Segway. A minha história dava um livro
Autor: Fernando Pedrinho
Março 24, 2022
Integrada no grupo Segway-Ninebot, sediado em Pequim, a história da Segway dava um livro! Com momentos de genialidade, glória, traição e morte, mais propícios de um conto de ficção, a marca criada por Dean Kamen passou por vários altos e baixos, até ter sido adquirida por uma das empresas que a tinha acusado em tribunal…


Integrada no grupo Segway-Ninebot, sediado em Pequim, a história da Segway dava um livro! Com momentos de genialidade, glória, traição e morte, mais propícios de um conto de ficção, a marca criada por Dean Kamen passou por vários altos e baixos, até ter sido adquirida por uma das empresas que a tinha acusado em tribunal de infringir algumas das suas patentes. O grupo que integra atualmente e a que dá nome, garante-lhe o respaldo financeiro e o acesso a um mercado global, para além da expansão em diversas áreas. Como sucede com a Segway Powersports, marca virada para os veículos de quatro rodas de todo-o-terreno para trabalho e lazer, e que se estreou no mercado nos finais de 2019, precisamente nas vésperas da pandemia que afetaria profundamente o mundo nos dois anos seguintes.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Segway, FIRST, DEKA, Business Wire, Mark Peterson, Reuters, Rossparry.co.uk

A história da Segway está inseparavelmente ligada à do seu criador, o inventor Dean Lawrence Kamen. Dean nasceu num lugar bem conhecido da imigração portuguesa, situado no sul do estado de Nova Iorque, em 1951, mais precisamente em Long Island.
Bastante ativo e criativo durante a juventude, as diversas atividades a que se dedicava e trabalhos que aceitava permitiam-lhe ganhar sessenta mil dólares norte-americanos quando ainda estudava no liceu.
À imagem de diversos visionários, como Steve Jobs ou Bill Gates, não concluiu os seus estudos universitários. O seu génio inventivo falava mais alto e levou-o a criar várias soluções e equipamentos na área medicinal, como a primeira bomba de infusão de medicamentos, que comercializou debaixo da marca Auto Syringe, ou o purificador de água ligado a um gerador acionado por um motor Stirling, o qual aproveitando o ciclo de compressão e expansão de um gás, permite transformar a energia calorífica em trabalho mecânico.

Mas a invenção mais arrojada talvez tenha sido a iBOT, a cadeira de rodas elétrica de todo-o-terreno, dotada do sistema de equilíbrio com recurso a um giroscópio, que mais tarde viria a ser usado na Segway PT, e que lhe valeu mesmo uma recepção e demonstração na Casa Branca, ao Presidente Bill Clinton.
Kamen fundou a DEKA Research & Development em 1982, com quase 400 engenheiros e técnicos especializados, trabalhando em projetos tão distintos como o lançamento pneumático de um soldado de uma força de intervenção para o ar, ou na área do aproveitamento da energia solar. Isto sem esquecer o ‘Luke’, o braço prostético cujos motores permitem ao seu utilizador um controlo muito mais refinado face às próteses tradicionais.

A primeira patente de um dispositivo de transporte individual autoequilibrado foi submetida para patente em fevereiro de 1993 e reconhecida a 30 de dezembro de 1997. O desenvolvimento em torno da iBOT teve início em 1990, surgindo o primeiro protótipo dois anos depois. Em 1994 a DEKA chega a acordo com o gigante da indústria farmacêutica Johnson & Johnson, permitindo a produção da cadeira de rodas e todo o desenvolvimento da mesma. Para manter a sua independência fora da área médica, a DEKA aceitou receber um ‘royaltie’ inferior ao normal para operações do género.
A Segway Incorporated surge, então, em julho de 1999, com o intuito de desenvolver e comercializar aplicações não medicinais com tecnologia de auto equilíbrio. E é assim que a icónica Segway PT, a plataforma de duas rodas paralelas e um guiador fixo para transporte individual, é lançada em Dezembro de 2001, chegando ao mercado no ano seguinte.
A marca esperava atingir vendas de 50.000 a 100.000 unidades nos primeiros 13 meses, mas em setembro de 2006 apenas tinha escoado cerca de 23.500 PT’s. É então que surge uma chamada de todas as unidades aos concessionários para correção de um erro de software que poderia causar a queda do seu utilizador, fruto de uma reversão incontrolada e espontânea do movimento.

Só que o otimismo em torno da marca e deste conceito não diminuiu apesar deste aparente desaire. Numa previsão tão característica de um espírito inventivo, Dean Kamen fez uma afirmação categórica, de que uma Segway “seria para o carro, o que o carro foi para o cavalo e a carroça”. O entusiasmo vivido era tal que o investidor de risco, com uma participação na companhia, John Doerr, projetava a Segway para o restrito setor dos unicórnios, ao antecipar vendas superiores a mil milhões de euros.
Mas a realidade era outra. Apenas trinta mil unidades comercializadas até 2007, bem como os primeiros sinais de uma companhia não rentável, com custos de desenvolvimento superiores a 100 milhões de dólares.
O PUMA parecia ser o balão de oxigénio tão ansiado para a Segway. Tal como já sucedera com a DEKA, no anos noventa, o aparecimento de um gigante da indústria perfilava-se na forma de uma importante injeção de capital. Estávamos em 2009 e a General Motors apresentava o protótipo de um veiculo de dois lugares elétricos, que designou com veículo de mobilidade e acessibilidade urbana pessoal, no acrónimo inglês ‘Puma’. Presente em diversos salões, no ano seguinte como projeto EN-V, durante a EXPO 2010 de Changai.

Só que o diretor executivo da Segway, James Norrod, tinha uma ideia diferente para a empresa e, na perspetiva de recuperar o investimento efetuado pelos acionistas, preparou a venda da companhia. Isso concretizou-se no final de 2009, quando a Hesco Bastion se tornou a proprietária da Segway. A marca ostentava as cores da ‘Union Jack’, já que James Heselden, o dono da Hesco, era um inglês nascido em Leeds.
‘Jimi’, como era conhecido, começou a trabalhar como mineiro numa mina de carvão, depois de deixar a escola quando tinha quinze anos de idade. O seu golpe de génio surgiu sob a forma da gaiola tipo gabião, colapsável, fácil de montar para controle de cheias e erosão. A patente do sistema ‘Concertainer’ catapultou-o para o clube dos milionários. Mas numa manhã de setembro de 2010, tinha 62 anos, a tragédia abateu-se sobre a família Heselden e a própria Segway. Conduzindo uma versão todo-o-terreno da ET, Jimi perdeu o controle do veículo num dos trilhos junto à beira de um penhasco e acabou cair ao rio Wharfe, sem qualquer hipótese de sobrevivência.

A Segway viria a mudar de mãos novamente, pouco depois, já que no início de 2013 a Summer Investments anunciou a compra da empresa por uns meros nove milhões de dólares norte-americanos. E outra a vez o discurso da esperança, de aumento da gama de produtos, diversificação e rede de distribuição.
Convirá referir que o fundador da marca já havia ficado pelo caminho, pois na anterior venda à Hesco, Dean Kamen deixou a sua participação da marca, para se dedicar à DEKA, FIRST (as iniciais de: Para a Inspiração e Reconhecimento da Ciência e Tecnologia) e ARMI, o Instituto de Produção Regenerativa Avançada.
Aproveitando este interlúdio na história da Segway e enquanto recuperamos o fôlego perante tamanhas convulsões vividas pela marca, falta ainda referir a origem do nome. A primeira parte do nome é um homófobo da palavra segue, que significa uma suave transição de um tópico ou assunto, para outro. O logótipo, que perdurou até hoje, é francamente feliz e dá ideia de alguém a deslocar-se para diante, como se planasse, com os braços esticados para trás para alcançar o necessário equilíbrio dinâmico.

Voltemos então a 2014, ao final do Verão desse ano, altura em que a Segway dá entrada na Comissão Norte-Americana de Comércio Internacional de uma queixa por infringimento de várias patentes por uma série de companhias chinesas onde se incluíam a Shenzen Inmotion, a Robstep Robot e uma tal de Ninebot. Pouco mais de meio ano volvido, a Ninebot comprou a Segway à Summit Strategic Investments por 75 milhões de dólares, dando origem ao grupo Segway-Ninebot.
A ‘start-up’ chinesa na área da robótica de transporte está sedeada em Pequim e tem como investidores iniciais a Xiaomi, Sequoia Capital, ShunWei e WestSummit Capital, que garantiram, ainda em 2014, os 80 milhões de dólares necessários para a aquisição da Segway. Entre outros acionistas da Segway-Ninebot, contam-se o fabricante de microprocessadores Intel, os fundos de investimento China Mobile, GIC e SDIC. Estas empresas acionistas que entraram entre 2015 e 2017 reforçaram o encaixe de capital em 160 milhões de dólares.
O grupo conta agora com quatro subsidiárias que cobrem aplicações tão diversas como a mobilidade inteligente de curta distância, a cargo da Segway Discovery, ou da chamada logística inteligente, com a utilização de robôs autónomos, área coberta pela Segway Robotics.
Já a Ninebot, marca bem conhecida na Ásia, mantém a produção de ‘scooter’ elétricas, patinetes, o equivalente atual da PT, para além do kart que inclui uma versão especial chamada ‘Lamborghini Edition’.

Já a Segway propriamente dita, inclui a divisão Powersports, a qual apresentou no final de 2019, durante a Salão de Milão a gama de veículos de quatro rodas de todo-o-terreno para trabalho e lazer. Gama que inclui um ‘quad’, ou ATV, chamado Snarler, um UTV, ou veículo utilitário de trabalho, designado de Fugleman, e um ‘Side-by-Side’, para pura diversão, batizado de Villain. Esta marca já está na Península Ibérica, sendo representada pela Multimoto em ambos os países e tendo Hugo Santos como responsável comercial e de marketing para Portugal.
A Segway-Ninebot faz questão de frisar as parcerias que estabeleceu nos últimos seis anos, onde se destacam marcas da indústria automóvel como a Ferrari, Lamborghini, Ford, BMW, BYD, General Motors ou a Seat, além de nomes bem conhecidos da área da eletrónica e eletrificação, como a Intel, LG, Samsung, Panasonic, Bosch e Infineon, e de outras áreas como a Bolt, Infineon ou a HFX Scooters.
Chega assim a história ao fim, com a Segway a atravessar um período de estabilidade e com um futuro risonho? Sim, de certa forma, mas pelo caminho ficou o modelo que sempre associamos à marca. Com efeito, não obstante ainda vermos nas mãos de seguranças de centro comerciais ou em ‘filinhas pirilau’ de turistas à descoberta de uma cidade, a PT faz agora parte das memórias da marca, como cerca de 140 mil unidades fabricas em pouco menos de 20 anos. A associação a um certo nível de periculosidade e descontrolo, com acidentes com nomes conhecidos, como os do velocista Usain Bolt ou do antigo presidente dos EUA George W. Bush, sem falar do malogrado Jimi Heselden, associado a um preço de venda acima dos cinco mil euros, levou a que o grupo asiático descontinuasse a sua produção e desenvolvimento.
Tal como seria expectável, toda a produção passou para a Ásia, mas a marca de Bedford, no estado norte-americano de New Hampshire, manteve a produção da PT até julho de 2020, altura em que o novo grupo colocou fim ao modelo e à atividade desta unidade fabril.
Como já podem imaginar, a história da marca deu origem a vários livros que descrevem bem o ambiente das ‘start-up’ norte-americanas e da bolha ‘dot.com’. Mas agora os tempos agora são outros, e está claro que a aposta da Segway-Ninebot é por produtos com as rodas bem assentes no chão!
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