A Kawasaki ZX-10RR Ninja ainda tem margem para vencer?

  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Fotos: WorldSBK, Kawasaki Racing, Fernando Pedrinho

A resposta é sim! Mas pouca, muito pouca, e é cada vez menor. As Yamaha oficiais estão cada vez melhores e os seus pilotos cada vez mais consistentes. A Ducati Panigale V4R, afinal de contas, parece que ainda é competitiva, com um Scott Redding que se ‘redescobriu’ em termos de pilotagem. E as BMW vão, paulatinamente, encurtando o espaço para as motos verdes oficiais.

Ainda assim, Jonathan Rea não pára de bater recordes. Em Navarra subiu ao pódio pela 162ª pela marca de Akashi. Tom Sykes fez o mesmo pela ‘Kawa’, mas ‘apenas’ em 107 ocasiões, e Carl Fogarty fê-lo em 100 episódios pela Ducati, enquanto Chaz Davies repetiu 89 ocorrências pela marca de Bolonha. Além disso, somou mais de 8.000 quilómetros a liderar corridas, quase o dobro de Sykes (4.684 km) e de Noriyuki Haga (4.524 km). Além disso, foi o primeiro a passar a marca dos 5.000 pontos, em Most, superando largamente os 4.021,5 alcançados pelo já retirado Troy Corser.

A concorrência aperta, corrida a corrida!

Calor não é a ‘praia’ da Ninja

Obviamente a ZX-10RR Ninja da Provec ainda é uma arma letal, particularmente nas mãos do norte-irlandês, com a qual conquistou seis títulos consecutivos. “Ainda consigo tirar total partido dos pneus, como viste na ‘superpole’”, dizia-me Jonathan Rea, “mesmo tendo falhado o vértice de algumas curvas e ‘queimado’ outras”. Rea alcançou assim a sétima pole consecutiva numa época, algo que só Ben Spies conseguiu, em 2009, no seu ano de estreia.

“Em Navarra, na primeira corrida, o Scott arrancou melhor do que eu mas senti que podia ir para a frente da corrida com muita facilidade, até porque ele estava a passar muito largo nas curvas cinco e seis”. O natural de Ballymena parecia poder garantir mais um triunfo, mas o pneu dianteiro assim não quis. “Aqueceu muito, com a frente a tornar-se instável e a mexer demasiado. Estava a abusar da frente e tive umas escorregadelas bem visíveis que me fizeram perder a posição da frente e a ter de travar mais cedo. O Scott ficou na frente mas vi que ele não nos estava a destruir e a diferença era constante”.

Respeito mútuo, apesar da feroz concorrência na pista.

Sobrecarga no pneu dianteiro

“O problema está na carga que a moto coloca no pneu dianteiro. Quando liberto a manete direita a traseira empurra a moto e a atuação intermitente do travão motor ora alivia, ora carrega a frente. E nestas temperaturas [asfalto perto dos 50ºC] não é preciso muito para desestabilizar a direção da moto quando se está a pilotar no limite”. A ZX-10RR não é uma moto que digira muito bem os ressaltos do asfalto, para nossa surpresa. “Bom, a pista de Navarra não tem bossas. Aquilo são saltos de motocrosse! Na curva cinco se sais largo é uma loucura. E passares a 200 km/h? Pode ser bonito de ver na televisão em câmera lenta mas em cima da moto é um susto. Eu entro muito direito para não a inclinar [a lembrar Giancarlo Falapa], num estilo clássico e só dou por mim a pedir que a televisão não esteja a filmar porque devo parecer um cagalhão em cima da moto (risos)”.

A levantar vôo rumo ao hepta?

Do Japão não chega nada de novo!

Após os testes de Barcelona que antecederam a passagem por Navarra, o que está a mudar na ZX-10RR? A base é a mesma do início do ano? Em que sentido aponta o desenvolvimento da moto? “(pausa) Voltámos à base em termos de afinação de suspensão. Debaixo do calor estamos a rever a rigidez da moto e estamos a investigar alguns componentes da parte ciclística sob essa perspetiva. Onde temos de trabalhar é no excesso de carga que a moto coloca sobre o pneu da frente. Ao nível do motor demos um passo em frente com o que aprendemos em Barcelona, mas há que melhorar a capacidade de fazer parar e virar a moto”.

De certa forma, Jonathan e Pere Riba congelaram parte do trabalho desenvolvido em Barcelona. “Estou lixado por não conseguir andar na frente quando faz calor, apesar de ser consistente. Houve áreas em que melhorámos aquilo que era a nossa base com o que testámos em Barcelona, mas temos de refletir sobre algumas escolhas. De sexta para sábado voltámos a mudar muita coisa na moto… Não temos muito mais para explorar! Não vamos receber novos componentes para testar. Na verdade, até já me esqueci da última vez que a Kawasaki nos mandou material novo. Chega muito software para o motor, a Showa tem trabalhado muito nas suspensões, mas os testes resumem-se a testar diferentes equilíbrios do quadro e não há nada de espetacular em termos de peças novas. Lembro-me que no início da época experimentámos diferentes mapas de injeção preparados pelo Davide Gentile [engenheiro da parte eletrónica da moto de Jonathan], mas fora isso é gerir o que temos e trabalhar no equilíbrio da moto.”

Uma ZX-10RR nem sempre fácil de fazer virar.

“Não consigo andar com o Pirelli SC1 na frente”

Para o calor intenso de Navarra, Pere Riba tornou a moto mais macia. “Mas ainda sinto dificuldades e a Ducati do Scott estava bem melhor. O Toprak no sábado também se viu aflito. É aquele tipo de fim-de-semana no qual, por mais que tentes, nunca vai conseguir ter a moto perfeita”. Scott Redding utilizou o Pirelli SC1 na frente, enquanto Rea e Sykes, por exemplo, optaram antes pelo A0721, que é um desenvolvimento do SC1, mantendo a carcaça mas utilizando um composto de borracha ainda mais macio. “Eu não consigo pilotar a moto com o SC1 na frente, pois não gosto da sensação que me transmite.”

À espera de novos componentes do Japão?

A corrida de Domingo, de novo debaixo de calor, revelou as dificuldades da ZX-10RR nestas condições, com Jonathan Rea a candidatar-se a recordista de maior número de vezes ‘ao papel’ em corrida. Para minha surpresa, o norte-irlandês disse ter tido “mais margem de manobra. Mas o Toprak deu um grande passo em frente e o ritmo da corrida foi mais rápido. Lutei, lutei e lutei durante dez voltas à espera que os pneus da Yamaha perdessem rendimento, mas isso não aconteceu. Perdi o ‘feeling’ da frente, que começou a escorregar. Tive um momento crítico na última curva quando passei por cima de algo que me pareceu uma cavilha, e depois tive outro na curva 13. Foi um fim-de-semana duro para todos, com toda a gente a escorregar mas acho que fomos os mais penalizados. Vim para Navarra à espera de perder muitos pontos. Cheguei com três de vantagem e saio empatado com o Toprak. Podia ter sido muito pior”.

O ‘quartel general’ reunido. Buscam-se soluções!

À sétima ronda o campeonato está empatado, com o terceiro cada vez mais perto dos da frente. “Isso mostra que ninguém está verdadeiramente a dominar este ano”, confirmou Jonathan. “Cometi alguns erros esta época que me custaram muitos pontos. Temos pela frente circuitos que se adequam mais à nossa moto, outros à Ducati e outros ainda à Yamaha. Acho que estou a pilotar melhor do que nunca e com uma margem de erro que é fina como um cabelo”.

E onde pode a ZX-10RR dar uma ajuda a Jonathan? “A Kawasaki consegue ser boa nas mudanças de direção e é muito estável. Em Navarra perdemos muito na reta porque tínhamos de acelerar desde primeira velocidade. Em Magny Cours, Barcelona e Portimão há muitas curvas longas de terceira velocidade de acesso às retas que se adequam mais à nossa moto, ao contrário das pistas de ‘stop and go’. No Estoril, por exemplo, não perdíamos muito porque a Ninja conseguia uma boa velocidade na parabólica de acesso à reta da meta. As curvas de primeira velocidade são, sem dúvida, um ponto fraco para nós. É algo para trabalharmos na transição para a próxima época”.

Quantas vezes mais conseguirá Rea erguer esta placa até ao final da época?

E a Ducati? Que potencial tem para ainda lutar pelos lugares da frente? “O Scott é um piloto com mais de oitenta quilos, ao contrário dos 59 quilograma do Álvaro, e está a andar muito rápido. A Ducati tem feito um bom trabalho. A nossa moto é melhor noutras áreas. O que é algo frustrante é tu fazeres uma volta perfeita e chegas à reta e não tens armas para lutar com a aceleração da Panigale V4R”, rematou Jonathan.

E ter o Álvaro de novo na Ducati? “Pffff, prefiro antes as lutas com Scott do que com ele… refiro-me às retas, está claro (risos)”. E ter Toprak, Redding na BMW, Bautista de volta à Ducati, e talvez Sykes e Davies na Honda? “Vai mudar alguma coisa?… eu conto-te um dias após bebermos umas boas ‘bejecas’ de enfiada”.

Alex Lowes ‘entretido’ com o seu ex-companheiro de equipa, Michael van der Mark

“Esperava que levássemos uma abada da Yamaha”

Mas não podemos esquecer Alex Lowes, que continua a aprender como pilotar a Kawasaki como faz o seu experiente companheiro de equipa. Ele, tal como Locatelli, está logo atrás do trio da frente e à mínima falha de um deles pode subir ao pódio. “Navarra é uma pista estreita, com muitos ressaltos a que se juntou o muito calor”, referiu o britânico. “Como só há uma linha de trajetória é difícil manter toda a gente junta, o que pode resultar numa corrida algo aborrecida, como aconteceu no sábado. Mas eu gosto do traçado da pista, que acho muito divertido”.

Voltando à questão essencial: a Kawasaki ainda tem alguma vantagem para as suas adversárias, ou ela pura e simplesmente esfumou-se face aos progressos da concorrência? “Depois do que vimos no teste nesta pista, foi para mim uma surpresa ver o Jonathan andar como andou e acabar na frente das Yamaha em duas corridas, que esperava tivessem um passo à frente de toda a gente durante todo o fim de semana.

Os gigantones navarros vieram para dar uma ajuda à Kawasaki?

O fator pneus ultramacios e estáveis

“(longa pausa) A nossa moto faz tudo bastante bem, mas não registámos qualquer progresso numa área específica. Quando corria noutras motos [Yamaha e Suzuki], as Kawasaki estavam sempre entre as mais rápidas. Mas com a chegada das novas Ducati, BMW e Honda nos últimos anos, estas melhoraram muito em velocidade de ponta. Já a Yamaha é muito semelhante à Kawasaki. O que mudou foi que este ano passámos a correr com pneus ainda mais macios, como o SCX traseiro que é o muito mais brando do que qualquer outro alguma vez utilizado em Superbike. Paradoxalmente, estes pneus não perdem rendimento e o tempo por volta consegue ser consistentemente rápido. Ou seja, motos que mudem bem de direção, ao contrário da Kawasaki, conseguem ter mais aderência no limite do pneu e assim ter uma performance mais elevada. No passado não se conseguia fazer mais de doze voltas com pneus tão macios, pois havia uma altura em que tinhas de levantar a moto mais cedo e o tempo por volta caía. Isso já não acontece hoje em dia e pode-se pilotar estas motos com um estilo mais fluido, como numa supersport, porque os pneus o permitem sem perder rendimento em algum ponto da corrida”.

Esquadrão Ninja. Lowes (22) quer ajudar Rea nas corridas que faltam até ao final da temporada.

“O estilo ‘Tom Sykes’ acabou”

“Ou seja, o estilo ‘Tom Sykes’ de travar tarde, estar no bordo do pneu o mínimo de tempo possível e disparar em aceleração à saída de curva… isso acabou! A Kawasaki é forte na travagem, estável em aceleração, mas perdemos em comparação com as outras motos em curva. Por isso, se os novos pneus dão à nossa concorrência a necessária aderência e capacidade de tração [à saída] em curva, ficamos sem uma solução para dar resposta e é com isto que nos deparamos de momento. Há três anos atrás o Pirelli SC0 era o pneu traseiro macio existente, face ao mais duro SC1. Atualmente já ninguém utiliza o SC0! Os pneus tornaram-se ainda mais macios e simultaneamente estáveis. E é nesta nova realidade que temos de extrair alguma coisa mais da ZX-10RR”.

Navarra tinha uma dificuldade adicional, como me explicou Alex. “Eu gosto desta pista, mas como só tens uma trajetória, é difícil ultrapassar. Se não consegues passar o adversário na reta, corres o risco de o atirar para fora da pista ao tentar noutro lugar. É essa pilotagem que faz os pneus perderem rendimento nalguma fase da corrida, o que aumenta ainda mais a possibilidade de um erro e até de ires parar ao chão. Após as primeiras três voltas a corrida fica bastante complicada”.

Os pneus ultra macios vieram equalizar a diferença que separava a ZX-10RR das adversárias.

A vantagem já não é o que era dantes

Mas a vantagem da ZX-10RR já não é o que era. “Quando vês um matulão como o Scott, que deve pesar uns dez quilos mais que Jonathan, a passar por ele na reta antes de meter quinta, torna a corrida dele bem mais fácil! Não digo que foi por isso que ele ganhou as duas corridas, porque ele andou muito bem todo o fim-de-semana, mas as motos da concorrência estão cada vez melhores. Vai tornar a nossa vida mais difícil, mas é bom para os fãs e para o campeonato”.

Um ponto onde a ZX-10RR e Alex melhoraram foi o arranque. “Sim, ensaiámos muito no Inverno”, referiu o natural de Lincoln. “A maneira de arrancar desta moto é totalmente distinta das Yamaha anteriores e requer uma técnica diferente. Andei um pouco perdido nas primeiras provas do ano passado, mas assim que dominei o procedimento tenho rubricado boas partidas, o que ajuda bastante na corrida”.

Comments are closed.