Está na cara (literalmente…) que só podiam ser portugueses !
- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: P.R./KTM/Medika
Numa altura de grande frenesim planetário, em busca da melhor solução na prevenção e luta contra o SARS-CoV-2, há uma empresa portuguesa que está entre as melhores do Mundo. E que protege Miguel Oliveira e a equipa Red Bull KTM Factory Racing bem como todos os milhares de funcionários da marca austríaca. MotoX foi a St.ª Maria da Feira descobrir a Medika!
A cerimónia, discreta, durante o GP de Portugal, passou despercebida a muita gente. Até porque as referências à Medika em alguns polos ou t-shirts remeteriam para uma qualquer empresa de cuidados médicos. Poucos – quase ninguém – sabia o porquê da sua presença no Autódromo Internacional do Algarve e menos ainda conseguem ter noção da sua dimensão empresarial. Fundada há 5 anos, a Medika MCN Tecnologia Medicinal S.A. dedica-se à investigação das necessidades aferidas junto de clientes de todo o Mundo, criando as condições para a comercialização de produtos clínicos de excelência, cumprindo as mais rigorosas normativas internacionais de forma célere. Mas porquê esta ligação à KTM?
A explicação foi dada, em entrevista exclusiva ao MotoX, por Nuno Vasco Andrade, CEO da empresa feirense, numa conversa a grande velocidade, entre motos e vacinas, máscaras de proteção e aparelhos cirúrgicos, pandemias e investimentos. E onde até se falou de projetos futuros… com a KTM, Husqvarna e Gas Gas.
«A Medika sempre apostou em mercados onde a qualidade prevalece. Sempre foi muito importante para austríacos e alemães produtos de melhor qualidade em detrimento do preço e, em maio do ano passado, a Medika fez uma forte aposta na aquisição de algumas máquinas para a produção de máscaras». Um investimento na ordem dos 3 milhões de euros para suprir as muitas encomendas já concretizadas no final da 1.ª vaga e numa altura em que era conhecida a chegada de uma 2.ª onda e de uma eventual 3.ª…
«Havia muita dificuldade em conseguir máscaras de qualidade e sem atrasos, sendo que é algo que temos de nos habituar em Portugal é que os prazos são para cumprir. Um dia de atraso é um dia de atraso! Não é apenas mais um dia! É essa a diferença. E que é enorme para um alemão ou um austríaco. A partir daí foi muito fácil entrar na KTM, bem como na Husqvarna e na FACC (um dos maiores fabricantes de componentes para aviação nível mundial, tendo clientes como a Boeing e Airbus) três colossos austríacos de engenharia, que sempre procuraram manter uma qualidade estável. Foram eles que definiram o produto, a capacidade filtrante, os acabamentos que queriam nas máscaras, com duas gamas de produtos, uma para oferta ao público em geral da KTM, outra para os operários da marca que sempre utilizaram as FFP3, cumprindo um padrão de segurança mais elevado».
Elevados padrões de qualidade, cumprimento rigoroso dos prazos e uma capacidade de adaptação que solidificou a presença no mercado austríaco, ganhando um sem número de concursos públicos realizados entre julho e dezembro de 2020, num volume de faturação que rondará os 200 milhões de euros. Evolução, sempre bem apoiada pela parceria com a JFJ Consulting GmbH, que levou a «colocar em funcionamento essas três unidades fabris com garantia de estar a trabalhar até final de 2022, com encomendas concretizadas em produção exclusiva quer do tipo II R quer do tipo FFP2, tendo muito recentemente começado com as P3, já com a mais recente certificação».
Qualidade que esteve na origem da visita de Nuno Andrade e mais três colaboradores da Medika ao Autódromo Internacional do Algarve onde ficou «verdadeiramente impressionado com toda a organização do MotoGP. Além de um tratamento excecional, com todo o enorme hospitality da Red Bull KTM destinado em exclusivo aos elementos da Medika e da nossa associada austríaca, além dos pais do Miguel Oliveira». Momento deveras interessante foi a visita ao paddock e às boxes onde Pit Beirer, o diretor desportivo da marca, ofereceu uma visão única de todo este universo. «Foi mais de meia hora a explicar todos os pormenores do fabrico da moto, através de processos de injeção e impressão 3D, e que, por exemplo, a produção de um quadro por soldadores diferentes é suficiente para que a resistência seja diferente e, assim, as reações em curvas para a esquerda ou direita sejam também elas bastante diferentes».
Impressionado ficou também com os valores envolvidos na categoria máximo do motociclismo mundial, «com um custo por moto alucinante, a que acresce o aperfeiçoamento e a evolução entre cada GP que faz com que, ao longo da época, dispare para valores estratosféricos. Basta dizer que só os dois discos de travão em carbono custam 50 mil euros! Ahhh… e que podem chegar aos 800º centígrados, algo que não fazia a mínima ideia».
Uma experiência única, num fim-de-semana de muita aprendizagem, onde «mais do que as motos, de que gosto muito, permitiu conhecer as pessoas e o meio envolvente, as necessidades e forma de pensar das pessoas. Uma mentalidade a anos-luz da portuguesa. Porquê? Basta ver a perfeita noção de que os preços disparariam se tentassem produzir tudo, e que com o encarecimento dos produtos perderiam toda a competitividade em termos de mercado. Mesmo se são dos melhores do mundo em termos de engenharia, no aço ou na nanotecnologia, não se aventuram a produzir a totalidade dos produtos».
Faturação de 100 milhões de euros… em ano de crise
Exemplo de uma «imensa aprendizagem com a cultura e forma de trabalhar de austríacos e alemães, reforçando a certeza da boa direção da filosofia da Medika que, depois de ter atingido 55 milhões de euros em 2020, este ano já leva 60 milhões de euros faturados e deverá ultrapassar os 100 milhões».
Regressando ao paddock do circuito de Portimão, em alturas do Grande Prémio de Portugal, Nuno Andrade recorda com satisfação o facto de «ver as máscaras produzidas pela Medika a serem utilizadas pelo Miguel Oliveira e por toda a equipa. Foi um sentimento agradável e penso que é recíproco porque, ainda há dias, o stock deles acabou e perguntaram-nos se tínhamos em Portugal algumas unidades, que enviámos de imediato, evitando falhas de segurança. É sinal de que gostaram do produto ou, caso contrário, se não cumprisse os requisitos exigidos encontrariam outro fornecedor».
Santos protetores da KTM e a surpresa de Miguel Oliveira
Mas se o fim-de-semana foi de positiva aprendizagem para Nuno Andrade e para a equipa da Medika, foi de surpresa para Miguel Oliveira. «Foi sempre extremamente simpático e ficou surpreendido por ser uma empresa portuguesa a fornecer as máscaras e outro material de segurança para a KTM. E mesmo se estava naturalmente mais focado no que era o seu trabalho, ir para a pista e conseguir retirar o máximo rendimento da sua moto, deu para conversar um pouco. Claro que, para ele, enquanto piloto, trata-se apenas de uma máscara e não será, seguramente, o foco da maior preocupação, mas terá ficado orgulhoso por ver uma empresa portuguesa a lidar diretamente com a sua equipa».
Uma equipa que não brinca com a segurança e que, como todos os elementos da caravana, estão vacinados desde a prova do Dubai, mas que, ainda assim, continuam a fazer testes regulares, sendo os carros devidamente identificados e com controlo policial para conferir quem podia aceder ao autódromo.
Além das máscaras, a KTM (tal como a Husqvarna e Gas Gas) sempre adquiriu à Medika todos os testes rápidos bem como todos os equipamentos indispensáveis ao nível da proteção individual, sobretudo para fazer os testes, sempre apoiada nas referências de excelência. «É que, se agora existem imensas marcas no mercado, a nossa, mesmo sendo a mais cara tem a qualidade máxima garantida pela mesma fábrica que produz para Siemens. E aqui estamos a falar de fábricas que produzem testes há mais de 30 anos e não de uma empresa que nasceu em 2020 por via das necessidades agudas».
Uma ligação ao fabricante austríaco que vai ser reforçada a partir de 2022 através de uma necessidade pouco conhecida pelos leigos na matéria. «O principal projeto passa pela Áustria, pela KTM, pela Husqvarna e pela FACC, a nível de produção de gases técnicos, gases de laboratório, indispensáveis para a realização de testes com equipamentos cromatográficos, espectrofotómetros, testes de composição química, etc, etc…»
Em termos práticos são gases utilizados na indústria para, por exemplo, confirmar uma cor, calibrar a mistura e, no final, a analisar com absoluta precisão. «São gases que funcionam como calibradores em equipamentos que vão da injeção de plásticos às soldaduras e às pinturas, ou ao embalamento a vácuo de fruta ou outros alimentos. Neste caso trata-se de um gás alimentar, perfeitamente inócuo para a saúde, que ajuda a manter a fruta, a carne ou o peixe em melhor estado de conservação durante mais tempo».
Para isso estão a nascer duas fábricas nos terrenos ao lado do atual edifício, em parceria com empresas japonesas, num salto empresarial só possível «graças à confiança depositada por alguns clientes, como é o caso da KTM, uma empresa de enorme peso internacional e que, pelo facto de nos escolher como parceiros, confirma que tudo o que fizemos, fizemos bem». Uma parceria interessante que ajuda a abrir portas internacionais e que «depois das primeiras 10 mil máscaras, já receberam mais 5000 e agora, depois de uma paragem das fábricas devido aos feriados locais, o envio será semanal estando mais de 100 mil máscaras prontas para seguir viagem».
Pode até nem ser um número muito elevado em termos de volume, mas é uma importante mais valia para a Medika, até pela margem superior e pela regularidade de clientes muito importantes como a Cruz Vermelha, a Polícia ou o Parlamento na Áustria, além de todas as escolas que usam os testes da empresa portuguesa. Um trabalho cujo real valor é pouco conhecido até pelo perfil muito discreto da Medika, e que poderia ganhar outra dimensão «a concretizar-se o projeto de vacinação total da KTM. Algo que só ainda não foi concretizado por problemas legais complicados de ultrapassar devido aos acordos da União Europeia. O estado de Salzburgo (um dos 9 que compõem a república federal da Áustria) não pode sobrepor-se à lei do país. Estava tudo aprovado para a aquisição de 500 mil vacinas, mas, entretanto, os problemas legais surgiram e atrasaram aquela que seria a primeira vez que uma empresa venderia as vacinas na Áustria a particulares. Agora está tudo dependente da liberalização do mercado das vacinas para se concretizar, até porque as vacinas já estão encomendadas e a Medika tem 12 gabinetes a fazer testagem na Áustria, com equipas clínicas, incluindo naturalmente médicos, e que estão aptas a fazer a vacinação. Mas se vai acontecer ou não…»