O sangue de irmãos e os irmãos de sangue.

Janeiro 14, 2022

Texto e fotos: Alex Kossack Quantos de nós não ganhámos já irmãos na estrada? Eu sim. Muitos mesmo. Praticamente (salvo algumas excepções), todas as espécies que habitam esta nossa bola azul e verde vivem e coabitam em grupo. É um mecanismo de defesa contra predadores. Grupo ou alcateias, cardumes, bandos, manadas, e por aí além.…

  • Texto e fotos: Alex Kossack

Quantos de nós não ganhámos já irmãos na estrada? Eu sim. Muitos mesmo.

Praticamente (salvo algumas excepções), todas as espécies que habitam esta nossa bola azul e verde vivem e coabitam em grupo. É um mecanismo de defesa contra predadores.

Grupo ou alcateias, cardumes, bandos, manadas, e por aí além. Unidos fazemos a força, comunicamos melhor, evoluímos e defendemo-nos de agressões. Desde formigas a uma esquadrilha de caças da força aérea, anda tudo em grupo. Quantos mais melhor, está-nos no código genético.

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No fundo, e curiosamente até mesmo nós, os gajos das motos, somos uma espécie de grupo. Andamos em manada, admitamos ou não.

Gostamos de nos juntar em grupos. Uns discretos e simples, sem grandes ondas, outros que precisam de dar nomes aos grupos, uns usam coletes vistosos, metem autocolantes e bandeiras para se identificarem e sentirem melhores. Chama-se a isto uniformização e serve para identificar irmãos bem como afastar inimigos. Das cores aguerridas de um guerreiro Zulu, passando pelo uniforme de um polícia e do colete de um qualquer motociclista de um qualquer clube, a indumentária faz parte da identidade de um grupo. Irmãos de sangue sem sangue comum, uma espécie de irmãos de outras mães.

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Somos um grupo tão unido que até já temos substantivos colectivos; os motociclistas, os motards, os gajos das motas e agora até o tão na moda graças aos nossos amigos brasucas que para cá vieram, os motoqueiros. Confesso não gosto lá muito da palavra motoqueiro, mas também nunca fui muito de brasileirismos e estrangeirismos, ainda falo e escrevo à Antiga Portuguesa. Eu sou dos que ainda vai para a bicha, para mim veados são animais selvagens, mamíferos ruminantes da família dos cervídeos, e Legal é um termo judicial que deriva da palavra em Latim LEGALIS, que representa Lex ou lei, e não um estado de porreirismo ou de fixe, que por acaso até significa sólido ou conotado com fixação.

Adiante, nada contra, nem me afecta, quero é que sejam felizes e não me chateiem, mas não me chamem motoqueiro, nem camarada. Nunca gostei da palavra “camarada”, nem mesmo na tropa. Não sou do grupo dos motoqueiros, nem dos camaradas.

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A minha primeira moto foi uma Moto Graziella azul e branca, a pedais, que o meu pai comprou numa qualquer FIL, em Lisboa, lá para 1970 ou algo assim, e que eu comecei a usar em 1973 ou 74. Inevitavelmente, o Cláudio, o meu irmão de sangue, mais novo que eu 5 anos, começou uns anos depois. Ando de moto com ele ao meu lado desde que tenho 15 anos e ele uns 10 ou 11 anos. Já é uma valente catrefada de anos de estrada que temos no pêlo.

Embora eu me tenha iniciado mais cedo, começámos a andar mais juntos de moto e com mais força lá para 1982 ou 83, quando ele já com 13 ou 14 anos me seguia, e juntos íamos para todo lado. Crescemos juntos na estrada, indo para todo o lado sem ir a lado nenhum. Íamos só por ir. Foi nessa altura que começámos a andar com o nosso grupo das motos. O mesmo que ainda se mantém hoje. O Rating e o Tojó, os Pinhos, o Porfírio, o Orlando, o Manel, o Carlos, o Spriella, etc.

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Acho que das poucas coisas que me orgulho ter feito na vida foi ter tentado ser um bom irmão para ele, e o facto é que ainda hoje somos unidos e sentimos esta cumplicidade. Eu ligo e ele atende logo, ele espirra e eu pergunto se está bem e vice versa. O que fazemos, costuma ser idêntico em tudo. Coisa inacreditável. Às vezes preciso de falar com ele, e de repente ele liga-me, e vice versa. Ele é mais sensato, calmo e pacifico, eu tenho o pavio mais curto, irrito-me facilmente digo o que penso sem problemas e sou mais volátil e intolerante com gente parva. Acho que até juntos nos complementamos no temperamento. Tantas vezes ia fazer algo que me iria arrepender e ele demoveu-me, e tantas vezes ele precisou de conselhos técnicos ou outros e fui eu que o ajudei. O meu irmão de sangue.

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Nutrimos a mesma paixão por motos antigas, e de uma forma única. É que temos exactamente as mesmas motos, e se não são do mesmo ano, são um ano acima ou um ano abaixo, mas temos ambos os mesmos modelos. A única diferença é que as minhas são monolugares e as dele de dois lugares. Há uma outra diferença entre nós. Ele tem um BMW GS, e aí é onde eu traço a linha, linha essa que não transponho!! isso é que não!!

Mas esta similaridade nas motos já não é de agora! Nos anos 90 tínhamos estas mesmas motos, só que na altura eram novas.

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Agora, quando compramos motos, e as restauramos, é bem engraçado. Mano, vai aí à tua ver como é que passa este fio, ou, dás-me esta peça que eu dou-te aquela? A minha não tem isto, então toma a minha, tenho duas.

Na estrada ainda é mais engraçado. Desenvolvemos técnicas de comunicação que são únicas entre nós. Com gestos e sinais nós entendemo-nos tão bem, que se quisermos conseguimos discutir o orçamento de Estado sem usar uma única palavra. A minha mulher sempre se admirou por esta nossa capacidade de comunicação gestual.

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Estamos já em 2022, e 42 anos depois continuamos a andar juntos de moto, e costumamos perguntar um ao outro: qual levas hoje? E que nem uma parelha, lá vamos nós dois ter com os nossos amigos da estrada, os nossos irmãos de manada, com quem vamos ao Cabo da Roca todos os domingos, e que também são adeptos de motas antigas.

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No nosso grupo de irmãos da estrada, só não usamos gravatas, porque não sabemos fazer nós, nem coletes pretos com emblemas, porque somos discretos, mas o nosso uniforme é o mesmo. Motos velhas, ossos gastos e fígados na sucata!

Somos o sangue de irmãos e irmãos de sangue.

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