Reviver o passado com uma Honda MB-5, no Porto.

  • Texto: Alberto Pires
  • Fotos: Alberto Pires e Paulo Ribeiro

Há motos inesquecíveis. A Honda MB-5 é uma delas, pelo conjunto de memórias que desencadeia quando a vemos, ou simplesmente ouvimos. É um novelo curioso, tão intrincado quanto distinto, que, ao ser desenrolado, nos transporta para locais, amigos e situações da nossa adolescência, tão ricas de anseios e imprevistos quanto difíceis de imaginar pela nova geração mergulhada no Wi-Fi.

A Honda MB-5 não deixou ninguém indiferente quando surgiu nos finais de ’79. Eram tempos de mudança, de enorme evolução tecnológica e singularidade estética. Cores, linhas, grafismos, periféricos e opções mecânicas faziam parte da identidade de cada construtor, afirmando a sua personalidade. Como se não bastasse, eram também acusticamente identificáveis.

A Honda não se poupou a esforços na sua criação, inovando a todos os níveis e dedicando-lhe uma atenção nos detalhes que só se explica se considerarmos que estava a pensar no crescimento e evolução motociclística de todos os que com ela contactassem. Só quando comparamos com as restantes 50’s da época é que percebemos a dimensão do que foi proposto.

O quadro era distinto de tudo o que foi feito, era parte integrante do design e permitia valorizar a presença do motor. As jantes eram Comstar, num configuração minimalista de apenas três braços, o depósito encaixava nas linhas definidas pelo quadro e para permitir acomodar 9 litros de capacidade prolongava-se por debaixo do banco em quase toda a sua extensão. O motor, pintado de preto, tinha uma culassa de dimensões generosas, com o formato das aletas a conduzirem o fluxo de ar para o zona de maior aquecimento. Os amortecedores tinham uma inclinação mais acentuada que o vulgar, reforçando a linha oblíqua do quadro, mas pintados de preto para diminuir a sua presença. O painel de instrumentos estava inserido num bloco rectangular, rompendo com os tradicionais mostradores cilíndricos, e o farol traseiro emergia do remate do banco, com formas generosas, em linha com outros modelos de maior cilindrada da marca.

A Honda nunca foi de grandes compromissos, olhando para cada mercado com a atenção devida e criando modelos capazes de cumprir com os seus requisitos legais. Como estávamos num momento de grande independência legislativa, ainda longe da uniformização atual, foram várias as MB produzidas. Relativamente ao motor, foram feitas com caixa de 4, 5 e 6 velocidades. Por causa das diferentes licenças de condução e dos limites de velocidade inerentes, as limitadas debitavam 2,5 cv e as ‘full power‘ 7 cavalos. Em alguns países eram vendidas com uma pequena carenagem dianteira, noutros sem carenagem, umas vezes com ‘avanços’, outras vezes com guiador elevado. A versão para os EUA, país em que foi comercializada apenas no ano de 1982, era a menos interessante, com banco mais curto, sem poisa-pés, sem carenagem e com um guiador desapropriado.

As MB-5 foram importadas para Portugal através da IBA apenas em 1981, e no Porto eram comercializadas pelo subagente ‘Santos da Kawasaki‘, numa configuração interessante, com caixa de 6 velocidades e sem limitações, debitando 7 cv. Foi uma sorte! Como a Honda não gosta de fazer as coisas pela metade, as versões limitadas para alguns países da Europa tinham um restritor no início do escape, no cilindro, na ligação entre a caixa do filtro de ar com o carburador e um CDI específico. Na maioria dos casos com apenas 5 velocidades e na Holanda sempre com 4. Ou seja, se importarem uma unidade tenham em atenção de que versão é que trata!

Em meados dos anos ’80 fiz cerca de 300 km com a MB-5 de um amigo, o Mário Silvares. É curiosa a distorção que o tempo provoca na memória. Sempre me pareceu que era muito rotativa e que andava que se fartava, mas se calhar não era bem assim. Na que andei agora, apesar de ter vindo da Alemanha, ter apenas caixa de 5 velocidades e ser originalmente limitada, por ter já tinha sido alvo de recondicionamento está próxima da versão ‘full power’, e o que proporciona não é tão emocionante quanto me recordava. Não perdeu contudo a magia de me fazer recuar no tempo. A suavidade do funcionamento do seu motor, numa quase ausência de vibrações graças à inclusão de um veio de equilíbrio, a leveza do acionamento da caixa de velocidades e o acordar do motor assim que chegávamos às 6.500 rpm mantém-se, sendo devidamente envolvido por uma sonoridade rouca e distinta, gargarejando a baixa rotação e subindo de frequência sem perder a personalidade com o aumentar da rotação.

A posição de condução é curiosa, os avanços aproximam bastante as mãos e parece que vamos sentados numa tábua, já que o depósito de combustível está ao nível do assento e não sobressai lateralmente. A leveza própria de uma 50 cc é multiplicada pela rapidez da direção, de maneira que ficamos livres para nos dedicarmos exclusivamente a olhar para a agulha do conta rotações e para as irregularidades da estrada. As jantes Comstar são tão bonitas quanto frágeis e passar pelas crateras das tampas de saneamento ou em zonas de empedrado mais irregular era quase criminoso. Pior apenas as cavaladas, sobretudo na fase da aprendizagem. Recordo-me de as ver nos anos ’80 com empenos superiores a 5 cm, como se fossem pás de ventoinha. Havia quem as desempenasse, ficavam melhor, mas nunca mais eram a mesma coisa!

O travão de disco era outro dos detalhes altamente valorizados. Era muito menos eficaz que o tambor dianteiro de uma DT 50 MX, mas paciência! Se fôssemos dar uma volta ao fim da tarde pela zona da Foz, no Porto, era garantido que encontraríamos uma enorme variedade de 50’s, nomeadamente RD’s, DT’s, RG’s e seguramente MB’s. Se estivessem paradas no passeio era fácil identificar os donos porque estavam com o AGV no braço, e se a volta fosse pequena provavelmente lá continuariam. Fazer a Marechal Gomes da Costa em direção à Foz tinha um bónus no final.

Era a descer, dava para esgotar, obrigava depois a travar, reduzir pelo menos uma e entrar um pouco no arame na rotunda da Praça do Império, o que era sempre um momento de algum ‘frisson’. Como o trânsito era muito reduzido na época, dava para contornar depressa (feita a fundo, em conversa com os amigos…) e entrar novamente na Marechal! Hoje diria que é um disparate, ontem – porque, afinal, só passaram cerca de 40 anos – foi mesmo bom !

Fiquem com o som, único, da MB-5 !

O João Claro é o proprietário desta Honda MB-5. Numa das suas pesquisas pelos sites internacionais de usados ficou surpreendido por estarem a pedir 3.000 € por uma MB-5. Abriu o anúncio e a razão estava na sua quilometragem, cerca de 50 km apenas. Foi o que tinha andado até cair para o lado, com o jovem que a conduzia, a quem o pai proibiu de voltar a andar nela. Passados mais de trinta anos parada foi colocada à venda, ainda com a manete da embraiagem partida e o punho esfolado. O João não perdeu a oportunidade e mandou-a vir para Portugal !

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