pompa e circunstância no início da última década do século passado. Características hereditárias que assentam, de forma quase exclusiva no nome e na configuração do motor, coração bondoso, de grande serenidade. Bloco de três cilindros em linha, com 660 cc (com cotas internas de 74,0 mm x 51,1 mm e uma taxa de compressão de 11,95:1), capaz de aguentar emoções fortes (81 cv/10 250 rpm e 64 Nm/6250 rpm), com subidas de ritmo dignas se não de um campeão olímpico pelo menos de um atleta amador com muito boa preparação. O binário é entregue desde muito cedo na rotação, garantindo um comportamento aveludado mas sempre forte e reativo. Fomos à procura da resposta técnica e descobrimo-la num gráfico revelador de uma curva que é perfeitamente… linear, com 90% do binário entregue logo às 3600 rpm.

Claro que a boa presença desportiva nota-se desde o primeiro momento, graças a um corpo esguio, bem torneado, de toque clássico, sem exibir os músculos de forma intimidatória, antes com curvas quase provocantes, deixando adivinhar comportamento apimentado sempre que a deixarem sair da linha. Realeza moderna, esta que, sem nunca esconder a origem, revela um ecletismo perfeitamente adaptado aos tempos que correm, comportando-se com elegância quando as condições assim o exigem, mas, ao mesmo tempo, capaz de uma irreverência estonteante. Mas sempre com um toque de chá, mostrando uma educação ímpar, uma simplicidade que quase nos deixa sem jeito no trânsito da capital do império como nas estradas secundárias dos domínios rurais. Claro que, habituada aos mais finos tapetes, estranha um pouco quando o piso não está tão bem tratado… mas já lá vamos.

Herdeira do Rei Ricardo, Coração de Leão

Primeiro, falar do motor, verdadeiro coração de leão em mais uma herança do antepassado Ricardo I, que liderou os destinos de Inglaterra durante uma década, mesmo no final do Séc. XII, acumulando cargos enquanto Duque da Normandia, Aquitânia e Gasconha, Senhor do Chipre, Conde de Anjou, Maine e Nantes e Suserano da Bretanha. A valentia que lhe valeu cognome de Coração de Leão pode ser agora encontrada num bloco profundamente renovado, com 67 novos componentes na evolução do brutal tricilíndrico da Street Triple S. Diferenças, muitas, que começam nos próprios cárteres e continuam na cambota, novos pistões com diâmetro mais pequeno e curso mais longo, árvores de cames redesenhadas tal como o sistema de admissão de ar e o de escape, novos corpos de injeção, e que se prolongam até à caixa de velocidades.

Claro que o facto de pertencer à realeza e ter antepassados de nobre reconhecimento não descarta obrigações legais dos tempos modernos e, por isso, há que respeitar o Euro5 à imagem, afinal, de toda a plebe. O que, convenhamos, não é mau e pode mesmo ser um ponto extremamente positivo. As limitações impostas obrigam os engenheiros a matar a cabeça – também são pagos para isso 😀 – na busca das melhores soluções em termos de eficiência e, não raras vezes, acabam por conseguir consumir menos gasolina e emitir menos poluentes, sem perder em potência, binário e, sobretudo, capacidade de resposta.

Nesse campo, nada a apontar à Trident 660, de alma sempre cheia, capaz de rodar em 6.ª velocidade a uns míseros 35/40 km/h e, acelerando, responder de forma decidida até aos cento e dez, cento e vinte e, com jeitinho e um pescoço forte, até aos cento e… cem. Sempre com bom controlo do acelerador depois da sensação algo vaga vivenciada num momento inicial, não reagindo de imediato à rotação do punho direito, antes dando tempo a que um candidato menos experiente se prepare para um arranque que pode surpreender. O mesmo sucede em acelerações e recuperações onde podem surgir paradoxos de facilidade e sensações fortes, simplicidade e elevado prazer, mostrando uma caixa de velocidades bem escalonada mas com um toque de desportiva aspereza metálica, sobretudo nas três primeiras relações, que traz à memória o parentesco com o bloco que equipa todas as Moto2.

Um simples rodar de punho permite ir da tranquila serenidade de um passeio entre domínios rurais à excitação máxima numa recortada estrada montanhosa. E até ajuda a esquecer uma embraiagem (acionada por cabo) que, sendo assistida e deslizante continua a revelar uma dureza acima do que seria expetável, sobretudo para quem se inicia nestas andanças. Tanto mais que, com kit específico (novo punho de acelerador e pequenas mudanças na eletrónica) transforma-se em moto acessível à carta A2.

Com o sistema de passagens rápidas entre relações (‘quick-shifter’) na lista de opcionais, vale-nos o facto de ser uma unidade com perfil deslizante, autorizando reduções mais abruptas sem perder o controlo ou o contacto da roda traseira com o asfalto. O que é bom para o menino (mais atrevido) como para a menina (menos experiente)…

Diversão facilitada com uma boa música

Conjugando valores de diversão e facilidade, a Triumph Trident 660 destaca-se ainda por uma sonoridade serena em baixas rotações, para não beliscar a atitude contemplativa permitida quando se rola devagar, mas que, à imagem do que sucede em muitos modelos após a entrada em vigor do Euro 5, mostra um tom bem mais agressiva a partir das 5500 rpm. O fofo e delicado ronronar de gatinho pode transformar-se em poderoso rugido do rei da selva. E lá voltamos nós à questão da realeza…

Com intervenções mecânicas programadas a intervalos de 16 000 km, o motor DOHC de 12 válvulas oferece garantias de enorme economia, com custos de manutenção são, segundo a Triumph, inferiores em 25% face à concorrência mais direta

Mas se o motor é verdadeira joia da coroa da jovem princesa, não menos verdade é que o novo quadro perimétrico, em tubos de aço, favorece, além de um corpinho elegante, um comportamento praticamente irrepreensível… em bom piso. É que, saindo do bom e tradicional soalho atapetado com os mais belos exemplares oriundos da Pérsia ou dos salões com o melhor dos mármores Carrara, a suspensão dianteira (uma bela Showa invertida, de 41 mm de diâmetro, com funções separadas em cada uma das jarras) revela um comportamento pouco ortodoxo na parte inicial. Saltitona e incapaz de aveludar as irregularidades do asfalto nos primeiros dos 120 milímetros de curso, transmitindo algumas vibrações que, sem nunca desaparecerem por completo, deixam de ser tão notórias à medida que o ritmo aumenta. E aí, com a companhia, na traseira, do Showa RSU ajustável em pré-carga (133,5 mm de curso), vem ao de cima a eficácia que permite acompanhar outras princesas ao ritmo das polcas ou valsas austríacas, do ‘para para’ nipónico, ou da tarantela italiana, tirando partido da enorme agilidade (é mesmo ENORME) ajudada pela curta distância entre eixos (1401 mm) .

Aqui chegados, quando o entusiasmo parece alastrar pelo palácio de forma desmesurada, pode ser necessário colocar um travão para a coisa não descambar. E aí ressalta uma aparente preocupação maior com a potência do que com o tato e, depois de uma certa timidez na parte inicial, onde os dois pistões da pinça Nissin parecem ter receio de morder os discos de 310 mm, responde à maior pressão na manete direita apertando as maxilas com toda a força e morde como se não houvesse amanhã. Lá está, algo que favorece quem procura a facilidade e sossego sem, no entanto, ser problema verdadeiro para os mais experientes que, em poucos quilómetros, ficarão habituados a esta forma de ser. Uma quase ausência nos primeiros momentos que voltamos a encontrar no acelerador ‘ride by wire’, feito à medida de potenciais utilizadores menos experientes e, quiçá, receosos de emoções mais fortes.

Para esses, tenham calma, está lá a eletrónica necessária e… nada mais que possa baralhar ou confundir quem quer, apenas, desfrutar do prazer de andar de moto em grande segurança. São apenas dois os mapas, Road e Rain, perfeitamente suficientes tanto mais que existe a possibilidade de ajustar as funções de acelerador/entrega de potência, nível de intervenção do ABS e do controlo de tração em cada uma delas. Sendo certo, desde logo, que o TCS é bastante intrusivo, pode mesmo ser aborrecido quando se quer por a menina a escorregar, tirando máximo partido dos Michelin Road 5 de duplo composto

Disco traseiro de 255 mm de diâmetro com pinça Nissin de pistão simples tem suavidade agradável para um ‘aconchego’ em curva

Mas, quando se quer espremer toda a potência do tricilíndrico da nobre casa de Hinckley, o melhor mesmo, lá está, é aproveitar a possibilidade oferecida de desligar entre controlo. E aí, com os pneus bem quentes e boa dose de experiência, sair em força das curvas para sentir o aligeirar do trem dianteiro ao mesmo tempo que a traseira parece querer utilizar todo o asfalto da estrada. Diversão pura e extremamente acessível que é surpreendente face ao ar de enorme serenidade, quase tímido, da pequena princesa.

Realeza com tiques de economia

Eletrónica controlada a partir de um mostrador redondo, compacto e de ar moderno, juntando velocímetro LCD em negativo (caracteres brancos sobre fundo negro) ao pequeno ecrã em TFT a cores, de muito boa legibilidade apesar do tamanho, a fazer lembrar um relógio multifunções, um daqueles smartwatch que até servem para ler as mensagens de texto e usar outras App’s. E na verdade é isso mesmo, mas também quem daria ao mais jovem membro da família, mesmo sendo da realeza, um IWC Schaffhausen Portuguesa Calendário Perpétuo ou um Breguet Marine Chronographe já para não falar num Roger Dubuis Excalibur Quatuor. Cujo valor daria para comprar mais de 60 (!!!) Trident 660…

Assim, além das múltiplas possibilidades de ajuste do ecrã e das mudanças ao nível da intervenção eletrónica, do controlo das deslocações (total e dois parciais) ou dos consumos (médio e instantâneo), das horas ou da velocidade engrenada, é possível exponenciar o valor deste painel. A instalação opcional de sistema de conetividade por Bluetooth permite, através da App MyTriumph (para Android e iOS), fazer ligação ao smartphone, para fazer/receber chamadas, navegação ou ouvir música, e mesmo conectar a uma câmara Go Pro, controlando todos os parâmetros dos gadgets através dos botões junto ao punho esquerdo. Simples não? Não sei, ficou por experimentar…

Experimentada e bem foi a iluminação integral em LED, bem suficiente, de nível excelente em máximos, enquanto os médios projetam um boa faixa de luz mas concentrada numa área horizontal, com significativamente menor capacidade de iluminação acima ou abaixo desse traço. Quanto aos piscas, de elegante discrição, cumprem a função com galhardia, isto é, garantindo visibilidade aos outros utilizadores da estrada e com a vantagem de possuírem sistema de auto cancelamento, desligando-se sozinhos ao fim de uns metros.

Sua Excelência, a poupadinha


Nova sequela do grande êxito ‘O Império (Britânico…) contra-ataca’, filme em exibição desde que o multimilionário John Bloor recuperou a famosa joalheria em 1983, apostando no conceito tricilíndrico como estrela maior de um elenco famoso que despertou enormes atenções. E cujo sucesso de bilheteira levou muitas marcas nipónicas e italianas a trabalhar numa configuração que é reconhecida como o melhor de dois mundos, entre a resposta desenvolta de um bicilíndrico, sobretudo em baixas e médias rotações, e a linearidade e capacidade de alongamento de um quatro-em-linha. E com consumos bastante comedidos (na casa dos 5 L/100 km sem grande esforço) que permite passeatas bem para lá dos 250 km com os 14 litros que pode levar o depósito de linhas arredondadas, algo que o conforto do banco (a 805 mm do solo) e, sobretudo, uma ergonomia bastante bem conseguida ajudam imenso. E aquelas borrachas no depósito, além de um toque de classe, oferecem uma boa proteção aos joelhos.

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