
- Texto: Mário Campos
Perguntam-me muitas vezes “porque é que, em Portugal, não há motos antigas japonesas, em quantidade e diversidade ( ia escrever, e qualidade…!), principalmente das décadas de ouro dos japoneses ( anos 70 e 80 )” ?
De facto, comparativamente com os outros mercados europeus ( tirando a Espanha, que ainda está pior do nós !), em Portugal, quase não há motos japonesas, de médias e grandes cilindradas, dos anos 70 e 80 !
Passo a “espilicar”, se assim me ajudarem o “engenho e a arte”, ou a memória!
Até 1973 (inclusive) Portugal foi um país “normal”, no que respeita à comercialização de motos, de todas as marcas e de todas as cilindradas, com predominância óbvia das motos inglesas, alemãs,italianas e americanas, uma vez que essas marcas já vinham de trás ( os japoneses começaram, quase todos, apenas na década de 50 a fabricarem motos ).
Em 1974, acontece o 25 de Abril, e a situação das motos muda radicalmente, de um dia para o outro !
Com efeito, os sucessivos governos ( provisórios e não só ) que “fingem” governar Portugal, a partir daí tinham como um dos objectivos principais “impedir a fuga de divisas” para o estrangeiro !
Acabaram com as compras a crédito também, mas isso é outra história !
Regressemos às motos!
E atão o que fazem esses governos, pra impedir a fuga de divisas? Entre muitas outras medidas decidem criar um imposto de luxo, de 30%, destinados a 4 ( sim, leram bem, quatro !) produtos que poderiam fazer perigar a revolução, porque poderiam levar muitas divisas a fugir para fora do pais !
Já tá tudo a ferver de indignação, retroactiva ?
E a curiosidade sobre os 4 produtos, é avassaladora ?
Juro que o que vos vou dizer agora, é verdade!
Os quatro produtos taxados com o imposto de luxo de 30% ( destinado a desmotivar e penalizar fortemente as importações ) foram:
– Casacos de vison!
– Aviões particulares!
– Bebidas alcoólicas, com alto teor de …álcool!
– Motos com mais do que 125 cc !
Cum catano, exclamais !
Sim atão e os Maserati´s e Lamborghini´s ficaram de fora ?
Ficaram !
Mas, ainda não era tudo!
Legislaram no sentido da “CONTINGENTAÇÂO” nas importações ( não só destes quatro desgraçados produtos, mas de todos ) !
Objectivo: diminuir a saída ( já não era a fuga ) de divisas, para o estrangeiro!
E no que constava essa tal de “contingentação” nas importações ?
De uma forma simples, as empresa portuguesas que importavam do estrangeiro, fosse o que fosse, não podiam ultrapassar um limite, em divisas, criado pela média das importações do últimos anos !
Por outras palavras, o negócio até poderia correr bem, e ser incrementado, mas estavam limitados a pagarem determinado numero de dólares ou marcos ou francos ou yens, sem o poderem ultrapassar!
Nos importadores de motos, a conjugação destes dois factores ( imposto de luxo para mais do que 125cc e contingentação ), foi devastador !
Imaginemos o saudoso Sr. Pissarra, por exemplo, a querer importar motos de 250cc, 350cc, 500cc, 650cc, 750cc, mas a só poder importar 100.000 dólares!
Teria que taxar o que fosse mais do 125, com 30% do imposto de luxo, e provavelmente não venderia essas motos, gastando parte do dinheiro contingentado !
Atão, todos eles, quase sem excepção, o que fizeram durante 12 anos ( de 1974 a 1986 ) ?
Pois, gastaram o montante que podiam gastar, em motorizadas de 50 cc, e em motos de 125cc !
Durante 12 anos de ouro, pensem nos modelos fabulosos, que saíram das fábricas de motos, entre 1974 e 1986 ( data da entrada na CEE , e o fim da contingentação e do imposto de luxo ) e que Portugal não viu !
Só houve cinquentinhas e 125´s à venda, em Portugal, durante 12 anos !
E crédito para comprar, havia ?
Não!
Em Lisboa o Stand Vidal, ouvi dizer que contornava esta proibição !
Apenas os famosos ( na altura ) sistemas de compra em grupo, no qual 24 clientes se inscreviam numa empresa, pagando mensalidades ( a mais famosa nas motos foi a Lubritex, porque patrocinou um troféu de velocidade de 125´s ), e que à razão de duas motos por mês ( uma por sorteio e a outra por licitação, ou seja, mais dinheiro do que a mensalidade ), permitiam aceder a bens, como carros e motos, sem ser a pronto pagamento !
Em 1986, Portugal entra na CEE e, num ápice, passamos do 8 para o 80 !
Acaba o imposto de luxo.
Acaba a contingentação.
Começam os sistemas de crédito bancário normais.
A explosão de motos novas de todas as cilindradas …foi,…foi… (ai… o que dizia o Fernando Gomes que sentia, …”de cada vez que marcava um golo”?)…uma brutal realidade ( meninos de 18 anos, a quem papai comprava uma GSX 1100 R …!?!?!?!?!?), os motoclubes nasceram como cogumelos ( Faro já existia, legalizado, desde 1982 ), e o motociclismo português… renasceu !
Recordo como se fosse hoje, a excitação de ir à montra do Stand Batalha, no Porto ( importador da Suzuki ), atónito, com a GSX 750 R e as GSX 550 E/ES/EF…!
Mas ainda houve algumas motos japonesas, de média e grande cilindrada a chegarem a Portugal, durante esses anos de penúria ?
Sim !
Somos um povo de emigrantes, de maneira tal que, no final de vidas esforçadas de trabalho, em França, na Alemanha, na Venezuela, ou na Suíça, esse bravos portugueses, regressaram a Portugal, alguns não trazendo o último carro, ou a mobília, mas… as motos vieram !
A base das Lajes também ajudou ( e continua a ajudar ) com motos provenientes do States.
Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde também contribuíram ( vivam as Mini-Trail ! Vivam ! ) para o reduzido parque de motos japonesas, das décadas douradas, em Portugal !
A partir de 1986, os importadores puderam (re)começar a trabalhar normalmente, e até a importação privada, se instalou, com base nos princípios da CEE: “livre circulação de pessoas e bens” !
Provavelmente, esta mocidade nova, que agora acede, muito justamente, a qualquer moto, sem entraves de espécie alguma, não sabe que os pais e os avós tiveram que atravessar a fase da penúria.
Ainda bem para eles ( a mocidade nova ) !
Ps. Pode faltar um ou outro detalhe, mas a explicação está vertida nesta crónica, sem engenho, nem arte, nem memória.
O que faltaria dizer ?
Esqueci-me.