“Segundo é o primeiro dos perdedores”! A famosa frase de Enzo Ferrari condena, com brutal ironia, todos aqueles que apenas se aproximam da vitória. Palavras que ouvimos utilizar ao longo do tempo como uma provocação, normalmente após um triunfo esmagador do vencedor do dia. Mas o que é impiedosamente verdadeiro e o que não deve ser levado a sério numa tal afirmação? Vindo de uma personagem como o ‘Dragão’, sempre a competir contra todos com as suas ‘máquinas’, não é demasiado surpreendente e tem um toque peculiar. Mas a verdade é que, entre os eternos segundos classificados, há alguns tão importantes como os reais vencedores.
- Texto: Alex Ricci
- Fotos: MotoGP, WorldSBK, Lisa Daniel Photography, arquivo MotoX.pt
Randy Mamola, o funâmbulo das duas rodas
O primeiro a lembrar entre os eternos segundos é, certamente, Randy Mamola, piloto que passou os melhores anos da sua carreira no Mundial de Velocidade de 1979 a 1992 e, especialmente na classe das 500. Nascido em San José, no Condado de Santa Clara, Califórnia, alcançou um total de treze vitórias na categoria principal, feito que teria sido suficiente para ganhar pelo menos dois títulos mundiais na década de 1980. Mamola (pronunciado com o acento no o), foi um funâmbulo em duas rodas, capaz de números espetaculares em qualquer pista e em qualquer fase de uma corrida, que ficou na história por terminar quatro vezes em segundo e duas vezes em terceiro, acariciando o campeonato mundial sem nunca o ganhar.
Batido por extraterrestres
A primeira ocasião foi na temporada de 1980, com uma Suzuki, quando teve de se render ao ‘marciano’ Kenny Roberts, que estava a ‘preparar’ o seu terceiro título consecutivo, enquanto que em 1981, na mesma moto, terminou em segundo lugar atrás de Marco Lucchinelli, no seu único triunfo na Suzuki da equipa Gallina. O seu terceiro segundo lugar veio em 1984, quando numa Honda foi derrotado na tabela final por Eddie Lawson, para repetir três épocas mais tarde, desta vez numa Yamaha e atrás de Wayne Gardner.
Os dois terceiros lugares vieram nas temporadas de 1983, quando foi derrotado por Freddie Spencer e Roberts, e em 1986, atrás de Lawson e Gardner. Em resumo, é bastante claro que para Randy, o encontro com estes pilotos foi decisivo para os seus resultados, mas ele continua a ser um dos mais aclamados e lembrados da escola americana e da era dourada da classe rainha.
Aaron Slight, o guerreiro Maori
É, por direito próprio, o piloto de motociclismo neozelandês mais conhecido dos últimos trinta anos. Com um enorme talento em pista e verdadeira personagem dentro e fora do ‘paddock’, Aaron Slight foi um dos melhores artistas no início da era Superbike, aproximando-se do título duas vezes e terminando em terceiro em quatro ocasiões (três das quais consecutivas). Natural de Masterton, estreou-se cedo, ganhando os Campeonatos Australiano e Pan-Pacífico em 1991 e as 8 Horas de Suzuka por três vezes, entre 1993 e 1995. Em Superbike, começou com a Bimota, mas foi com a Kawasaki que alcançou a sua primeira vitória. Mudou para Honda e, mais uma vez, terminou em terceiro lugar de forma tripla.
Eterno segundo dos antípodas
Foi em 1996 que lutou pelo seu primeiro título e com apenas uma vitória e onze pódios teve de ceder a liderança a Troy Corser. No ano seguinte foi terceiro pela quarta vez, enquanto em 1998, com cinco vitórias e cinco segundos lugares nada pôde fazer contra o ‘Rei’ Carl Fogarty e terminou em segundo lugar pela segunda vez. Apelidado de ‘guerreiro Maori’ devido às suas origens, ou simplesmente de ‘Kiwi’, Slight tinha um corte de cabelo à moicano com uma crista de cabelo tingida de verde ou vermelho e exibia um físico de surfista.
Habituado a usar o número ‘3’ no seu capacete, após três terceiros lugares consecutivos mudou-o para ‘111’, quase como que para exorcizar as suas três oportunidades perdidas, sem saber que os seus anos de eterno segundo lugar só tinham chegado a meio caminho. Curiosamente, de 2007 a 2011 e na categoria Superbike, Ruben Xaus também usou ‘111’ na sua carenagem, tal como Luca Ottaviani atualmente, na classe Supersport do CIV, o campeonato italiano de velocidade.
Tom Sykes, por pouco que não era um eterno segundo
Tom Sykes também poderia ter sido um dos eternos segundos segundo eterno. E em parte foi, mas o piloto de Huddersfield foi o único a devolver o título de Superbike à Kawasaki após jejum de 20 anos. Sucesso que poderia ter acontecido no ano anterior. Mas uma série de combinações e uma pontuação reduzida para metade na ronda de Silverstone deu o título a Max Biaggi. Atenção, o corsário de modo algum teve demérito, mas é curioso como um piloto pode terminar em segundo lugar por apenas meio ponto de diferença. A sua estreia no campeonato para as motos derivadas da série data de 2008, quando participou em duas corridas como ‘wild-card’ com a Suzuki GSX-R1000 com a qual correu no campeonato britânico.
Muitas vitórias para… um único título
Em 2009 tornou-se um colega de equipa permanente de Ben Spies na equipa oficial da Yamaha. Ao lado do texano, que devorou os seus rivais ao ganhar o título, Tom quase sempre ficou entre os dez primeiros sem nunca chegar ao pódio. Parecia ser uma época opaca, sem demasiadas pretensões. No ano seguinte, quando mudou para a Kawasaki, os resultados caíram drasticamente. E, apesar de ter uma alcançado uma vitória, nas duas épocas seguintes terminou, respetivamente, em 13º e 14.º. A ZX-10R não parecia ser uma moto vencedora, em vez disso, em 2012 vieram quatro vitórias e nove pódios para mais um dos eternos segundos.
Com o maior número de pódios ganhos, não venceu o campeonato, conformando-se com o segundo lugar, o que parecia ser uma maldição. Felizmente, em 2013 Sykes ganhou o Campeonato Mundial de Superbike com nove vitórias e nove pódios. Foi a segunda coroa de louros para a Kawasaki, depois de Scott Russell, em 1993, e o prelúdio dos 6 títulos consecutivos de Jonathan Rea, 2015 a 2020. Com a menor diferença de sempre no Mundial de 2012, Sykes teria mais probabilidades de ser lembrado por um campeonato falhado por meio ponto, do que pelas suas vitórias. Isto se não tivesse ganho no ano seguinte…
‘Nello’ Pagani, mais conhecido pelo campeonato que não venceu…
Concluamos esta história dos eternos segundos com um salto no tempo e vamos até 1949. As regras do Campeonato Mundial de Motociclismo afirmavam: “Pour le meilleur tour accomplì par un concurrent classé: 1 ponto”. E esta regra foi decisiva na atribuição do primeiro título histórico a Leslie Graham, na AJS, que no final da época tinha marcado 28 pontos. Exatamente um a menos que Nello Pagani, o piloto principal de Gilera, que viu o seu primeiro campeonato mundial histórico na classe 500 escapar. Passando de Campeonato Europeu a Mundial, a língua oficial do regulamento era o francês.
Na tradução italiana havia um erro que ditava que a melhor volta da prova contava apenas se o piloto terminasse a corrida. A diferença entre as duas versões não valeu o apelo da Federação Italiana e, com 30 pontos, Graham tornou-se campeão da Classe 500. Assim terminou o primeiro ano do Campeonato Mundial para Cirillo ‘Nello’ Pagani, de Milão e um dos maiores ases das motos italianas. Que protagonizou uma carreira de quarenta anos, de 1927 a 1967 e uma guerra mundial pelo meio. Ele estava entre os pilotos mais ecléticos que a história das corridas já conheceu. O seu único título foi ainda em 1949, numa Mondial 125, mas esse campeonato perdido continua a ser famoso.