Nortada!
Autor: Fernando Pedrinho
Maio 29, 2021
O Estoril surgiu de recurso para complementar a ausência de provas que foram sendo retiradas do calendário por força da pandemia de Covid-19 que ainda vai limitando o acesso a alguns países ou a mobilidade no seu interior. Ainda sem fãs nas bancadas, a prova nacional disputa-se com condições mais estáveis e expectáveis para a…

O Estoril surgiu de recurso para complementar a ausência de provas que foram sendo retiradas do calendário por força da pandemia de Covid-19 que ainda vai limitando o acesso a alguns países ou a mobilidade no seu interior. Ainda sem fãs nas bancadas, a prova nacional disputa-se com condições mais estáveis e expectáveis para a época do ano, depois da roleta que se tornou a prova inaugural.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Victor ‘Schwantz’ Barros

O circuito do Estoril é considerado como um traçado clássico, um verdadeiro ‘old school’ como lhe designam os britânicos. Preferindo circuitos mais fluidos e rápidos como Assen, na Holanda, ou até mesmo o Motorland Aragão, o campeão do mundo em título desde há seis anos, Jonathan Rea, debateu-se naturalmente com esperadas dificuldades, mas que não se traduziram nos tempos por volta, já que as duas Kawasaki oficiais andaram sempre entre as mais rápidas. Mas de que se queixava o norte-irlandês? ‘Eu sinto dificuldades na parte final da travagem para parar a moto e entrar para a curva nos travões. De resto a ZX-10RR está muito boa, seja na capacidade de tração, agilidade e mesmo a virar, algo que era um ponto fraco no ano passado. Se conseguirmos melhorar neste ponto esperamos ficar mais perto do andamento do Toprak, que está num mundo à parte. Estou muito próximo do Redding mas ainda necessito encontrar alguma coisa se quero pensar num lugar de pódio’.
A questão da travagem tem uma descrição interessante. ‘É na parte final da travagem (ndr: os anglófonos designam esta fase de ‘trail braking’, em que a geometria de direção se altera e influencia a capacidade de rodar e inserir a moto para o interior da curva) sinto que o equilíbrio da parte ciclística que temos carrega demasiado a frente e necessito de um pouco mais de suporte nesta área’. A instabilidade da dianteira, notória nalgumas partes do circuito, fica a dever-se a alguma irregularidade no asfalto estorilista, sobretudo ‘na zona em torno da chicane’, mas Rea logo adiantou ‘que isso também tem a ver com o meu estilo de pilotagem, um pouco bruto a travar e a girar a moto, de uma maneira que a desestabiliza. Nesse ponto tenho de ser mais paciente e calmo nos movimentos’. Curiosamente, a KRT tinha previsto testar no Estoril, ‘mas a pista não estava no primeiro calendário que a Dorna apresentou’, relembrou Johnny. ‘Acabámos por ir para Portimão. Mas nota que testar aqui em Fevereiro ou Março não é a mesma coisa, porque as temperaturas são muito mais baixas’.
Já na ‘Superpole’ de Sábado, Rea arrancou mais uma ‘pole’ para o seu palmarés e bateu mesmo o recorde de Jorge Lorenzo, estabelecido com a Yamaha YZR M1 de MotoGP, ao rodar em 1’35’’876, o que o tornou no único piloto da grelha a descer ao segundo 35.

Scott Redding estava muito mais feliz na pista lusitana que na montanha russa de emoções que experimentou na ronda inaugural. ‘A moto está boa e sinto-me muito melhor que em Aragão. Aqui sinto como a minha moto, com as sensações que transmitiu nos testes de pré-época. Entendo o que a moto está a fazer e posso trabalhar para a tornar numa moto competitiva para a corrida, enquanto em Espanha só acumulei frustração porque a moto andava por todo o lado’. Comparando a consistência das Kawasaki, que são sempre rápidas em qualquer pista e condições da pista, face à irregularidade da Panigale V4R, Redding destacou que ‘o problema com que nos debatemos é a tração, pois quando os níveis de aderência da pista baixa começamos a sofrer em todas as áreas, desde a travagem à entrada e saída de curva. As outras marcas aparentam apenas ser afetadas na saída de curva, pois conseguem travar e curvar sem problemas de maior. Nós não, quando a moto funciona, funciona bem no todo, mas se há algum problema numa destas áreas acaba por afetar todas as outras de forma evidente. Acho que é este o nosso ponto mais débil e a causa para alguma inconsistência, como na primeira corrida de Aragon. Mas para sermos campeões temos de resolver isto’. E o que é necessário mudar na Panigale para resolver a inconsistência? ‘F***-se, se tiveres a resposta tens trabalho garantido como engenheiro da Ducati!’, disparou no seu estilo inconfundível. ‘Quando resolves um problema, perdes nos outros todos, não sei se é um problema de equilíbrio da nossa moto por termos monobraço e um motor V4. Pode ser o caráter da moto e trabalhes 20 anos de volta dela nunca vais encontrar a solução. A Kawasaki encontrou um pacote que funciona e é por isso que não o alteram. Sabem o que é preciso para vencer e que na temporada seguinte o ritmo vai baixar meio segundo por volta. Eles encontraram a galinha dos ovos de ouro e não a vão matar para encontrar mais ouro. Traçaram uma linha e por isso são tão consistentes’. Mas até que ponto o trabalho com Michael Ruben Rinaldi pode ajudar a encontrar a tão desejada consistência da Ducati oficial? ‘Pôrra… não conseguimos trabalhar juntos, somos muito diferentes. Mas o Michael queixa-se dos mesmos problemas do que eu, algo que não acontecia o ano passado, o que é bom. O que mostra que algo mudou da moto de 2019 para a de 2020. Mas só posso contar comigo e evoluir a moto para o meu estilo, ser muito forte e ganhar corridas para a Ducati. Tornar-me na referência a seguir’. E no que pode ajudar Chaz Davies, que se manteve na Ducati embora numa equipa diferente? ‘Ainda falamos e trocamos informação, mas não é a mesma coisa do que tê-lo na mesma equipa. Há diferenças e acho que ele agora, mais do que nunca, quer ganhar-nos e provar o ponto dele, o que é mais do que justo’.

Toprak Razgatioglu desvalorizou o favoritismo que lhe era atribuído, pelas características do traçado que lhe assentam como uma luva às suas infernais travagens, mas também pelo desempenho do ano anterior. O turco da Pata Yamaha by Brixx trabalhou muito nas simulações de corrida e na obtenção de tempos por volta consistentes, assim como no ‘feeling’ transmitido pela moto ou no estado do pneu traseiro após 10 voltas. ‘O Estoril é uma boa pista para mim e quero muito vencer. O ano passado não consegui fazer a tripla no fim de semana e alcançá-lo este ano seria um sonho. O Scott é muito rápido e o Johnny é muito forte e vai lá estar. Mas tenho de me qualificar bem para sair nas linhas da frente. No ano passado foi fácil vencer porque o Jonathan e o Scott caíram. Vou lutar pela ‘pole’ e sei que vai ser difícil. A metamorfose do protegido de Kenan Sofuoglu para um piloto mais profissional e experiente é evidente este ano. ‘Melhorámos a moto e adaptei-a para a minha pilotagem. Estou na segunda época com a YZF R1 e agora conheço a minha moto. Temos componentes novos, trabalhámos muito no Inverno e melhorei a minha pilotagem’. Os métodos de treino não mudaram e são curiosos, numa espécie de ‘Valentino Rossi Ranch’ mas ‘à la turca’. ‘Treino com o Kenan e outros pilotos turcos, como os Oncü ou o Bahhetin, sobrinho do Kenan. E fazemos corridas, não é simplesmente um treino, o que acho que é um bom método. Fazemos corridas de 50 voltas sem interrupções desde a partida. Para mim foi um passo em frente e junto com a adaptação da moto estou a pilotar muito melhor’. Enquanto Rossi opta pelo pisto de terra, Toprak e seus pares treinam ‘com 250cc de supermoto. E o Kenan agora anda maluco com os ‘go-kart’, rematou com um sorriso.

Garret Gerloff terminou o primeiro dia do Estoril ‘muito confuso’, confessou o simpático texano que viveu momentos fortes no fim-de-semana anterior, ao cair e quase hipotecar a corrida do campeão mundial. ‘Não percebo que falta, se é na moto ou comigo mesmo. Tenho presente as sensações do ano passado nesta pista e que não consigo replicar da mesma forma este ano. Esperava estar mais perto. E a confusão surge de não perceber o que está mal. É um bocadinho de tudo e por isso não consigo isolar o problema e trabalhar nele’. O texano prefere piso seco e condições ambientais frescas, por oposição aos dias muito quentes que por vezes podem afetar os circuitos ibéricos nos meses de Verão. ‘Com os Pirelli as pistas proporcionam mais aderência e tração com a pista mais fria. Mas não sinto dificuldades no calor e sou consistente. Depende mais da pista’.
Com Loriz Baz a sair do Mundial de SBK rumando ao MotoAmerica, como vê Gerloff esta troca? ‘É bom vê-lo agarrar esta oportunidade. O nível do campeonato é alto e beneficia com a chegada de novos nomes. A equipa da Yamaha é forte e o Jake Gagne está a andar muito bem. Vai ter de se adaptar às pistas americanas’. O campeonato manteve a utilização de sistemas eletrónicos, por oposição a muitos outros que o erradicaram. ‘Isso é bom porque me permitiu lidar com o sistema da Marelli durante dois anos antes vir para o Mundial e isso foi perfeito porque nada constituiu uma surpresa quando cheguei’, algo que deve facilitar a vida ao próximo norte-americano que venha para o lado de cá do Atlântico, por oposição a um piloto britânico ou australiano. Garrett não sabia que Cameron Beaubier tinha intenção de sair dos EUA, no ano passado, e muito menos que tivesse intenção de ir para a Moto2, deixando o ambiente das ‘Superbike’. ‘É bom vê-lo num palco mundial, onde pode mostrar como é forte e rápido’.

Sam Lowes mostrou-se consistentemente rápido no Estoril ‘apesar de fazer muito mais calor do que tínhamos encontrado em Outubro do ano passado’, disse. ‘Consegui andar rápido à tarde com os pneus da manhã. Montei pneus novos para fazer uma série de voltas mas tive alguma dificuldade com a dianteira, que tentei corrigir quando foi mostrada a bandeira vermelha. Preocupei-me mais em trabalhar nos pneus usados, sobretudo o da frente, que me causou problemas aqui em 2020’. Quanto ao Estoril, ‘não tem muita aderência, mas é suficiente e consistente. Fazer a volta rápida não é fácil, pois tens muitas curvas em que se cometeres um erro comprometes de imediato a seguinte. Não tem nada que ver com o Motorland, que tirando o ‘saca-rolhas’ e a curva 12, é muito plano e rápido, com uma superfície muito lisa. O Estoril é um circuito ‘old school’, com variações de inclinação da pista, irregularidades no asfalto, algumas subidas e descidas e curvas mais lentas, algumas de primeira velocidade. A maneira como ‘carregamos’ a moto também é diferente, pois na última curva de Aragão consigo curvar muito bem, mas as curvas três e quatro do Estoril, por exemplo, são mais lentas e necessitam que a moto as descreva de uma forma natural. Eu venho do ‘BSB’ (ndr – o campeonato britânico de ‘Superbike’) e gosto deste tipo de pistas, com caráter. Só faltam os fãs nas bancadas. Estou a ficar mais velho e não sei quantas pistas novas terei oportunidade de correr, mas sei que Navarra e Most vão um pouco na linha do Estoril’.

Depois de um fim de semana complicado em Aragão, Michael Ruben Rinaldi veio para uma pista que não ‘casa’ muito com o seu estilo de pilotagem, pois o Estoril ‘tem muitas travagens fortes por oposição às pistas que gosto mais como Aragão ou Misano. Trabalhámos para ver o que correu mal na prova inaugural e viemos com uma mentalidade e afinações distintas. Não tenho a rapidez do Scott ou do Toprak mas consegui fazer 15 voltas com um bom ritmo que deverão permitir lutar pelo pódio’. Michael sofreu problemas no final dos pontos de travagem, que lhe comprometiam a saída. ‘Isto era causado em parte por alguns erros da minha parte e foi isso que me permitiu melhorar um pouco no Estoril’. A Panigale V4R de 2020 é diferente da versão de 2019, ‘ainda por cima testámos na pré-temporada com temperaturas mais baixas e sem atingir os valores que encontramos no final da Primavera ou no Verão. Estou a encontrar uma nova realidade com a moto de 2020 e daí surgirem algumas dificuldades. A moto é melhor que a de 2019 e deverá sê-lo também no tempo quente, por isso só necessitamos de encontrar a direção certa’.

Com os pneus na ordem do dia, Jonathan Rea optou pelo mais duro Pirelli Diablo Superbike SC0, apesar de ter rolado com o mais macio SCX na sessão de sexta de manhã. ‘Não gostei muito do ‘feeling’ transmitido pelo SCX. Tem alguma vantagem em termos de rapidez, mas não muita, pelo que prefiro um pneu que dure toda a corrida em lugar de outro que apenas seja mais rápido no início. Mas se alguém conseguir fazer funcionar o SCX durante todas as voltas é um pneu que te dá mais aderência e consequente rapidez, podendo marcar a diferença no resultado’.
Scott Redding utilizou exclusivamente o SCX na sexta-feira. ‘Funcionou, não sei se bem ou mal porque não o comparei com mais nada. Contudo, no Estoril não há uma diferença tão grande entre o SCO e o SCX, ao contrário de Aragão. Dei mais voltas com o ‘X’ para atestar a sua consistência de comportamento, que manteve nas voltas iniciais, ‘caindo’ depois em termos de rendimento mais para o fim do tempo que estive em pista. Temos de analisar os tempos por volta e definir o potencial de utilização em corrida. Também não acho que aqui os pilotos mais pequenos tenham uma vantagem tão marcada, que se pode cifrar em duas décimas, no máximo, contra o meio segundo do Motorland, por exemplo.
Toprak Razgatioglu foi outro dos que andou com o SCX na traseira da sua Yamaha. ‘O pneu não funcionou nesta pista no ano passado e agora está mais quente que em Outubro. Mas a diferença para o SC0 não é significativa. Contudo necessito de entender a aderência do SCX, durabilidade.
Já Michael Ruben Rinaldi começou com o SC0, ‘já que ninguém utilizou o SCX em Outubro passado. Mas como este parece estar a funcionar melhor este ano, utilizámos na sessão da tarde, o que permitiu melhorar um pouquinho sem que o pneu ‘caísse’ demasiado, pelo que poderá ser a opção para a corrida’.
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