Na 5.ª etapa do Mundial MXGP, Águeda vibrou com corridas entusiasmantes e plenas de incertezas até final. A chuva que deixou o piso extremamente enlameado aumentou as dificuldades na mesma proporção que fez crescer a expetativa e indefinição face ao resultado. O público, que agora não tem grandes razões para queixar-se das cada vez melhores infraestruturas, lamentou o preço elevado dos bilhetes. Mas será muito pagar desde 45 € por dois dias de um espetáculo com tamanhos artistas e de tão elevada qualidade? O grande problema poderá residir na ausência de um piloto português de topo. Será que é um problema com resolução? Afinal, será que ainda há heróis lusitanos?
- Por: Paulo Ribeiro
- Fotos: MoveSoundClick
Ao olhar para a lista de inscritos do Mundial MXGP apenas dois nomes de pronúncia conhecida. Luís Outeiro, na classe maior, e Afonso Gomes, em MX2. Depois, mais uma dúzia de portugueses nas duas categorias do Europeu EMX125 e EMX250. Seria enorme motivo de orgulho se fossem ‘residentes’ no Campeonato do Mundo de Motocrosse, isto é, se fossem mundialistas a tempo inteiro. Mas isso, já sabemos, não é fácil encontrar um terceiro ‘oficial’ depois de Joaquim Rodrigues Jr e Rui Gonçalves.
Orçamento para o Nacional e nada mais
Um dos candidatos a marcar presença no Mundial MXGP é Luís Outeiro, o pequeno grande piloto que há mais de dois anos vem tentando, sem sucesso, dar o salto.
Em Águeda, com as condições criadas pela inclemência meteorológica, viu as dificuldades aumentarem de forma exponencial. “É que, mesmo já tendo andado nesta pista com com chuva e com lama, nunca tinha corrido com tantos regos e tão profundos”. Por isso, para o piloto da Yamaha YZ450F com as cores da VR Motos, “a manga de qualificação foi uma verdadeira corrida de sobrevivência. A pista estava realmente muito complicada e piorou na 1.ª manga de domingo”. Algo que esteve mesmo na origem do abandono ainda na primeira volta com mazelas que impediram a presença na segunda corrida do dia.
Para ultrapassar estas dificuldades, a resposta passaria sempre por correr no estrangeiro, em alguns campeonatos nacionais antes de chegar, a tempo inteiro, ao Mundial MXGP. Mas o problema que se coloca é sempre o mesmo. “As ajudas são muito limitadas e com o orçamento da equipa dá apenas para fazer o Nacional de Motocrosse. Até para ir correr a Espanha já é preciso fazer um esforço suplementar porque as empresas continuam a não apostar no motocrosse”. Quanto a Afonso Gomes, depois de uma queda na manga de qualificação de sábado que agravou uma lesão antiga, acabou por optar por não alinhar no domingo.
“Só o dinheiro da família não chega!”
Opinião de Outeiro que é corroborada por Sandro Lobo que, em Águeda, alinhou no EMX250 aproveitando “para ver e aprender com os melhores pilotos do Mundo”. Algo que naturalmente gostaria de fazer a tempo inteiro! “É um sonho, o objetivo maior da vida de qualquer piloto correr no Mundial MXGP”.
Para isso, reconhece. “fazem falta algumas ajudas para correr lá fora porque quando tudo sai do bolso da família torna-se muito complicado”. Assim, “se conseguisse ter mais apoios, mesmo com acrescido esfoço pessoal e familiar, iria de imediato correr em Espanha, França e outros países com um nível de motocrosse mais evoluído”.
Enfiar a moto numa carrinha para perseguir o sonho faz todo o sentido para o crossista da VR Motos que acredita existirem em Portugal, pilotos de qualidade suficiente para lutar por grandes objetivos. E talvez mesmo chegar aos níveis de antigamente”: Para isso a receita é simples. “Treinando muito e ganhando rimo em competições ao mais alto nível, os portugueses têm capacidade para qualificar e lutar por boas posições”.
Federação fez investimento forte
Algo que ressaltou aos olhos dos espectadores presentes no Mundial MXGP foi a quantidade de pilotos portugueses em EMX125 e EMX250. Isto porque a Federação de Motociclismo de Portugal apostou forte na competição aguedense e convidou os melhores jovens a marcar presença. Para o presidente da Comissão de Motocrosse da FMP, “Águeda é muito importante para nós e representa muito porque passa a elite do motocrosse, os melhores pilotos do Mundo. Afinal é o degrau mais alto e queremos levar estar presentes”, acrescentou Hugo Santos.
Desejo que justificou “o investimento federativo para que estes miúdos poderem estar presentes. Até porque é a corrida mais importante em Portugal e queremos manter essa aposta. Mas também queremos que os pilotos levem isto com maior seriedade e mais responsabilidade”.
Seja pela falta de ritmo, seja pela ausência de contatos internacionais, a verdade é que apenas Martin Espinho logrou a qualificação direta em EMX250 (29º). Acabando Pedro Rino e Sandro Lobo por serem chamados, enquanto primeiros suplentes, para a 2.ª manga devido a problemas alheios. Uma situação que Hugo Santos considera “mais ou menos normal, atendendo ao ritmo endiabrado, muito diferente do que há no Nacional, e à falta de ritmo internacional”.
Mas, afinal, qual é o caminho a seguir para que Portugal tenha pilotos a conseguir bons resultados no Europeu e, quem sabe, no Mundial MXGP? Será preciso apostar mais na competição internacional, que os pilotos vão correr lá fora, em Espanha ou França?
Criar base de seleção
Para Hugo Santos, as ideias estão bem claras. “Quando corria, ou o Joaquim Rodrigues, o Rui Gonçalves ou o Paulo Gonçalves, entre
outras grandes, ninguém precisava de dizer qual era o nosso trabalho. Ou para onde devíamos ir. Cada um tinha o seu objetivo, ganhávamos provas dos campeonatos de Espanha e do Europeu a treinar cá em Portugal. Claro que, numa perspetiva de evolução, o caminho obrigatório passa por ir lá para fora. Mas o importante é mesmo a responsabilidade, o saber até cada um quer chegar…”
Uma tarefa que “está do lado das equipas e dos pilotos e não exclusivamente do lado da Federação. Aliás, antes mesmo da FMP entrar no quer que seja, mesmo em termos de apoio, o dever e a responsabilidade são do piloto. Infelizmente, o que se vê mais hoje em dia é a tendência de colocar as culpas nos outros e não olharmos para nós próprios enquanto pilotos. É a falta de responsabilidade individual”.
Concordando que “faz falta um piloto português de topo até para trazer publico às corridas”, o responsável federativo pela área do motocrosse, garante que “da parte da FMP continuará, dentro das possibilidades, a apoiar e criar novos projetos”. Assim, para o ano, “em vez de tentar abranger um grande número e depois não conseguir cumprir as metas traçadas, vamos apoiar dois ou três da maneira que conseguirmos. A aposta passará sempre e à imagem do que temos feito nos últimos anos, pela formação, oferecendo as licenças aos miúdos até para os cativar. Os mais jovens devem ser alvo das maiores apostas. Ou seja, criar uma base o mais alargada possível, para depois existir um maior campo de escolha. Esta é a aposta sendo a base o fundamental para o crescimento em termos de futuro”.
Correr lá fora é obrigatório
Presente em Águeda, no Mundial MXGP, para uma justa homenagem, Joaquim Rodrigues Jr. sabe do que fala quando o tema é a internacionalização. “Se falta um herói nacional? Claro que seria ótimo ter um piloto que desperte a atenção e atraia o público de forma massiva. Infelizmente, após ter sido o primeiro a correr lá fora e da presença do Rui Gonçalves durante tantos anos no Mundial MXG, Portugal despareceu em termos internacionais. Logicamente o nosso País, ainda por cima acolhendo uma prova do campeonato, deveria ter um piloto a tempo inteiro. Mas para isso, e além de imprescindível qualidade para andar a esse nível, é preciso dedicação a tempo inteiro e, claro está, ‘dar da perna’.”
Para o primeiro mundialista oficial da história do motocrosse lusitano, “Águeda é uma corrida muito importante para este desporto, a nível nacional e internacional. Aliás, faz sempre falta uma corrida deste nível em Portugal. Mas dizerem que é importante para os portugueses ganharem ritmo competitivo… Isso não faz qualquer sentido! Não é só participando nesta corrida que ganham ritmo! Para já, o que têm de fazer é o mesmo que todos os que quiserem andar rápido fizeram, que é ir lá para fora”.
Para o piloto que há pouco encerrou bem-sucedida carreira internacional, “não é fazendo apenas uma corrida que se ganha ritmo. Há que começar por um campeonato mais forte que o nosso, como Espanha ou França e depois pensar em mais altos voos. Claro que em Portugal era muito bom e ganhava corridas e campeonatos, mas quando chegava lá fora, era como os outros. Não havia superioridade ou grande diferença. E aí é necessário puxar os limites e desafiar-te, treinar com os melhores para evoluir. Só aqui, vir fazer uma corrida do Mundial por ano, não aprendes nada!”
Abordagem pedagógica errada?
Opinião bem interessante é de António Oliveira que, além de multifacetado e conquistador piloto, tem no filho Luís um bom exemplo da evolução desde jovem. O ‘Esgravulha’ recorda “a importante ajuda da Federação para a ida ao Campeonato da Europa de Enduro do Luís e do Diogo Ventura para evoluírem em termos internacionais”. Por isso, olhando para essa evolução, “a FMP deverá criar uma ajuda embora estar a apostar em tantos pilotos com este nível para estarem presentes no Mundial MXGP não seja uma boa política. É que nem é bom para os pilotos que desanimam face ao ritmo a que se anda aqui”.
Provavelmente o processo pedagógico ou a abordagem estratégica em termos de evolução está errado? Oliveira, o pai, responde. “Quando o Luís começou no Enduro, alinhou nos Verdes. Perguntaram-me porque não ia para o Open porque tinha bom andamento. Mas a verdade é que nunca tinha feito um enduro. Assim, se fosse para uma classe onde há pilotos de nível muito mais elevado, iria ‘levar forte na cabeça’ e talvez desanimar. Dessa forma talvez nunca ganhasse o entusiasmo e os conhecimentos necessários para crescer no enduro.”