MotoGP no Motorland de Aragão: difícil para os travões

O traçado do Motorland de Aragão é considerado como um dos mais exigentes do calendário da MotoGP, cuja 13ª jornada do Mundial tem hoje início, no que respeita à travagem.

Com um total de 11 pontos de travagem, os pilotos das motos de pista mais rápidas do planeta passam 31% do tempo por volta (106 segundos) a travar, percorrendo 1.515 metros com a manete direita apertada, o que representa 30% da distância do circuito aragonez, que é um dos mais extensos do calendários com os seus 5.077 metros.

O Motorland de Aragão é um dos circuitos mais exigentes do calendário para o sistema de travagem.
  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Imagens: Brembo, WorldSBK, Ducati Corse, Repsol Honda, Red Bull KTM

Numa escala de um a cinco em termos de dificuldade e exigência, a Brembo, que é a única fornecedora de sistemas de travagem para as MotoGP, classifica a pista localizada nas imediações de Alcañiz com um quatro em termos de dificuldade para os seus aparatos de desaceleração.

Como seria de esperar, o ponto mais difícil desta manobra situa-se no final da longa reta interior, que antecede a entrada na longa esquerda (na verdade são duas esquerdas com uma trajetória de dá a sensação de ser apenas uma curva) que dá acesso à reta da meta. As motos mais rápidas atingem o ponto de travagem com uma velocidade de 339 km/h e necessitam de perder 201 km/h para entrarem na curva a 138 km/h.

carbono e que se situam nos 800º C.

Esta travagem decorre numa distância de 282 metros e dura menos de cinco segundos, com os pilotos a aplicarem uma força máxima de 6,4 kgf ao apertarem a manete direita, o que gera uma pressão de travagem no sistema hidráulico de 13,8 bar. Esta representa quase 14 vezes a pressão atmosférica sentida ao nível do mar ou, noutra comparação, aquela que um mergulhador estaria sujeito a 138 metros de profundidade.

Enquanto os discos de carbono aquecem até aos 820 graus Celsius de temperatura, os pilotos são sujeitos a uma aceleração negativa de 1,5g, ou seja, é como se sentissem o seu peso aumentar 50%.

A travagem no final da reta da meta é outro dos pontos onde o sistema de travagem é solicitado.

Os outros pontos críticos para o sistema de travagem são a curva um, no final da reta da meta, e a curva 12, no final de uma longa esquerda feita a descer, ou seja, três curvas todas para o mesmo lado. Curiosamente, metade das curvas do traçado do Motorland são ‘negociadas’ abaixo dos 100 km/h, mas a dureza para os travões provém da sequência de travagens rápidas que ocorrem na porção inicial da pista, e que coloca um elevado esforço nos discos de carbono, os quais não têm tempo para arrefecer, de acordo com os elementos recolhidos pela Brembo nos diversos sensores distribuídos pela moto.

No Motorland, as MotoGP têm onze pontos de travagem, mais um do que as Superbike, situado antes da curva quatro.

Assim, na curva um as motos desaceleram 203 km/h em 240 metros e durante quase cinco segundos (passam de 290 km/h para 87 km/h), enquanto na curva 12 a velocidade reduz-se de 267 km/ para 91 km/h em 227 metros e durante o mesmo tempo: quase cinco segundos. Nesta, em particular, é de salientar que a manobra é realizada com a moto inclinada, o que requer mais sensibilidade do piloto para não bloquear a roda da frente, enquanto nas outras duas (curvas um e dezasseis), a maior parte do esforço de travagem efetua-se com a moto vertical.

Curiosamente, quando comparamos com o que se passa com as Superbike, motos derivadas de série, verificamos que os protótipos (MotoGP) tem mais um ponto de travagem (11 contra dez), situado na curva quatro, onde as SBK não recorrem aos travões pois a sua velocidade de aproximação é ligeiramente inferior, fruto da menor relação peso/potência. Simultaneamente, apenas passam 27% do tempo a travar, contra os 31% da MotoGP, que rodam cerca de dois segundos abaixo das motos de estrada.

As Superbike são ligeiramente mais lentas que as MotoGP mas obrigam a maior esforço de aperto da manete direita, pois não dispõem de discos em carbono e não conseguem utilizar o pneu traseiro para parar a moto de maneira tão eficaz como nos protótipos de MotoGP.

Ainda a título de curiosidade, e trabalhando com os números fornecidos pela Brembo, ao longo de uma volta o somatório da força máxima aplicada na manete direita em cada curva, resulta em 43,3 kgf na MotoGP e em 45,9 kgf para as Superbike que, como vimos acima, têm menos um ponto de travagem que as suas congéneres de Grande Prémio. Isto explica-se pela maior capacidade de travagem dos sistemas com discos e pastilhas de carbono, face aos discos de aço das motos derivadas de série, e pelo fato de as MotoGP tirarem mais partido do pneu traseiro na desaceleração.

Consoante a exigência do traçado, as equipas podem optar por discos de maior ou menor massa, que possibilitam lidar com e dissipar o calor da forma mais correta, para evitar sobreaquecimento constante que danifica rapidamente a estrutura do material em carbono utilizado na sua construção.

Finalmente, sabendo que os discos de carbono podem tocar, pontualmente, os 1000 ºC de temperatura, a dissipação de toda esta energia sob a forma de calor coloca sérios problemas aos componentes dos sistema de travagem e outros ao seu redor, como as jantes, pneus e braço oscilante, só para nomear alguns. O sistema hidráulico também se inclui na lista daqueles que têm de ser devidamente preparados para lidar com estas elevadas cargas térmicas, nomeadamente o fluído que se encontra no seu interior e se encarrega de amplificar a pressão aplicada no cilindro principal da bomba de travão aos êmbolos, os quais empurram as pastilhas contra os discos. Neste capítulo, a Brembo permite a escolha entre dois tipos de ‘óleo’ hidráulico, em função da sua resistência à temperatura e da sua higroscopia, que não é mais do que a propriedade de um fluido de absorver a água existente na atmosfera, ou humidade.

Pastilhas de travão para todos os gostos e de diferentes materiais.

Aqui convém dizer que se um fluido hidráulico retém água no seu interior, esta vai ferver quando a temperatura subir acima dos 100º C – o ponto de ebulição depende da pressão atmosférica – o que vai gerar bolhas de vapor de água. Como estas não têm para onde escapar, ao apertar-se a manete ou pedal de travão, parte dessa força vai ser utilizada para comprimir essas bolhas de ar em lugar de serem transmitidas aos êmbolos das pinças. Não só a potência de travagem acaba comprometida, assim como o ‘feeling’ na manete acaba por ficar esponjoso.

Um disco dianteiro em carbono e a respetiva pinça.

Em dias de maior humidade relativa, o fluido hidráulico de travagem tem de ser trocado diariamente. Em dias de menor temperatura, não há tanta necessidade de substituição do mesmo, pelo que as equipas escolhem normalmente o fluido LCF600, que é mais estável em termos de compressibilidade, mas mais higroscópico e com um ponto de ebulição mais baixo: 315ºC. Em contrapartida, o HTC64 resiste melhor ao calor – tem um ponto de ebulição situado nos 335ºC – mas com maior tendência para absorver humidade (daí a razão para ser trocado diariamente).

Por tudo o que acima fica dito, quando vimos os travões da Yamaha de Maverick Viñales (a estrear-se de Aprilia este fim de semana) desintegrarem-se no final da reta do Red Bull Ring, deparámo-nos com um bom exemplo que que o diabo está… nos detalhes.

As MotoGP são muito mais compostas na travagem do que a Superbike derivadas de modelos de série. Além de poderem ajustar a altura da traseira hidraulicamente, os Michelin traseiro ajudam a carregar muito do esforço de desaceleração, fazendo com que haja menos transferência.

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