Foi talvez a mais importante das corridas do Mundial em Águeda! Mesmo que tenha passado despercebida ao abnegado público que enfrentou o verdadeiro temporal que se abateu sobre o crossódromo do Casarão. Absorvidos pelos duelos entre Tim Gajser e Jeffrey Herlings que valeram triunfo em MXGP a Paul Jonass, ou pela exibição sem mácula de Liam Everts, duplo vencedor em MX2, não souberam que, ali perto, se travava outra importante luta. A da continuidade do Grande Prémio de Portugal. É que a prova lusitana está ainda a lutar pela sobrevivência no calendário do Campeonato do Mundo de Motocrosse. Mas nem o dilúvio afogou a esperança!
- Por: Paulo Ribeiro
- Fotos: MoveSoundClick
Um traçado retocado reforçava as expetativas de nova passagem do Mundial em Águeda. Depois das grandes alterações do ano passado, a caravana do Campeonato do Mundo de Motocrosse sabia que iria encontrar uma pista mais espetacular, com novos pontos de ultrapassagem e linhas mais variadas. Mas nada havia preparado o paddock, a organização ou o público para o dilúvio que podia levar todo o trabalho do ACTIB por água abaixo. Literalmente!
Afinal, o Águeda Action Club (ACTIB) continua a acreditar que vai revalidar a presença da elite do MXGP pelos próximos três anos. Apesar de “o futuro não estar ainda definido, a verdade é que há uma intenção clara de todas as partes em manter a corrida”. As palavras são de Tiago Silva, o recém-eleito presidente da Direção do ACTIB. Por conseguinte, o fim de semana do Mundial em Águeda foi bem aproveitado, “com reuniões com o Turismo, com a Secretaria de Estado do Desporto e com o Município. Afinal os três principais parceiros que temos de mobilizar e os únicos que podem garantir a permanência da prova. Sem eles, de todo será possível!”
Perigo no lamaçal vermelho
O alerta não deixa muita margem para dúvidas porque, até ao momento da assinatura do contrato com a Infront Moto Racing, promotora do campeonato, nada é definitivo. E é certo que faz muita falta o Mundial em Águeda. Aliás, como sublinha Tiago Silva, “não só a Águeda, mas a toda a região centro, que beneficia com o retorno aportado por este evento. E basta ver que hotelaria fica completamente esgotada. Mas para Águeda, cidade que dista dos grandes centros urbanos, ter uma prova desta envergadura, com o impacto económico que aporta, seria uma perda de grande peso”.
Só para ilustrar a dimensão da tarefa dos homens e mulheres do ACTIB, sublinhar o saldo negativo nas contas do clube aguedense em 2023, na casa dos 50 mil euros. Que chegaram a ver o horizonte mais soalheiro com “a pré-vendas de bilhetes bastante acima dos anos anteriores”. Mas, cientes da importância decisiva do dia de domingo e do apuro da bilheteira, temeram a enxurrada.
É que, “vítima dos baixos apoios face ao custo da corrida, esta organização está sempre dependente da bilheteira para conseguir pagar a prova. E isso materializa-se sempre ao domingo sendo que só nesse último dia conseguimos perceber, grosso-modo, se a corrida está ou não paga! Ora, com este tempo, as vendas de domingo foram residuais devido ao dilúvio que se abateu no Crossódromo Internacional de Águeda. E que transformou a pista de terra vermelha em enorme lamaçal, sobretudo nas mangas iniciais. Já antevíamos essas dificuldades face às previsões meteorológicas, mas ainda vamos fazer as contas…”
Resistentes ao temporal
Mas se o tempo inclemente baralhou a matemática do balanço, deu, em contrapartida, para perceber que Águeda tem condições para reagir à adversidade. “Foi, sem dúvida, uma prova de força, uma mostra de uma capacidade organizativa de uma equipa que assenta 100% no voluntariado. Uma equipa que esteve presente dia e noite para, apesar das condições, entregar um evento digno ao público, que é para isso que trabalhamos. Para Tiago Silva esta foi “uma prova cabal da capacidade do ACTIB, seja em que condições for, em realizar esta prova”. Tenacidade que não passou despercebida às estruturas da Infront e da própria Federação Internacional de Motociclismo. Reconhecendo, afinal, “esta estrutura tem capacidade para gerir uma prova do Mundial em Águeda, com uma enorme conjugação de esforços para que a pista ficasse operacional”.
Outra questão que se impõe face a alguma incerteza que rodeia o futuro internacional prende-se com as competições nacionais. E se, num cenário catastrófico, o Mundial em Águeda voltasse a sair do calendário? Tiago Silva enche o peito de ar e deixa uma garantia inequívoca. “Seria mais complicado manter uma pista que tem infraestruturas dimensionadas para o Campeonato do Mundo”.
“Ainda assim, na eventualidade de não termos Mundial em Águeda em 2025, continuaríamos a encetar esforços para o trazer de volta. Mas teremos sempre outras provas e outros eventos para trazer à pista. O ACTIB não desiste e a equipa que aqui está, tem o compromisso de o manter. E não vai desistir, mantendo a pista sempre operacional e pronta para o Nacional e outras provas”. Afinal há uma tradição iniciada em 1985, com o 1.º Grande Prémio de Portugal, que cumpriu 25 edições este ano. Sendo que nas duas últimas décadas apenas foi interrompido em duas ocasiões: de 2014 a 2016 e 2020/21.
Sandro Lobo: “Pista para aprender ao mais alto nível”
Também os pilotos que alinharam este fim de semana nas várias categorias do Mundial em Águeda temem a saída de Portugal de “uma pista que faz muita falta à modalidade. Tanto a nível nacional como internacional, já que oferece a única oportunidade para aprender com pilotos ao mais alto nível”. Sandro Lobo (na Yamaha YZF da Motos VR) conseguiu o melhor resultado entre os portugueses presentes no Europeu de 250, dominado pelo neerlandês Cas Valk, sendo 32.º na 2.ª manga. Onde alinhou, juntamente com Pedro Rino (KTM, 34º) e Martin Espinho (Gas Gas, 36º), graças aos problemas de outros pilotos, acabando por melhorar o andamento ao logo do fim de semana.
Esta prova “é uma importante mais-valia para os pilotos portugueses poderem ganhar ritmo. E isto numa pista que tem melhores condições face a muitas outras pistas europeias, mesmo algumas que fazem parte do Mundial. Poder alinhar no Europeu é muito bom e esta oportunidade de alinhar em Águeda, tal como em 2023, é uma ajuda enorme na evolução”. Por isso mesmo, seria “uma perda enorme se Águeda saísse do Mundial, deixando de ter os melhores pilotos do mundo a correr em Portugal. E é sempre muito bom vê-los andar, o ritmo e as técnicas deles, permitindo aprender sempre muito a ver os pilotos do Mundial”.
Luís Outeiro: “Dificuldades obrigam a pensar mais”
Também o seu colega Luís Outeiro que voltou a marcar presença na corrida do Mundial em Águeda, alinhando na categoria maior, a de MXGP. O piloto da Yamaha YZ450F da equipa da Venda do Pinheiro reconhece que “este é um traçado muito exigente, mas agradável. Além disso, a organização tem trabalhado muito e bem na promoção do evento. Mas também dá as respostas necessárias durante a prova”. No entanto, o piloto ribatejano viu-se muito limitado durante toda a prova.
“Devido a uma pista muito mais danificada do que no Nacional. Muito mais partida e com muito mais regos, fica naturalmente muito mais difícil, mas isso também é bom para evoluir. É que mais esforço obriga a andar mais e a pensar mais”. É que, sublinha Luís Outeiro, “mesmo já tendo andado neste traçado com muita chuva e lama, nunca tinha corrido com tantos regos e tão profundos. O que tornou as mangas verdadeiras corridas de sobrevivência, já que a pista estava realmente muito complicada”.
Manuel Marinheiro: “Faltam os apoios indispensáveis”
Outras dificuldades em corridas bem diferentes durante o fim de semana aguedense encontrou o presidente da Federação de Motociclismo de Portugal. Manuel Marinheiro garante que “a FMP está a envidar todos os esforços para haver uma continuidade nesta que foi uma grande aposta do ACTIB e da Infront. Para já, o que está em causa é a falta de meios necessários a eventos desta envergadura. Cuja dimensão não se compadece com apoios locais (sempre importantes e necessários), ou com o público e receita de bilheteira.
É um evento que está sempre dependente de apoios institucionais, quer a nível central como da autarquia. Por isso, e no sentido de conseguir reunir os meios necessários para a continuidade do Mundial em Águeda, estamos já a falar com a Secretaria do Estado do Desporto, com o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e também o Turismo de Portugal”. É que, continua o líder da FMP, “esta prova faz falta a Portugal e faz falta ao Mundial”.
Claro que, no pior dos cenários, com o desaparecimento do nosso País do calendário do MXGP em 2025, poderia haver reflexos em termos de competições nacionais. Cenário que Manuel Marinheiro afasta, porque “mesmo sabendo que esta é uma estrutura de Mundial e que, sem a realização desse evento, será mais complicado para o clube realizar a manutenção que permita a realização de outros eventos, contarão sempre com o apoio do município para manter esta infraestrutura”
Hugo Santos: “Há que ter maior responsabilidade”
Pelo mesmo diapasão afina Hugo Santos, acreditando que “a questão do Mundial em Águeda será resolvida nos próximos dias. É muito importante para todos os portugueses, sobretudo para os que estão ao motocrosse”. Afinal, sublinha o presidente da Comissão de Motocrosse da FMP, “é uma oportunidade única de ver em ação a elite do MX Mundial, os melhores pilotos do Mundo. O degrau mais alto da modalidade, onde todos querem chegar. Também por isso, a federação fez um grande investimento para trazer ao Mundial em Águeda uma dúzia de jovens pilotos”.
Assim, para a classe EMX125, para pilotos entre os 13 e os 17 anos com motos de 125 cc a 2 Tempos foram ‘convocados’ Tomás Santos, Rodrigo Barros, Bernardo Pinto, Filipe Saúde, Miguel Caridade, Gonçalo Cardoso e Vasco Salgado. Já em EMX250, para atletas com idade inferior a 21 anos e motos de 250 cc a 4 Tempos, foram cinco os pilotos com as cores nacionais. Com destaque para os três primeiros do Nacional de MX2, Sandro Lobo, Martin Espinho e Pedro Rino, juntamente com Alex Almeida e Afonso Simões.
E se, em 125 nenhum português logrou a qualificação, “algo que, infelizmente, não pode ser considerado anormal, dado o ritmo endiabrado desta categoria, muito diferente do Nacional” já em 250 cc apenas Espinho conseguiu garantir, por direito próprio, um lugar nas mangas decisivas. Que terminaria nas 35ª e 36ª posições respetivamente. Prestações que Hugo Santos – que, em 2005, marcou pontos para o Mundial em Águeda ao ser 17º – atribui à “falta de ritmo internacional”. Ainda que exija “maior seriedade e mais sentido de responsabilidade a todos os pilotos para que possam qualificar-se em corridas deste nível”. Afinal, talvez tenham a possibilidade de voltar a tentar em 2025. A concretizar-se a 26.ª presença do Mundial em Águeda!