O regulamento técnico do Mundial de Superbike vai levar a maior reviravolta dos últimos tempos. DORNA, FIM e construtores lograram um improvável consenso tendo em vista a sustentabilidade do campeonato, olhando para a segurança, espetáculo, equilíbrio e ambiente. Sem a contestação que seria de esperar, as marcas e equipas estão já a trabalhar nas diferentes estratégias que poderão ensaiar já nos primeiros testes de pré-época, que terão lugar no mês de novembro, logo a seguir ao final da temporada de 2023, colocando em prática as alterações ao regulamento de Superbikes.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK, Yamaha Racing, Ducati Corse e Fernando Pedrinho

Tratando-se de um regulamento dinâmico, com ajustes pontuais sempre que necessário, restará saber se a fórmula que visa maior equilíbrio de prestações de motos e pilotos irá funcionar sem mácula. Para já, a ideia que fica é que quem alinhar no campeonato, seja com que moto ou equipa for, poderá pensar em lutar pelo pódio e pela vitória graças ao novo regulamento de Superbikes.
Mudanças em prol do espetáculo
Já há muito que os pilotos mais altos e pesados, com Scott Redding à cabeça, vinham a clamar por mudanças na parte técnica do regulamento de Superbikes. Alterações que permitissem colmatar a diferença de peso para os pilotos mais leves, como Álvaro Bautista ou Michael Ruben Rinaldi. Havendo sempre quem defenda, ou ataque, esta aproximação ao problema, foi com alguma surpresa que a DORNA (promotor do campeonato, FIM (Federação Internacional de Motociclismo) e a MSMA (a associação dos construtores) anunciaram as mudanças que irão entrar em vigor já em 2024 (algumas delas, pelo menos).

Curiosamente, algumas das regras não são gravadas na pedra ou perfeitamente lineares, dado que permitem ajustes, se os objetivos do espetáculo em pista não forem cumpridos. Por outro lado, as mesmas foram definidas de uma forma que as equipas (e não exclusivamente as marcas) poderão optar por diferentes estratégias para se enquadrarem na moldura do regulamento técnico. E isto é uma abordagem ao problema totalmente distinta dos últimos 30 anos, onde a maior progressividade de nivelamento de prestações se deu ao nível da limitação do regime máximo de rotações do motor. Ou seja, o que nos espera nos próximos anos é um regulamento dinâmico e adaptativo, em vez de um conjunto de regras fixas que pode perpetuar distorções.
Restará saber como compreenderá o público tudo isto, se bem que para este, o mais importante é ver um bom espetáculo em pista, com um espectador a ir ver uma corrida na esperança de que uma moto idêntica (de marca, modelo e aspeto) possa bater-se pela vitória.

Recuperar o equilíbrio no novo regulamento de Superbikes
Por outro lado, isto vem em socorro de marcas como a Kawasaki, que pouco ou nada fizeram para atualizar os seus modelos, em detrimento de todas as outras que não pararam de fazer sair novos modelos (como a BMW e Honda) ou novas evoluções (Ducati e Yamaha). É importante referir que as marcas perceberam a necessidade de um campeonato equilibrado, que possa motivar qualquer construtor a entrar e perceber que pode lutar pela vitória.
E o mesmo se aplica à Ducati, uma das casas que mais apostou nesta fórmula (a par de Honda e BMW), pois o desinteresse de outros fabricantes – e o potencial abandono da série mais importante para modelos de venda ao público – poderia deixá-la como uma vencedora solitária e sem o reconhecimento público desse feito – perante o risco de desinteresse num campeonato que não tem parado de atrair pilotos, equipas e espectadores. Afinal não é à toa que esta fórmula é a que leva um campeonato desta dimensão a uma proximidade com o seu público que é inimaginável no MotoGP, o seu congénere dedicado a protótipos.

Mas vejamos, então, o que vem por aí em termos de alterações.
Controle do caudal de combustível
Esta é uma das surpresas do regulamento mas não tem um resultado prático evidente, para já, uma vez que a obrigatoriedade desta regra só entrará em 2025. A ideia tem por base a proteção ambiental por via da redução das emissões de escape. Assim, em lugar dos antigos restritores de admissão, o regulamento poderá ir numa direção de limitar, progressivamente, a alimentação de combustível, porventura com base na emissão de gases de escape por distância percorrida (medindo-se a massa de combustível consumida por corrida).

Para já, em 2024, cada marca verá duas das suas motos equipadas com um medidor de caudal de combustível que irá registrando os consumos em cada corrida. Isso permitirá validar o conceito e definir os valores para a época seguinte.
Mas está na cara que o controle de prestações será efetuado através do fluxo de combustível para o motor, a partir de 2025. E notem que menos gasolina, significa prestações reduzidas. Mas há uma parte que diz que as motos serão mais fáceis de conduzir e terão mais tração, pelo que os tempos por volta poderão não ressentir-se de uma forma tão marcada como o antecipado.

Redução da capacidade do reservatório de combustível
Praticamente, todas as Superbike atuais beneficiam de reservatórios de 24 litros de capacidade. Isto representa, por exemplo, mais sete litros do que uma Kawasaki ZX-10RR ou uma Panigale V4R, matriculáveis, comportam nos seus tanques.
Para 2024, o valor máximo irá ser reduzido em três litros, para um total de 21, o que obrigará as marcas a terem de controlar o consumo das suas máquinas, particularmente nalgumas pistas onde o risco de ficarem sem gasolina antes do final da linha de chegada poderá ser uma (nova) realidade. Pensem em circuitos como o Motorland Aragão ou Assen, por exemplo, onde as motos passam bastante tempo com o acelerador totalmente aberto.

Peso combinado
Esta é a regra que mais tinta fez correr até aqui. Contudo, as três partes envolvidas não lançaram, oficialmente, o modo como será feito. O que sabemos é que não será uma regra linear onde, por absurdo, um piloto poderia ver adicionados 10, 20 ou mais quilograma de diferença na sua moto. Isto porque uma moto é um veículo com uma dinâmica totalmente distinta de um automóvel e simplesmente não se pode adicionar lastro sem um impacto no seu desempenho.
O que sabemos, para já, é que o peso mínimo de cada moto se manterá nos 168 kg. Quanto à diferença de peso dos pilotos, tomou-se como referência que um piloto totalmente equipado, isto é, com fato, luvas botas e capacete, pesará 80 kg. Então, por cada quilograma de diferença para esta referência, um piloto mais leve verá acrescido o lastro em meio quilograma. Na prática, pilotos como Álvaro Bautista verão um peso acrescido na moto de entre cinco a seis quilograma.
Esta regra poderá alterar-se, no futuro, um pouco em linha com a dinâmica que o novo regulamento técnico das Superbike pretende incutir. Note-se, contudo, que todos os construtores aceitaram a regra, incluindo a Ducati, que à partida será a mais penalizada pelo peso pluma dos seus pilotos oficiais.

Limite de rotação
Tal como até aqui, no início da época de 2024 cada marca saberá qual o limite de rotação que não poderá exceder. A maior diferença, contudo, é que ao longo da mesma não haverá redução deste valor (como aconteceu com a Ducati este ano, por exemplo) a menos que uma marca que esteja sob um regime de super concessões (condições especiais para recuperar competitividade), se mostre de repente mais rápida que as demais. Nesse caso, a concessão será mantida (um componente novo, por exemplo), mas haverá um nivelamento do regime máximo, naturalmente para baixo. É este o único caso em que um regime de rotação poderá ser modificado ao longo da época.
A Ducati já se sabe que vai voltar ao regime de rotação com que iniciou a época de 2023, ou seja 16.100 rpm, ainda assim abaixo do valor da moto de estrada (16.500 rpm). Já os restantes parecem ter declarado que manter os valores com que iniciaram a temporada.

Cambota e veios de excêntricos aligeirados
O peso da cambota e dos veios de excêntricos poderá ser aligeirado (ou aumentado) em 20% face ao valor declarado na ficha de homologação. Ou seja, o valor pesado pela FIM e que deverá fazer parte do ‘kit’ de peças homologadas para cada modelo pelo respetivo fabricante.
Até aqui, o intervalo era de 3%, pelo que se pode entender que a FIM e DORNA interiorizaram os diferentes conceitos e ‘timings’ de evolução das marcas, como já acima mencionei. Ou seja, em vez de a BMW ter de apresentar uma nova M1000RR a cada dois anos, por exemplo, com um custo associado de desenvolvimento, marketing, produção e logística de peças, o que se procura agora é tornar as motos de pista algo mais próximas das versões de estrada que servem para a sua homologação. E a questão não é tanto a potência de cada modelo, mas como a mesma pode ser utilizada.
Na busca da tração perfeita
Já perceberam, porventura, que Toprak Razgatlioglu não ganhou a segunda corrida de Portimão, nem a Superpole Race não pelo fato de a sua YZF-R1 não ter potência suficiente face à Panigale V4R de Álvaro Bautista. Mas antes poque a roda traseira da sua Yamaha não parava de patinar em busca de tração por parte do Pirelli. Por isso, vimos Álvaro a sair melhor da última curva e a passar o piloto turco por dentro, na Superpole Race, ou por fora, na corrida 2. Simplesmente porque tinha melhor tração, mesmo sendo mais leve.

Ou seja, o que se pretende é dar uma maior margem de manobra de atualização aos fabricantes para melhorarem alguns dos pontos mais débeis dos seus modelos, face à concorrência, sem terem de acarretar o custo oneroso de homologação de um novo modelo, que obriga a uma série mínima de unidades fabricadas.
A regra tem deverá ser entendida num intervalo de tempo de cinco anos. Isso poderá ser aproveitado por um fabricante como a Kawasaki, para ir ‘massajando’ algumas destas peças para conseguir um pouco mais de aceleração. Ou para a Yamaha trabalhar um pouco no campo da tração mecânica. Ou para a Honda tornar a Fireblade uma moto mais fácil de pilotar. E oxalá, pudesse alguém pegar na GSX-R1000R da Suzuki e trazê-la de novo para o campeonato, beneficiando destas melhorias ‘low cost’.

Super concessão e peças de concessão
Em prol do equilíbrio de prestações e para que cada fabricante, ou equipa, acreditem que têm hipóteses de lutar pela vitória, as marcas com piores resultados poderão beneficiar de um regime de super concessão que será aprovado um mês antes de cada prova e detalhado 14 dias antes do dia da respetiva verificação técnica. Isto traz maior liberdade, já que dispensa a necessidade de descrever as peças incluídas sob o regime de super concessão no regulamento técnico da FIM para as Superbike.
Ou seja, Honda e BMW, por exemplo, podem solicitar a utilização de certos componentes e peças ao abrigo desta super concessão. Mas assim que os resultado aparecerem e, por absurdo, as suas moto se tornassem dominadoras, a super concessão será revista a cada dois meses, ou poderá mesmo acontecer uma diminuição do regime máximo de rotação, caso o componente, ou componentes, especial seja mantido.

A cada um, a sua estratégia
Tudo isto poderá parecer um pouco confuso, inconsistente e complicado de controlar e medir. Em parte é verdade, porque em vez de um regulamento rígido, traçado com regra e esquadro, a nova versão dá às marcas e equipas a possibilidade de traçarem as suas estratégias de competitividade e eficiência energética da forma que melhor decidirem.
Mas porque não ficaram as regras com que todos se vão coser definidas mais cedo? Simplesmente porque as marcas, e a própria FIM, pediram um pouco mais de tempo para digerirem tudo isto e prepararem-se já para os testes de Novembro da forma a acharem mais conveniente e de acordo com os seus objetivos. É por isso que poderão ver uns a optarem por trabalharem nas peças móveis (cambota e veios de excêntricos), outros a adicionarem balastro, e outros ainda a reverem os limites de rotação para 2024.
A próxima reunião tripartida da Comissão de Superbike, a realizar em 28 de Outubro, a coincidir com a última prova deste ano, trará seguramente mais luz e definição sobre o assunto.
