Longe vão os tempos em que eram necessários dois dias (ou mais…) para ligar Porto e Lisboa. Só no início do século XIX, com o advento do comboio, a distância temporal passou de dias a horas. E a menos horas ficou com a chegada do automóvel. Mas o que se foi ganhando em tempo na ligação entre as duas maiores cidades do País, perdeu-se no encanto da viagem. Com o Touring Secret Portugal, a Honda mostrou que nem sempre o destino é o mais importante. Há que aproveitar a jornada para descobrir aquilo que, muitas vezes, pensamos conhecer.
- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Zep Gori e Ciro Meggiolaro
Ligar Porto e Lisboa em 48 horas pode parecer algo descabido nos dias que correm. Deixa antever uma peregrinação sonolenta, aborrecida mesmo. Mas, se lhe juntarmos os ingredientes certos, então ganhamos uma excursão de genuína descoberta. A proposta da Honda foi… algo mais. Foi mais do que uma simples viagem, e mais do que um comparativo entre as três máquinas da gama que partilham o motor. No fundo foi uma oportunidade única de aliar o prazer de passear sobre duas rodas, de revisitar alguns agradáveis e icónicos recantos do nosso País.
Touring Secret Portugal revelou universos paralelos
Aventura que permitiu também reencontrar três irmãs, com o mesmo coração e almas bem diferentes. Afinal, descobertas em paralelo, como paralelos são os dois cilindros do motor que equipa as Honda CRF1100 Africa Twin, NT1100 e CMX1100 T Rebel. Mas, afinal, o que podem ter em comum uma trail, uma turística e uma cruiser? Para lá de todas terem duas rodas e o mesmo motor… nada. Ou quase nada, diríamos. Partilham o ADN e alguns componentes, mas têm atitudes bem diferentes perante a vida. Da irreverência aventureira à serenidade turística, passando pela ousada rebeldia de quem vê a vida de forma singular e mede o tempo por um relógio diferente.
Pode não ser a forma mais curta e rápida para ir do Porto a Lisboa, mas, foi, definitivamente, uma das mais divertidas. O caminho mais longo desde Touring Secret Portugal (ok, podia ser um pouco mais, passando por Bragança e Faro, mas ficava muito fora de mão…) mostrou-nos estradas para todos os gostos e, sobretudo, com muitas curvas. Palco de eleição para evidenciar as diferenças entre as três motos.
A saída da Invicta, Muy Nobre e Sempre Leal Cidade do Porto aconteceu com a Honda NT1100 equipada com DCT, mas também com punhos aquecidos, malas e todos os requisitos para uma grande viagem. Com o vidro colocado, manualmente, na posição mais alta, um pequeno troço de autoestrada ajudou a recordar a excelente proteção ao condutor e a posição de todos os comandos. Que, mesmo com grande panóplia de botões, acabam por revelar-se intuitivos.
Prazeres turísticos
Mas pouco seriam utilizados depois de optar pelo modo Tour para atravessar a Serra da Freita, em momentos de tranquilo desfrute da paisagem. Talvez, estando a viajar sozinho, optasse por personalizar as funções de entrega de potência e efeito de travão motor para acrescida diversão, sem mexer no controlo de tração em prol de absoluta segurança. Numa moto talhada à medida destas viagens, é possível quase parar e apreciar a paisagem, voltando a acelerar sem preocupações com a rotação ou a velocidade engrenada. Isto, claro, com o DCT, sistema de dupla embraiagem que permite variar a caixa de velocidades entre a versão automática e a sequencial. E, assim, manter a moto sempre sob absoluto controlo, na rotação acertada, sendo que, em caso de necessidade, basta um toque do dedo polegar para baixar uma relação. Ou do indicador para subir e deixar o motor mais solto.
A paragem para apreciar a imponente cascata da Frecha da Mizarela, onde o rio Caima dá um espetacular salto de mais de 60 metros, foi oportunidade para baixar o ecrã frontal e sentir algum vento na face, ampliando o prazer de condução. Moto muito fácil de conduzir em todas as situações, do quotidiano urbano às mais longas viagens anuais, mostra-se sempre leve a curvar, mesmo nas estradinhas mais estreitas e retorcidas. Cansaço é algo que não se nota, em sensação de bem-estar fortemente ampliada com o banco Comfort.
Museu de tecnologia avançada
Ponto relevante para esta vocação de papa-quilómetros da NT1100 que nos acompanhou até à entrada da serra da Estrela é o DCT. Evolução tecnológica exaltada pela comparação só possível durante a visita ao Caramulo Experience Center. Tempo para recordar a ímpar capacidade da Honda que, muito antes de criar a transmissão DCT, desenvolveu a tecnologia dos pistões ovais, na magnífica NR750, ou a alimentação forçada através de turbocompressor de que a CX 650 Turbo é exemplar raro.
Ainda a pensar numa história riquíssima de inovações, a troca da NT1100 para a Africa Twin deu-se quase sem notar. Bom, talvez seja força de expressão já que as diferenças são substanciais. Como o são para a original XRV650 de 1988, que nos esperava na Adega 14! Mas a verdade é que ‘está lá’ toda a aptidão para as grandes viagens. Rumo ao ponto mais alto de Portugal, no entanto, houve tempo e espaço para perceber os detalhes que transforma uma turística em maxi-trail de eleição.
Desde logo a altura do assento até ao solo bem como a acrescida rigidez do elemento de maior contacto com a máquina. Pensado para uma melhor utilização em fora-de-estrada, que, depois da participação Epic Tour, em Marrocos, é facilmente comprovável. Posição de condução mais elevada, tal como o centro de gravidade, que, juntamente com a roda de 21 polegadas na dianteira, oferece uma sensação de condução completamente diferente. Nem melhor nem pior, simplesmente diferente. O que se nota na colocação em curva, exigindo apenas alguma antecipação por forma a evitar correções de trajetória a meio da inclinação. Algo que, no entanto, é bem apoiado por uma suspensão eletrónica que funciona na perfeição. Ora em estrada como fora dela, ora sozinho como com passageiro.
A irmã rebelde
Esquecendo por completo a/o pendura no centro geodésico de Portugal, saímos para a última etapa desta aventura de dois dias, ligando duas cidades em três motos, com a Honda CMX1100T Rebel. Se repararam existe um T no final da sigla que a torna substancialmente diferente da versão ‘normal’. Mudanças que apreciamos no último troço dos 630 quilómetros pensados para um teste diferente neste formato Touring Secret Portugal.
Partindo do Picoto da Milriça, as retas maiores e curvas mais largas, longe do rendilhado das estranhas mais a Norte, foram palco bem-adaptado à mais rebelde das três irmãs. Que, graças à carenagem frontal montada de série, oferece razoável proteção às mãos e braços, reforçando estilo vincadamente ‘custom’. Que é exaltado pelas malas laterais, encaixando perfeitamente nas linhas da moto, criando uma agradável ‘bagger’. E mesmo se a capacidade é exígua, os 35 litros que permitem acomodar são, afinal, condizentes com o espírito despojado de quem aprecia o vento na cara e a viagem sem destino.
A posição mostrou-se confortável para os 240 km realizados. Os braços vão estendidos sem exageros, enquanto as pernas, pouco dobradas, ajudam na estabilidade do corpo, ligeiramente atirado sobre a dianteira. Já o banco mostrou-se competente na primeira centena de quilómetros, mostrando as naturais limitações face às ‘irmãs’ quando o conta quilómetros parcial se aproxima dos 200 km. Felizmente a viagem terminou pouco depois…
Quando a potência não é medida importante
Os 87 cavalos de potência máxima, contra os 102 cv da NT e Africa Twin, são suficientes, contando com binário de 98 Nm. Que é disponibilizado tão cedo quando as 4650 rpm, ajudados pelas diferenças na abertura das válvulas, importante contributo para o reforço dinâmico em baixas e médias rotações.
Com roda dianteira de 18” e traseira de 16”, suspensão Showa regulável em pré-carga, tanto na forquilha de 43 mm de diâmetro como nos dois amortecedores posteriores, a Honda CMX1100T Rebel é fácil de conduzir (dentro do registo próprio…).
É verdade que, ao abusar um pouco, como quando decidimos seguir o ritmo das África Twin e NT1100, nota-se em demasia a flexibilidade do chassis. Mas sem nunca comprometer um nível de segurança que permite curvar bastante depressa, sendo fácil a entrada nas viragens. Bem como manter uma boa velocidade em curva, sem bater com os poisa pés no chão, graças às dimensões reduzidas e à colocação em posição bem central. Mas que, em contrapartida, levam as botas a rasparem no asfalto com alguma facilidade. Particularidades de um comportamento que foi possível experienciar e comparar ao longo dos 630 km do Touring Secret Portugal. Que se revelaram curtos! Afinal, dois dias de viagem entre Porto e Lisboa pode até parecer muito, mas é, realmente, pouco tempo