- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Pedro Trindade
É grande! Enorme mesmo! Quase grotesca quando vislumbrada à distância, mas, à medida que nos aproximamos da Triumph Rocket 3 R, a moto com o maior motor de série do Mundo vai-se transformando, de forma quase camaleónica. Todas as linhas fazem sentido numa máquina onde a função se sobrepõe à forma mesmo se todas as dimensões, grandes, remetem para a brutalidade mecânica. Exponenciação técnica que faz lembrar os ‘muscle cars’ americanos.
Mal-entendida aquando do lançamento, em finais de 2003, nem a evolução de monta apresentada em 2013 a ajudou a conquistar o espaço merecido em termos comerciais, mantendo-se quase só como destinada apenas a uns quantos conhecedores. Agora surge em versão mais acessível, mais fácil em todos os aspetos, mas não menos potente ou emotiva. Pelo contrário!… Uma evolução que valeu, inclusive, uma subtil mudança de denominação: de Rocket III para Rocket 3. Mas será que esta evolução vai exponenciar o aumento de vendas deste modelo de enorme exclusividade?
Comecemos pelo final. Que, para muitos, talvez a maioria dos potenciais clientes, será fator determinante na aquisição de moto que é uma obra de arte. Plena de pormenores extremamente cuidados, a excelência da Rocket vai bem para lá dos atributos técnicos de eleição, do quadro em alumínio mais leve ao motor aligeirado ou à completa dotação eletrónica. São os detalhes que marcam a diferença desde as imaculadas costuras do banco, cuja produção MotoX acompanhou na espanhola Shad, ao alumínio escovado na tampa do depósito de gasolina mas também nas tampas do radiador e do depósito de óleo, ou ainda na cinta longitudinal que prende o mesmo.
E se há quem diga que ‘o Diabo está nos detalhes’ como forma de desvalorizar algo, elencando defeitos nas minudências, a verdade é que aqui a satânica figura tem, pelo contrário, outra função. A minúcia patente nos poisa-pés escamoteáveis que se confundem no sub quadro traseiro, o polimento dado às peças que protegem as três vistosas saídas de escape, fabricadas por processo de hidroformação (ou hidromoldagem) ou a simples ausência de cabos elétricos no guiador são realmente pontos que reforçam uma tentação do demo.
Mas há mais e, numa moto onde a dimensão é nota digna de registo, não faltou espaço para colocar mais particularidades dignas de referência. Uns de dimensão mais pequena, como o simbólico T da casa britânica colocado bem no centro da assinatura luminosa dos faróis dianteiros em LED e DRL, outros de tamanho portentoso, como as rodas de 20 raios com destaque para os centros da jante. Se calhar nem vale a pena referir o tamanho dos pneus Avon Cobra Chrome… Pronto, vá lá, 240/50 na roda traseira de 16 polegadas e 150/80 em jante de 17” à frente, medida vulgar na traseira de muitas motos de média/alta cilindrada.
Elegância de relógio analógico com funcionalidades de ‘smart watch’
Já que por aqui andamos, analisando ao milímetro a nova Rocket 3, aproveitemos para falar do painel de instrumentos em TFT. Pouco maior que alguns relógios existentes no mercado, assemelha-se a um desses moderníssimos ‘smart watches’ a que só falta falar. A elegante forma e dimensão não limita as inúmeras funcionalidades disponibilizadas, com uma leitura excelente quando parado, na única hora em que se deve mexer nos menus. E sempre apoiado por um prático ‘joystick’ à distância do polegar direito que permite passear por todas as funções, escolhendo a que mais agradar com um simples clique.
Além de que é possível escolher o estilo do fundo do ecrã, o tipo de iluminação ou até a possibilidade de ocultar parte das informações em andamento, simplificando a imagem do mostrador e evitando desatenções desnecessárias. Tanto mais que, como as informações alfanuméricas são de tamanho reduzido, o melhor mesmo é concentrar naquilo que interessa como o modo de motor utilizado, a velocidade engrenada ou a velocidade a que se circula. Porque este é mesmo um item a controlar!!!
Sentemo-nos na boa poltrona que nos é oferecida e relaxemos. A reduzida altura do banco ao solo (773 mm) permite um fácil apoio dos pés a todos os condutores, fator de grande importância na hora de parar ou movimentar os musculados mais de 300 kg em ordem de marcha (291 kg a seco) e a posição é razoavelmente confortável. O tronco ligeiramente atirado para a frente favorece o controlo na hora de rodar o punho direito, ajudando a encaixar as mais violentas descargas de potência que esta moto proporciona. E os braços bem abertos, que fazem penar quando multiplicamos por 2 a velocidade máxima permitida nas autoestradas lusitanas, contribuem para a facilidade de condução nas mais serenas baladas por estradas secundárias.
Como um lutador carregado de jóias
Sentados continuamos a apreciar o panorama que nos é oferecido pela maior das Triumph, olhando para a cinta de aço escovado que atravessa todo o generoso depósito de 18 litros (antes 24 L), em conjugação perfeita com o engenhoso tampão, passando os olhos pelo painel antes de, ali bem perto, descobrirmos uma tomada de isqueiro. Discreta mas muito prática para alimentar um GPS ou outro gadget instalado no guiador, enquanto o smartphone pode ser recarregado no espaço, fechado, existente por baixo do banco e dotado de tomada USB. Todos os pormenores são de extremo cuidado, como os parafusos sextavados de cabeça redonda ou os depósitos de fluido do travão dianteiro ou da embraiagem hidráulica…
Aqui chegados torna difícil resistir. Há que despertar o monstro e… seja o que Deus quiser. Sem preocupações com a chave, bem guardada no bolso, graças ao sistema ‘keyless’, basta premir duas vezes o botão de ‘start’, à esquerda. A primeira para acordar a eletrónica, sendo visível o ‘check-up’ da eletrónica no painel; a segunda para colocar os três enormes pistões de 11 centímetros de diâmetro (!!!) em funcionamento. A sensação é imediata e transmite uma virilidade que faz qualquer desportiva parecer brincadeira de meninos. Ao ralenti quase consegue identificar-se a detonação em cada um dos cilindros e, quando se acelera em parado, há um abanar natural face à enorme deslocação de massas dentro do bloco. Muito mais leve que o anterior, mas, ainda assim, bem pesado.
Surpreendente facilidade desde o primeiro momento
Aperta-se a embraiagem hidráulica e assistida, garantindo uma grande facilidade na utilização da caixa de velocidades, e engata-se a primeira relação, com um timbre metálico que há de acompanhar todas as mudanças de caixa. Momento que pode aumentar a sensação quase intimidatória para os menos habituados, desaparecendo de imediato quando se larga a manete esquerda. Com inusitada suavidade, fácil como uma pequena 125 cc, o arranque revela um caráter amigável, que – não fossem as dimensões e o calor atirado para as pernas do condutor (sobretudo a direita) – seria perfeito para utilização urbana. Mas não se deixem enganar!
Uma facilidade que ajuda a esquecer um peso que, apesar de muito diminuído face aos enormes 361 kg a seco da primeira Rocket III e com menos 40 kg do que a anterior versão, continua a ser de respeito. Afinal sempre são 291 kg (sem gasolina, óleos e fluídos), bem notórios na hora de fazer pequenas manobras de estacionamento, mas que, uma vez em andamento, desaparecem quase por completo. A cura de emagrecimento foi geral, tocando todas as partes da britânica agora rendida aos mais recentes materiais como o alumínio, magnésio e outras ligas que garantem menos peso com mais resistência. E isso vê-se (ou melhor, sente-se) na utilização.
Em estrada curvilínea, a Rocket comporta-se como exímia bailarina no mais exigente dos palcos, ora balançando suavemente em elegante valsa, ora capaz de assumir as despesas num agitado e imprevisível reggaeton. Tão à vontade num foxtrot como num qualquer movimento de break dance.
E não é o quadro em alumínio, (em vez do anterior em tubos de aço) com o motor como elemento estrutural, o único responsável pela compostura sempre presente. É importante, sem dúvida, mas também o amortecimento joga aqui um papel fundamental. Reguláveis e devidamente dimensionadas, as suspensões cumprem na perfeição o papel que lhes compete, ajudando a colocar no chão toda a potência de forma verdadeiramente eficaz e esfusiante. A forqueta invertida Showa de 47 mm de diâmetro oferece uma boa leitura e encaixa com facilidade as mudanças de direção, desde que não se abuse na suavidade. E isto é válido também para a traseira. Quer-se durinha esta Rocket porque só assim se consegue tirar o máximo partido do motorzão… Mas já lá vamos.
Claro que estas exigências de eficácia pagam-se perante um buraco maior ou um ressalto na estrada onde os mais de 300 quilos em ordem de marcha se fazem sentir. Vá lá que o banco, muito confortável, filtra a pancada para o condutor, o mesmo não se podendo dizer do/a pendura. Também é verdade que esta é uma moto algo egoísta (sobretudo nesta versão R) e, não menos verdade, ninguém vai andar a queimar borracha, saindo em slide de todas as curvas, com a namorada à pendura. A menos que queira acabar ali mesmo com a relação amorosa, deixando-a para trás ou, na melhor das hipóteses, sendo vilipendiado assim que parar.
Travagem de superdesportiva
E parar, sublinhe-se, é algo que esta Rocket 3 faz muito bem, por força de um conjunto de travagem dianteiro surpreendentemente eficaz para tamanha tonelagem. Oferece agradável suavidade e um tato muito bom, permitindo controlar a desaceleração de forma milimétrica, reduzindo a velocidade apenas o necessário e não mais do que isso. Claro que, se assim for exigido, a capacidade de travagem proporcionada pelos dois discos dianteiros de 320 mm e pinças radiais monobloco da Brembo (M4.30) é simplesmente… wow! Ao nível das melhores desportivas!
Não sei quantos G’s de desaceleração o corpo teve de aguentar sempre que travei realmente a sério, mas a verdade é que foi um bom exercício de musculação. Exercício que até pode ser treinado em curva graças ao Cornering ABS que, numa máquina com estas dimensões, é de utilidade incontestada. Saliência ainda para o disco traseiro de 300 mm com pinça Brembo (M4.32 de 4 pistões) que, segundo o catálogo da marca, tem ação combinada com o dianteiro algo que, na prática, nunca notei.
Claro que, sempre que falamos em dimensões, convém realçar que, apesar de grande (1677 mm entre eixos), pesada (291 kg a seco) e com um ângulo da coluna de direção de 27,9º, a agilidade acaba por revelar-se surpreendente. O peso está bem distribuído, essencialmente concentrado a meia distância entre as rodas na zona do conjunto motor/depósito/condutor, e o centro de gravidade muito baixo contribuindo para uma bem conseguida dinâmica. Dimensões que ditaram alguns miminhos eletrónicos como o bem ajustado controlo de tração, o ABS com função específica para funcionamento de máxima segurança em curva, ou a ajuda ao arranque em subida, evitando que a moto descaia ou patine num arranque inclinado.
Surpresa de tamanho XL
Voltemos um pouco atrás, àquele momento descrito uns parágrafos atrás, quando falava do motor. Cada cilindro tem uma capacidade de 819,3 cc e, juntando os três canecos, a Triumph Rocket 3 R debita qualquer coisa como 167 cavalos a uma rotação tão baixa quanto as 6000 rotações por minuto.
Impressionante? Sim, sobretudo pensando que cresceu 11% face ao modelo anterior. Mas o que é verdadeiramente impressionante é o valor máximo de binário, como impressionante é a forma como o entrega. A curva de força começa a subir desde muito cedo na rotação, atingindo o máximo de 221 Nm às 4000 rpm e por aí ficando, numa linha praticamente plana, durante mais de 2000 rpm, favorecendo (e de que maneira…) as acelerações em regimes intermédios. Simplesmente bombásticas. Daquelas que atiram o corpo do condutor para trás e obrigam a fazer força nos braços e agarrar bem os punhos para aguentar a moto.
Mais ginásio! E prazer, muito prazer, a cada rodar do punho direito em todos os modos, mesmo no insuspeito Rain que amacia o comportamento do motor e reduz a potência a 100 cv. Podemos optar pelo Road, oferecedor de diversão q.b., ou pelo Sport para deixar traços de pneu em cada curva, obrigando a contra brecar para manter a besta alinhada com a estrada. E podemos ainda personalizar todos os parâmetros a gosto (Rider), em função da experiência e da capacidade cardíaca em aguentar enormes descargas de adrenalina.
Mais despachada que muitos carros de milhões!
Sensações fortíssimas, com saída brutal, mais entusiasmante que muitas desportivas e com capacidade de aceleração que a marca de Hinckley diz ser de 2,73 segundos para chegar do zero às 60 milhas por hora (96 km/h). Crono registado na pista espanhola de Cartagena, por um piloto profissional (cujo nome a marca não desvendou) e que é suficiente para deixar para trás bombas como o McLaren P1, o Ferrari 488 Pista ou o Koenigsegg Regera. Ou quase todas as superbike da atualidade!
Note-se que o Bugatti Chiron Super Sport 300+, que era apontado como o carro de série (?) mais rápido do Mundo (490,484 km/h) gasta 2,4 segundos para chegar aos 100 km/h. A diferença é que, ao contrário dos 22 660 € qua custa a Triumph Rocket 3 R, o carro fabricado pelo grupo Volkswagen, com motor W16 de 8 litros e 1600 cv de potência (sim, leram bem, mil e seiscentos cavalos!) custa cerca de 3,5 milhões de euros mais impostos! E só foram produzidas 30 unidades. Esclarecidos?
Ainda por cima, os consumos podem ficar-se por frugais 7,56 L/100 km (medidos na bomba) abaixo dos 7,75 L/100 km apresentados no painel. Claro que também não se torna fácil andar no limite das capacidades do foguete que, sem proteção aerodinâmica, obriga o condutor a mais uma sessão de ginásio de cada vez que arrisca uma multa por excesso de velocidade. O melhor mesmo é apreciar as enormes sensações de aceleração e tirar partido da versão mais adequada para si.