O meu AGV Ago !

No liceu de Gaia, corre, excitado, o ano de 1977.

A ganapada, sempre cheia de autocolantes dos 223 partidos políticos, as porradas combinadas entre os ‘comunas e os fácistas’, as RGA´s de megafone, até à confusão generalizada de gritos, com os alunos a pensarem que mandam nos prof’s, os prof´s a pensarem que mandam nos alunos…

Enfim, uma doce ‘rebaldaria’… agora que passaram tantos anos.

No meio desta excitação toda, um adolescente com 16 anos e duas paixões (o voleibol e as motos), não perde pitada do que vai acontecendo, no liceu e imediações ( Café Garfo ), no que diz respeito às motos !

Uma Casal Boss azul clarinho, nova, no parque de estacionamento do liceu? Ele admira-a.

O ‘Jorge dos cavalos’, a fazer cavalinhos com uma Suzuki TS 125, andando ao lado das miúdas giras, nos passeios? Ele inveja-o.

A Norton Commando, do Maga, a abrir pela reta fora, no intervalo grande? Ele deixa de respirar, só para a ouvir melhor.

Nos intervalos desta ‘paixão assolapada’, esse jovem vai sonhando com o dia em que vai fazer 18 anos. Porquê ?

Porque nesse dia, sim, nesse dia, vai poder levantar o dinheiro do seguro feito, muitos anos antes, pelo pai, e que era destinado à… à… à… Faculdade, e……e…..e…., COMPRAR UMA MOTO ! Lá iremos (ao stand, não à faculdade).

Se estes tormentos não bastassem, a situação consegue ser ainda pior! Mais opressiva! Mais contundente ! Porquê? Porque na turma deste jovem, o colega Filipe (aluno já repetente, mais velho dois anos) vem para o liceu numa flamejante Yamaha RD 50, azul escuro, com uma lista de quadradinhos, brancos e pretos, no depósito. Ó… Zeus ! Porque o fazes sofrer assim?

Quando não há ‘Jorge dos cavalos‘, nem ‘Maga e a sua Norton‘, este rapaz passa os intervalos junto da Yamaha do Filipe, a admirá-la, a… a… a… acariciá-la… quando ninguém está por perto!

Todos os dias ele espera pela chegada do Filipe, de manhã, e pela partida ao final da manhã, transportando-lhe, diligente, ou os livros ou o capacete integral, feio como tudo (Zaice?…)

O Filipe, que até era um gajo porreiro, apesar de repetente há dois anos, lá vai deixando, cheio de paciência, que a moto seja colocada a trabalhar pelo jovem colega.

Uma vez ou outra até o deixa sentar, ANTES de a moto ser colocada a trabalhar.

Diz o nosso povo, e com razão, que ‘pão de pobre, quando cai, é sempre com a manteiga pra baixo‘, quando quer referir que atrás de um azar, vem logo outro!

Quando as paixões são esquecidas… por uma paixão maior!

‘Atão, num é’ que o colega de turma Filipe, um dia, entra na sala de aulas, de manhã, sem o Zaice, mas com um ESPECTACULAR capacete integral AGV Ago, azul, novinho em folha, trazido de Itália pelo pai, abastado comerciante, numa das suas muitas viagens de negócios?!

Que objeto mais lindo! Que espetáculo! Que coisa mais fixe! Que perfeição, os dois ‘degraus’, um à frente e o outro atrás, na parte de baixo do capacete! A viseira escura, com recortes no desenho, para acompanhar o estilo do capacete! A pintura azul perfeita e sem os dourados/metalizados azeiteiros que o Zaice tinha ! O forro interior, bem almofadado, e bem desenhado ergonomicamente! A história do capacete, versão para o público do capacete que permitiu a Giacomo AGOstini passar dos capacetes abertos para o integral, e ser campeão nos últimos anos da sua esplendorosa carreira !

O impacto deste capacete no nosso jovem do liceu de Gaia, foi tremendo! Avassalador mesmo! Não volta a ir lá para fora, nos intervalos, para ver as motos do Jorge, do Maga, e nem sequer a Yamaha do Filipe! Não precisa, porque tem perto de si a coisa mais bonita que tinha visto na sua vida. Resultado?

Com o porreiraço do Filipe, condescendente e meio orgulhoso, o capacete integral AGV Ago passa a ser carinhosamente mimado, TODOS os dias! Nunca caiu abaixo da carteira, nem abaixo da moto! Não anda com mosquitos na viseira, nem fica molhado depois de uma chuvada!

O colega da turma (protagonista desta história ), qual Rottweiler, é um fiel guardião/técnico de limpeza/vigilante! De tal maneira que, de vez em quando, (ai que vergonha!), tem direito a (porra, como é que eu posso dizer isto…), a (lá vai e seja o que Zeus quiser!), a PASSEAR o capacete integral AGV Ago, pelo liceu, durante o intervalo, no cotovelo direito!

‘Num‘ aguento mais! Sim, confesso, esse jovem e adolescente, do liceu de Gaia , era eu!

Confessado este pecado de idolatria (culto prestado ao que não é um Deus), a história vai avançar rapidamente !

Dois anos depois, gastei todo o dinheiro do seguro que o meu pai me deixou (aquando da sua morte, em 1973 ) para iniciar a faculdade, numa Suzuki RG 50 azul, nova (grossas lágrimas rolaram pela cara da minha mãe…), e fui a correr à Viauto, na Rua da Boavista, para comprar o meu AGV Ago!

Oh, triste desilusão a minha…

‘Pão de pobre, quando cai, é sempre com a manteiga, pra baixo’? SIM !

A AGV já não fabricava e comercializava o AGO, mas sim o… NEW AGO! Ligeiramente diferente do primeiro (só tinha um degrau na parte de baixo, na nuca, e tinha desaparecido o degrau do queixo), e com um esquema cromático diferente! Ó ZEUS! Porque não me deixaste chegar a tempo de comprar um igual e da mesma cor, ao do liceu ?

A desilusão foi tanta que me perpassou num fogacho, pela mente, tentar comprar um usado ! Mas… já não havia!

E assim comprei o meu segundo capacete AGV (NEW) AGO, azul e branco! Segundo? Sim, pá! O primeiro, foi o do Filipe do Liceu de Gaia. Em 1981, o Sr. Lima, da Suzuki, pintou-mo todo de branco. Nesse mesmo ano, comprei o terceiro, já vermelho e branco, porque entretanto a Suzuki RG 50 tinha sido substituída por uma TS 125 ER, vermelha.

A minha namorada usou esse capacete (o terceiro) nos nossos passeios, e ainda hoje (!!!) toma conta dele! Sim, ainda existe, religiosamente (ZEUS) guardado e mantido! A namorada também. E eu? Eu, nunca mais na minha vida me voltei a apaixonar, por uma coisa/objeto, como aquele AGV AGO azul do Filipe!

Seguiram-se, sem grande impacto, o GPA SJ (de abrir por baixo), o Simpson Bandit, o Arai Giga, o BMW System III, o BMW System IV, o BMW System V…

Um abraço, comovido, ao Filipe, se ele ler esta história !

Um abraço, reconhecido, ao Giacomo Agostini, se ele ler esta história!

Um abraço, comovido e reconhecido, à minha namorada/mulher, que trata deste capacete há 40 anos!

P.S.: Pai, desculpas-me?