Santiago Duarte mundialista !

  • Texto e fotos: Fernando Pedrinho

É o único defensor das cores nacionais numa das categorias do Mundial de ‘Superbike’. O piloto de Mafra partiu para uma campanha a tempo inteiro no pelotão mais feroz das categorias que integram o Mundial SBK, as Supersport 300.

Integrado na mais competitiva equipa da marca dos três diapasões, a Yamaha MS Racing, ‘Santi’ conta a vasta experiência do seu ‘crew chief’, o conhecido Felix Garrido, e a presença constante dos seus pais, em particular do Jorge ‘Joca’ Duarte, ex-piloto do Troféu Honda Hornet e conhecido artesão de carenagens que estão por todas as categorias dos mundiais, da MotoGP às ‘Superbike’.

Jorge ‘Joca’ Duarte, à esquerda, e o filho Miguel Santiago

Sonho cumprido, agora é a tempo inteiro. Miguel Santiago Duarte está numa das melhores equipas da SuperSport 300 para ascender ao estrelato mundialista. Mas como foi possível? ‘trabalhando bastante!’, dizia-me Jorge ‘Joca’ Duarte, o pai.

Deslumbrado com a oportunidade, ‘Santi’ faz questão de relembrar que ‘é um campeonato muito competitivo e agora sem a corrida de repescagem só ficaram os pilotos efetivos que já haviam feito duas ou três épocas. Há um par de ‘rookies’ onde me incluo. Não tem mesmo nada a ver com o campeonato de Espanha, com pilotos muito mais agressivos, motos completamente diferentes e onde se pode aprender muito’. E o início até foi positivo. ‘Tenho conseguido um bom ritmo nos treinos e ando perto dos da frente e o tempo por volta na corrida foi bastante próximo. O que me falta é a agressividade que advém da experiência, de meter a roda quando se abre o buraco da agulha, saber lidar com as ultrapassagens e aprender a como rolar em grupo. Não esperava que o comportamento nestes grupos que se formam fosse tão agressivo’. Sem ser virgem em termos de corridas no mundial, Santiago arranca para a primeira época ‘full-time’ com a ‘cabeça limpa e sem pressões. O objetivo é aprender ao máximo e a primeira corrida foi bastante importante pois deu para melhorar bastante o meu andamento, até porque não treinámos no defeso como queríamos’. Ao longo do campeonato o objetivo passa por ‘reduzir a diferença existente para o grupo da frente, mas há circuitos que ainda não conheço, o que complica mais a tarefa. Em casa tenho de treinar a parte física para dar tudo nas corridas’.

E o que é para Miguel Duarte um bom resultado em 2021? ‘Um top 15! Pontuar nem que fosse um ponto já me dava para ficar feliz. Nunca um português conseguiu pontuar nesta categoria’. Na boxe conta com a presença de três pequenos ‘monstros’ na sua boxe – Unai Orradre e os irmãos brasileiros Tom e Meikon Kawakami que ganham e lutam por pódios em cada corrida – que ‘ajuda’ pode ‘Santi’ tirar dos seus velozes companheiros? ‘O Maikon já andou no Mundial de Moto3, o Ton de ‘Supersport’ e já correm desde pequenos, tal como o Unai. Eles ajudam-me nos treinos, partilham dados da telemetria e até quando comemos juntos nunca se negam a explicar-me como fazem setor a setor. Nos treinos privados chegavam a esperar por mim para fazermos voltas juntos, mostrarem-me os pontos de referência e tudo o mais. A equipa chegou a meter-me na frente, sabendo que eles eram mais rápidos, para depois me passarem e eu tentar segui-los’. Mas onde reside a diferença de pilotagem para um ‘novato’? ‘Nos treinos de Navarra vi que não travava como eles, que o faziam antes do meu ponto de referência com um golpe mais forte e suavizando a parte seguinte. Ainda estou no ponto de entrar demasiado rápido numa chicane e sacrifico a segunda curva, ou entro lento e ‘mato’ a primeira parte. Eles já têm aquele ‘click’ de mundial e tudo sai automaticamente’. A estatura elevada destes miúdos – que já se mandam para 1,80m e para cima disso, deixou de ser uma desvantagem, confirma ‘Santi’. ‘O peso sem dúvida mais que a altura’.

Integrado na MS Racing, a equipa espanhola conta mesmo com apoio oficial da Yamaha Motor Europa, garante à partida de material competitivo e acesso a desenvolvimento constante YZF-R3. Além disso, dá acesso ao português ao trabalho e entendimento da telemetria para desenvolvimento do seu estilo de pilotagem e afinação da moto. O orçamento para uma aventura destas é de 95 mil euros para toda a temporada, incluindo a moto, equipamento, pneus, inscrições e a logística do piloto. Tudo o resto mais os treinos adicionais a soma ascende aos 130 mil euros. Os apoios para esta cruzada são provenientes da ‘FMP, de um grupo empresas de Mafra, da Lacomoto, que cobre a maior parte do orçamento, e da MS Racing’, revelou Jorge Duarte.

Felix Garrido dispensa apresentações e pela sua mão passaram já pilotos que brilharam por diversas categorias, com destaque para o CEV, desde Manuel Gonzalez, Marc Garcia, Marc Alcoba ou Maria Herrera, a um tal de Maverick Viñales. O homem forte da equipa baseada em Ajalvir, ‘entalada’ entre o aeroporto de Barajas e a base aérea de Torrejón de Ardoz, a nordeste da capital espanhola, relembrou que ‘o ‘Santi’ já está connosco desde há dois anos nos campeonatos de Espanha e Portugal. Nunca tinha corrido de moto mas tem uma grande paixão e agora falta o passo seguinte que é posicioná-lo mais para a frente na classificação. É a configuração normal para um piloto que nunca havia corrido e agora está no campeonato do mundo’. E logo nas SuperSport 300! ‘Para mim é a categoria mais difícil’ e três dos mais rápidos pilotos da categoria debaixo do mesmo teto. ‘Isso é bom porque assim tem boas referências, pode trabalhar com eles na telemetria e na pista e ajudá-lo a evoluir mais rapidamente’. Quanto à evolução, Garrido considera-a como ‘boa, mas toda a gente quer estar sempre mais à frente. Mas para uma pessoa que nunca havia corrido de moto até há dois anos, acho que é, como disse, muito boa’. Quanto ao plano de desenvolvimento da carreira do jovem português, ‘há que seguir trabalhando na mesma linha que temos vindo a fazer: fazer muitos quilómetros em pista, e trabalhar dentro e fora do circuito. O ideal era que, para o ano, se posicionasse entre os dez ou quinze primeiros’.

As YZF R3 arrancaram em Aragão muito competitivas, estando na luta pela vitória até ao final. O que se passou? ‘Sinceramente acho que temos os melhores pilotos’, disse-me Félix com um sorriso. ‘A moto e o regulamento técnico são os mesmos. Acho que, na realidade, as Yamaha continuam um pouco atrás das Kawasaki Ninja 400. A R3 está muito bem no comportamento em curva, mas debate-se com problemas na aceleração e na velocidade de ponta, onde perdemos 15 km/h. Se um piloto seguir no cone de ar tudo bem, mas quando sai para uma reta na frente todos o passam sem dificuldade. Isso cria uma situação complicada pois não te permite escapar na frente da corrida’.

Com uma base que não sofreu alterações, os desenvolvimentos passam ‘pela eletrónica, mapas do motor que é tudo feito pela equipa’. Já a preparação de uma moto de estrada para o mundial exige bastante trabalho. ‘Só o quadro e braço oscilante permanecem como na moto de origem. Metemos suspensões Öhlins, o motor é preparado de acordo com o permitido pelo regulamento, trocamos o escape, caixa de filtro de ar, instalação elétrica, central eletrónica e tentamos otimizar tudo a 110%’.

O que poucos sabem é que da Igreja Nova, uma pequena aldeia ali para os lados de Mafra, saem componentes de carenagem que equipam algumas das melhores motos que vemos nas pistas em cada fim-de-semana. Alguns dos nomes mais sonantes correm com peças nacionais concebidas e construídas pela família Duarte, com base na fibra de carbono e kevlar.

Jorge Duarte e a família constituem a espinha dorsal da Lacomoto, que equipa, por exemplo, as motos da Yamaha MS Racing nos mundiais de ‘Supersport’. Mas 80% da sua produção é vendida por outra marca, de quem a Lacomoto é fornecedora, e que cobre desde a Moto3, Moto à MotoGP, passando pelo Mundial de ‘Superbike’. ‘Por ano devemos produzir cerca de 1.000 carenagens’, contava o meu ex-adversário do Troféu Honda Hornet, enquanto me mostrava a exigência de formatos, detalhes e qualidades que as equipas exigem dos seus produtos. As técnicas são as mais variadas, mas a produção de moldes exige uma criatividade e engenho únicas que têm permitido à Lacomoto firmar a sua posição na competição de velocidade ao mais alto nível. De muito falámos, mas não podemos divulgar, num ambiente cheio de histórias e curiosidades. Deixo-vos com estas: a carenagem de uma NSR250RW pesa uns míseros 850 grama e que o modelo mais fornecido é a YZF R1. É ‘obra’, Joca!

Santiago Duarte explica-nos o seu painel de instrumentos!

É sempre bom ver portugueses lá fora, ainda para mais em cargos de responsabilidade. António Lima esteve no Motorland como comissário da FIM na direção da corrida e ao seu lado teve o seu congénere da RFME, a Federação Espanhola de Motociclismo, Andrés Molinos. Lima estará a ‘jogar em casa’ como diretor de prova para a segunda ronda do Mundial de SBK, no Estoril.

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