Transição energética: realidade futura ou desejo inalcançável?

A transição energética é algo que aos poucos nos temos vindo a habituar e conviver. Seja por intermédio de um veículo elétrico, pela instalação de um painel fotovoltaico no telhado de casa, pela utilização de uma bomba de calor, ou a simples troca de todas as lâmpadas de incandescência por equivalentes de díodos luminosos (LED).

Os programas governamentais para esta transição têm tanto de monumental como de ambição, em face do esperado consumo energético antecipado para um futuro não muito distante. Mas será a transição equacionada possível de alcançar ou não passará antes de uma simples utopia?

  • Texto e fotos: Fernando Pedrinho

Um trabalho recente apresentado pelo The Manhattan Institute (TMI), liderado por um dos seus pesquisadores séniores, Mark Mills, veio expor a crua realidade e relançar a questão sobre a viabilidade das energias alternativas como fonte exclusiva de energia para as futuras gerações. Segundo o TMI, petróleo, gás natural e carvão contribuem com 84% do fornecimento global de energia, valor confirmado por Hannah Ritchie e Pablo Rosado, na atualização do seu trabalho intitulado “Combustíveis Fósseis”. A Agência Internacional de Energia calculava esse valor, em 2019, em 81%, enquanto a Standard & Poors o calculava em 82%, em 2021.

A distribuição do fornecimento global de energia por fonte, em 1973 (in AIE)
A distribuição do fornecimento global de energia por fonte, em 2019 (in AIE)

Comparando com o que se passava há 20 anos atrás, a diminuição dos combustíveis fósseis como fonte energética da atividade humana reduziu-se uns meros dois pontos percentuais. A AIE mostra mesmo que essa redução não foi além de seis pontos percentuais, se retrocedermos até 1973, altura da grande crise mundial do petróleo.

Falando de petróleo, este é a fonte quase exclusiva de todo o transporte global, já que apenas 3% do setor não é movido por derivados do chamado ouro negro. Thomas Horschig, um investigador sénior da DNV (Det Norske Veritas, fundada em 1984) para a área da transição energética, estima que só em 2022 o setor dos transporte consumiu 62% do petróleo fornecido a nível mundial.

Deste valor, 80% foi para veículos rodoviários, tendo o restante sido repartido entre a aviação e transporte marítimo. Ao contrário do apregoado por muitos, é fácil de entender que a transição energética dos combustíveis fósseis não está a acontecer. Ou melhor, não está a processar-se à velocidade desejada.

Novos investimentos, a nível mundial, em energias renováveis de 2004 a 2022 (in Statista)

Decorridas duas décadas e cerca de cinco triliões de dólares norte-americanos investidos em programas de energias alternativas e percebemos que a agulha do velocímetro da transição verde mal se mexeu. Isto apesar de o investimento ter mais que decuplicado entre os valores verificados em 2004 e 2022, como o demonstra a investigadora Lucía Fernández, da empresa de estatística Statista.

Com tanto dinheiro gasto, era suposto que os resultados demonstrassem tudo estar a correr como planeado. Não sendo assim, o que está a falhar?

A resposta geológica

A resposta é dada pela geologia e pelas formações rochosas que compõem a crosta terrestre. Para se obter a mesma quantidade de energia proporcionada pelos combustíveis fósseis a partir de fontes alternativas como a solar e eólica, a atividade mineira no mundo inteiro teria de aumentar em 1000%. Isto seria o equivalente só para o cobre, por exemplo, a abrir uma nova mina como a de Escondida, no Chile – apenas a maior do mundo – anualmente e nos próximos quinze anos, como dizia Rohitesh Dhawan, o presidente e diretor executivo do ICMM (Conselho Internacional de Minas e Metais), na cimeira estratégica de um importante produtor mundial de equipamentos mineiros, em Estocolmo, no ano passado. E isto apenas para suprir o processo de conversão para a mobilidade elétrica!

Mapeamento de metais e outros elementos com relevância para as tecnologias de carbono reduzido (in Banco Mundial)

Mas 1000% de aumento? Sim, basta olhar para as necessidades físicas de todo o processo de transição. Metais como o cobre, ferro, silício, níquel, crómio, zinco, cobalto ou lítio (que até derruba governos), sem esquecer a grafite ou as inúmeras terras raras como o neodímio, são todos eles necessários para construir motores elétricos, turbinas eólicas, painéis solares, baterias e uma lista imensa de outros produtos industriais necessários para a transição verde.

Todo este material requer uma quantidade inimaginável de energia para ser extraído e processado, que por sua vez requer ainda mais atividade mineira e utilização de combustíveis fósseis.

Procura cumulativa de minerais necessários para a energia eólica ate 2050 (in Banco Mundial)

A conclusão do estudo efetuado pelo Banco Mundial intitulado “Minerais para a Ação Climática: A Intensidade Mineral e a Transição para a Energia Limpa”, da autoria de Kirsten Hunda, Daniele La Porta, Thao P. Fabregas, Tim Laing e John Drexhage , afirma que “estas tecnologias são, de fato, muito mais intensivas sob o ponto de vista de materiais e recursos, do que a atual mistura de fontes de energia”. Tal afirmação não parece mais do que uma subestimação do problema.

Os recursos minerais representam entre 50% e 70% dos custos da produção de painéis solares e baterias. Mas isso não tem sido um problema de maior, até hoje, porque as energias solar e eólica representam apenas uma pequena percentagem das fontes energéticas mundiais. Ou seja, não constituem um ‘player’ mundial no que toca ao fornecimento de energia e dificilmente o serão num futuro próximo.

Mas, apenas como hipótese, imagine-se que se poderia aumentar de forma desmesurada a atividade mineira, por forma a garantir o fornecimento de todos os metais e minerais necessários para a transição verde. Onde se localizariam todas estas minas?

A China e o resto do mundo

A resposta que surge quase de imediato é a China, que é o único país do mundo (e maior fornecedor) capaz de extrair e entregar praticamente todos os materiais críticos para o processo energético.

Quota de mercado por país fornecedor de materias-primas críticas (in Comissão Europeia)

Oliver Noyan, do jornal Euractive, diz mesmo que o ‘Império do Meio’ está 15 anos à frente de qualquer outro país no que toca à extração e processamento destes materiais. Só por si, a China detém 45% deste mercado, de acordo com a União Europeia e o Serviço Geológico Norte-Americano. Mas quererá o mundo ocidental dar ainda mais poder económico e político à China?

Bateria de iões de lítio: panorama dos riscos de fornecimento, constrangimentos e principais atores ao longo da cadeia de forncimento (in “Critical Raw Materials for  Strategic Technologies and Sectors  in the EU A Foresight Study”, Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Europeia).

Os EUA, pelo contrário,  jogam neste domínio um papel pouco importante, já que dependem na totalidade da importação de 17 minerais da lista de materiais críticos para a transição energética.

Matriz de materiais críticos a médio prazo (in Departamente de Energia Norte-Americano)

A Europa também está fora do xadrez mundial, ao depender 45% do gás natural russo, em 2021, antes da Invasão da Ucrânia, como relembra Szymon Kardás, conselheiro político do Conselho Europeu para as relações Exteriores tendo, desde então, encetado uma estratégia de redução dessa dependência. Mas a atividade mineira é muito diminuta e até totalmente proibida nalguns países.

Voltando aos Estados Unido da América, o país possui uma vasta reserva geológica e os pedidos de licenças de novas concessões tem existido, embora esteja em declínio, como mostram Jael Holzman e Hannah Northery no E&E News. É que estes pedidos têm sido constantemente negados, ou simplesmente encontram-se em zonas banidas de qualquer atividade mineira

A concessão de licenças de exploração tem vindo a diminuir ao longo da última década nos EUA (in Bureau of Land Management)

Exploração mineira? Aqui não!

A Administração de Joe Biden indeferiu mais pedidos de abertura de minas que o mandato de Donald Trump, o anterior presidente norte-americano. A mais emblemática, como referiu a agência noticiosa Reuters,  talvez seja a mina subterrânea de cobre e níquel, Twin Metals, que a companhia mineira chilena, Antofagasta Plc, pretendia abrir no norte do estado de Minnesota, num investimento de 1,7 mil milhões de dólares norte-americanos. O projeto seria um dos maiores fornecedores do país destes dois metais tão importantes para a produção de baterias para veículos elétricos e outras tecnologias associadas com as energias limpas.

Numa nota contrastante, os ambientalistas e os políticos de orientação ‘verde’, que espalham aos sete ventos as vantagens da mobilidade elétrica, são amiúde os mesmos que impossibilitam a extração dos metais e recursos necessários para a sua materialização. Na discussão do Comité de Recursos Naturais dos EUA sobre a concessão de Twin Metals, o congressista republicano Tom McClintock foi bastante severo nas críticas aos que promovem a mobilidade elétrica e, simultaneamente, impedem o licenciamento de novas minas. Segundo ele, o programa da mobilidade verde representa “um aumento de 600% de veículos elétricos o que implicaria a abertura de 384 novas minas para a extração de grafite, níquel, lítio e cobalto até 2035”. E a reciclagem, porque onerosa, apenas faria reduzir esta cifra para ‘apenas’ 336 novos projetos mineiros.

Audi e-Tron (in Audi AG)

A Agência Energética Internacional refere que um veículo elétrico requer uma quantidade de minerais seis vezes superior à do seu equivalente com motor de combustão, o que representa, simplesmente, um esforço seis vezes mais elevado por parte da indústria mineira. E como ironizava McClintock na parte final da sua intervenção, dirigindo-se à bancada democrática: “Não podem ver o quão irracional, auto-destrutivas e ridiculamente contraditórias são estas políticas?”.

Necessidades energéticas não vão parar de crescer

Mas tudo isto refere-se apenas às necessidades correntes de energia. Então, o que nos reserva o futuro? É sabido e previsível que essas necessidades venham a ser bem superiores às atuais, como o demonstra a história da civilização.

Evolução do consumo energético nos EUA, separado por fonte energética. O gráfico tem início em 1775 e termina em 2010. O gráfico não inclui energias renováveis que não a produção hidroelétrica (in US Energy Information Administration, Annual Energy Review 2011).
Diversos cenários mas um dndamento muito semelhante das necessidades energéticas esperadas até 2060 (in ResearchGate)

Não só haverá mais população mas também mais inovações. E todos sabemos que os inventores e empresários são melhores a descobrir maneiras de utilizar a energia do que a produzi-la. É lógico afirmar que antes da invenção do automóvel, do avião, da lâmpada, ou do computador, não havia necessidade de energia para os fazer funcionar. 

As necessidades energéticas da humanidade não vão parar de aumentar até 2100 (podendo crescer ainda mais se a fusão nuclear se tornar uma realidade a partir de meados do século XXI. O gráfico utiliza a escala de Kardashev, criada em 1964, que mede o nível de desenvolvimento tecnológico de uma civilização com base na capacidade de utilização de energia que demonstra ser capaz. A escala recebeu o nome do seu criador, o astrónomo soviético Nikolai Kardashev (1932 – 2019) (in ResearchGate).

Só que à medida que mais gente prospera na vida, maior será a sua vontade de possuir e ter acesso aos mesmos benefícios que viam apenas outros, mais favorecidos, desfrutar. Seja uma casa melhor, férias em destinos turísticos ou simplesmente um veículo do segmento superior… No que toca às quatro rodas, a média norte-americana, por exemplo, é de quase 90 automóveis por cem habitantes, realidade que contrasta com o resto do mundo, onde esse valor não supera os cinco veículos por 100 almas.

A cifra de automóveis elétricos (incluindo híbridos ‘plug-in’) que circulam no planeta ja ultrapassou a fasquia mágica de dez milhões de unidades (in Agência Internacional de Energia).

Mais energia para todos os setores

Para o transporte aéreo, verifica-se que 75% das viagens aéreas são efetuadas para transporte de passageiros, como mostram Stefan Gössling e Andreas Humpe no Science Direct. Isso representa um consumo anual de cerca de 2 mil milhões de barris de petróleo.

Consumo da aviação, em barris de petróleo diários, contra a produção mundial diária (in Bloomberg).

Os hospitais, por exemplo, gastam 250% mais energia por unidade de área que um edifício comercial (Della Barba, 2014).

Já olhando para a indústria global de informação, como o armazenamento de dados na nuvem, esta representa um consumo energético anual que é o dobro do verificado em todo Japão, ‘somente’ a terceira maior economia mundial. Os centros de dados necessários para fazer funcionar a nuvem consomem, só por si, mais energia do que os dez milhões de automóveis elétricos a circular no planeta.

Cenários de consumo de eletricidade (em terawatt-hora) dos centros de dados mundiais, até 2030 In ResearchGate).

O comércio eletrónico descolou ainda mais durante e após a pandemia de Covid-19, com o surgimento de centros de distribuição por todos os lados. A Amazon, por exemplo, é a quarta maior companhia mundial em termos de receitas, como mostra a Fortune na sua lista Global 500. Estas áreas imensas estão repletas de autómatos sedentos de energia para colocar e recolher as mais variadas mercadorias ao longo de centenas de quilómetros de prateleiras e áreas de armazenamento.

Crescimento previsto da frota de distribuição, por tipo de motorização, até 2032 (in GMinsights)

Já a frota de distribuição norte-americana mais do que duplicou na última década e deverá manter uma tendência crescente no futuro, como o mostra a GMInsights para entregar os bens que saem de todos os centros de distribuição, que cresceram como cogumelos.

Realidade ou utopia?

Tudo isto é realidade e não tendências! Mas o futuro é previsível e o que nos mostra é uma inovação acrescida nas áreas da robótica, drones, computação quântica, biotecnologia e outras que ainda nem sequer existem. Todas elas vão requerer ainda mais energia! Muitíssima mais! O que exigirá a utilização de mais combustíveis fósseis, energia nuclear e, claro está, energias alternativas.

Quem pense que isso será alcançável apenas com recurso à energia solar ou eólica, bem que pode continuar a sonhar!

O cérebro ainda não disse aos olhos

Os olhos revelam o compromisso com a curva. O corpulento piloto desta Yamaha YZF-R6, num dia de ‘track-day’ ou competição amadora, está já focado na trajetória de saída ao tocar o vértice da curva. Mas há um pequeno detalhe: o cérebro ainda não ‘disse’ aos olhos que a roda dianteira já foi embora. A direção […]

Continuar

Uma roda traseira especial

A tração, durabilidade e desempenho dos pneus, especialmente do traseiro, andam nas bocas do mundo do motoGP. Sobretudo, depois da fraca prestação de Jorge Martín na prova de Lusaíl, no Catar. Só por milagre, à Nicky Hayden 2006, é que o de San Sebastian de los Reyes poderá roubar a coroa a Francesco Bagnaia. Mas […]

Continuar

Há um maníaco à solta no Mundial de Superbike

Foi uma das contratações surpresa para a grelha das Superbike do próximo ano. O italiano é um dos pilotos que mais atenções concitou na sua passagem pelo ‘paddock’ de MotoGP. Até que uma (dura) pena, por alegado consumo de substâncias dopantes, o afastou das pistas por quatro anos. O ‘Maníaco’ está de volta ao asfalto! […]

Continuar