“Os portugueses são fantásticos”
Maio 16, 2021
Quem o diz é Winfried Kerschhaggl, o austríaco que, ao longo de uma importante carreira no seio da KTM se cruzou com pilotos como Joaquim Rodrigues JR, Rui Gonçalves ou Miguel Oliveira. E que agora, como promotor do Campeonato do Mundo de Hard Enduro tudo fez para salvar a Extreme XL Lagares. Uma ligação muito…

Quem o diz é Winfried Kerschhaggl, o austríaco que, ao longo de uma importante carreira no seio da KTM se cruzou com pilotos como Joaquim Rodrigues JR, Rui Gonçalves ou Miguel Oliveira. E que agora, como promotor do Campeonato do Mundo de Hard Enduro tudo fez para salvar a Extreme XL Lagares. Uma ligação muito forte a Portugal que começou, imagine-se, no século XIX

Começou por cima na indústria das duas rodas entrando para a direção executiva da KTM Sportmotorcycle AG, Áustria, «trabalhando diariamente e ao longo de vários anos com Stefan Pierer, responsável máximo da marca, antes de ser nomeado como Diretor de Marketing, responsável por todo o mercado mundial». Foi neste cargo que nos cruzamos em várias ocasiões, onde o enorme profissionalismo se aliava a uma forma de divertir-se mais condizente com os povos do sul da Europa. Foi, mais tarde, o responsável pelo planeamento a médio/longo prazo da evolução da gama KTM, gizando as diretrizes de uma marca que começava a crescer muito em todo o Mundo.
Mas Winnie, como é conhecido pelos mais próximos, até podia ter nascido em Portugal, País com quem possui uma ligação histórica de peso. «O tio-avô Frederico Welwitsch, naturalista a botânico que viveu no século XIX, passou por Portugal entre 1839 e 1853, sendo conservador do Museu e Real Jardim Botânico da Ajuda de 1840 a 1844. Depois esteve em África durante quase uma década, até 1961, existindo uma planta, descoberta em Angola (mais concretamente no deserto de Moçâmedes, atual Namibe) cujo nome Welwitschia mirabilis foi atribuído em sua homenagem».

Mas, voltando à história que aqui nos traz, em setembro de 2005, a morte de Rod Bush, Diretor Geral da KTM North America, levou Winnie a rumar aos Estados Unidos para ser o vice-presidente na equipa que passou a ser liderada por Jon-Erik Burleson. Foi nesse cargo, e como responsável pela parte desportiva da KTM USA que se cruzou com Joaquim Rodrigues Jr, já de malas aviadas para a Honda.
O austríaco recorda o jovem crossista barcelense como «alguém que sempre soube muito bem o que queria, extremamente obstinado, tendo lutado imenso para chegar onde chegou. Saiu da KTM quando estava a chegar ao Estados Unidos mas foi-me apresentado como alguém com enorme potencial. Tinha uma técnica excelente, uma grande sensibilidade com a moto mas, acima de tudo, era imensamente focado nos seus objetivos. E queria ganhar que é o mais importante quando se fala de um piloto». Acompanhou muitas corridas do Campeonato Americano de Supercrosse e Motocrosse e lamenta «o acidente que sofreu no depois de sair da KTM, um azar que ninguém merece, muito menos alguém que teve a coragem de, sozinho, atravessar o Atlântico para perseguir um sonho».

Kerschhaggl voltou à Europa em abril de 2007 para assumir a responsabilidade máximo de toda a estrutura desportiva da KTM, liderando Pite Beirer (Off Road), Harald Bartol (velocidade) e Kurt Nicoll (EUA). Gerou um maior envolvimento mundial da Red Bull Rookies Cup (que alargou ao continente americano), defendeu o apoio a equipas privadas e esteve por detrás do projeto de entrada nas Superbikes.
Pelo meio, conheceu, claro está, Rui Gonçalves que, nessa época, foi 11.º no Mundial de Motocrosse MX2 aos comandos de uma KTM da equipa satélite Silver Action. Gostou do que viu e o português ganharia um lugar na equipa oficial para ser 5.º na época seguinte e lutar pelo título mundial de MX2 até à última corrida de 2009. «O Rui Gonçalves é uma pessoa extremamente educada, sempre muito correto e, a verdade, é que merecia ter ganho o título em 2009 até porque era, sem dúvida, dos pilotos mais talentosos com as 250 cc. Além de ser extremamente trabalhador, sempre a procurar evoluir em todos os parâmetros».

Acabou por ser vice-campeão do Mundo, depois de vencer nas areias holandesas de Valkenswaard, de triunfar perante o seu público em Águeda – na mais emotiva e recordada de todas as suas vitórias – ganhando ainda na Letónia (Kegums) e Suécia (Uddevalla). O problema foi o mau arranque de campeonato, com problemas técnicos e quedas em Itália, Bulgária e Turquia, e a chegada de Marvin Musquin, contratado à equipa privada NGS Honda para substituir o lesionado Shaun Simpson a partir do GP de Inglaterra num caso que até meteu tribunal… O francês, que liderava o Mundial, acabou por sofrer até final a pressão de Rui Gonçalves, autor de um campeonato em crescendo mas, como recorda Winnie, negando que a importância do mercado francês no contexto mundial e sobretudo face a um pequeno País como Portugal tenha tido alguma relevância no caso, «só podia ganhar um, foi pena que não tenha conseguido, mas, para a equipa, foi excelente fazer a dobradinha no Mundial».

Depois da saída da KTM Motorsport, criou a sua própria empresa, que, entre muitas outras funções, servia de elo comunicacional entre a KTM e a FIM. E seria essa empresa a criar o World Enduro Super Series (WESS) reunindo as mais duras provas de enduro do planeta, incluindo, naturalmente, o Extreme XL Lagares. «Foi um desafio lançado pela Red Bull e KTM para desenvolver um conceito que resultou no WESS realizado em 2018 e 2019».
O grande sucesso da fórmula «levou a negociar com a Federação Internacional de Motociclismo a criação de um Campeonato do Mundo de Hard Enduro que deveria arrancar em 2020. Mas que, devido a toda a situação sanitária, acabou por ser adiado para 2021, arrancando aqui, em Portugal, um novo capítulo na história do Hard Enduro». Uma prova recheada de contratempos que acabou por não pontuar para o Campeonato do Mundo numa decisão com responsabilidade totalmente assumida por Kerchhaggl em entrevista exclusiva a MotoX.pt que pode recordar aqui.

Mantendo sempre uma forte ligação à KTM, Winfried Kerschhaggl teve, já depois de estar afastado dos destinos da marca, a oportunidade de conhecer Miguel Oliveira que caracteriza como «uma pessoa extraordinária, tão dedicada ao desporto que é um verdadeiro modelo para muitas pessoas, mesmo para pilotos que são profissionais há mais anos do que ele, mas, sobretudo, para muitos miúdos que sonham com as corridas de motos». Bom como pessoa, ok, já o conhecemos e sabemos dessas e muitas outras qualidades enquanto ser humano. Mas, e como piloto, qual é a opinião?

«Se está na grelha de MotoGP, não pode haver dúvidas quanto às suas capacidades e, a este nível, a forma como consegue trabalhar com a equipa faz uma grande diferença. E claro que pode e vai ganhar mais corridas, tem todas as ferramentas para isso! Rapidez, coragem, frieza e uma leitura de corrida como poucos. Se pode ser campeão? Pode! Tal como uma outra dúzia de pilotos, como vimos no ano passado e que não deverá ser muito diferente em 2021, com corridas muitos abertas quanto à luta pelos primeiros lugares. Está na minha equipa favorita, mas o que desejo mesmo é que seja o melhor a vencer e não que sejam azares alheios ou outros problemas a atribuir o título. Que as corridas sejam decididas nas pistas!»
Partilha este artigo!