A Moto Guzzi Stelvio é um verdadeiro paradigma nos dias que correm. Isto porque se há marcas modernas que se esforçam por fazer motos clássicas, há outras, centenárias, que em redor do seu património criam motos modernas! Em Mandello del Lario nunca abdicaram de uma filosofia muito própria, evoluindo cada modelo sem romper com um passado glorioso. E assim exaltando os valores que tornam a marca única.
- Texto: Alberto Pires
- Fotos: Paulo Ribeiro e Moto Guzzi
O nome Stelvio remete-nos para uma estrada no norte de Itália, próximo da fronteira entre Suíça e a Áustria. É famosa pelas suas 60 curvas, a uma altitude de 2757 metros, num ziguezague que a distingue graficamente e que tem sido utilizada como símbolo da grandeza natural possível de apreciar pelos amantes do mototurismo. Foi essa a razão que levou a Moto Guzzi a baptizar com o seu nome, em 2007, a sua primeira Adventure Tourer, um segmento de mercado tão competitivo quanto cheio de referências sensoriais. A nova Stelvio é muito mais que uma evolução da anterior. É um reformular profundo, a todos os níveis, dos elementos que permitem a uma moto transferir para o condutor o espírito e a essência dos locais por onde passa.
As linhas desta Moto Guzzi Stelvio são únicas, quase uma pedrada no charco. Foram décadas de uma imagem exclusiva, quase uma assinatura, mais ou menos apressada em função do segmento em que se incluía. Essa personalização tinha contudo limitações. Os novos modelos, passados alguns instantes, tornavam-se óbvios, com demasiadas parecenças, evidenciando-se num instante o que era novo do que era familiar.
Todo um mundo novo
Com esta Stelvio entramos num novo mundo, como se em Mandello del Lario tivessem promovido um concurso de design futurista e escolhido a mais arrojada. Se olharmos para cada uma das partes, da mais pequena à maior, vemos cuidado, integração, detalhe e bom gosto. Curiosamente, o novo motor já conhecido da V100 Mandello é nesta Moto Guzzi Stelvio muito mais favorecido. As proporções são mais ajustadas e o dinamismo das suas linhas adapta-se de forma magistral.
As dimensões do grupo dianteiro formado pela suspensão e carenagem em conjunto com a altura e formas da zona central evidenciam de forma magistral a configuração do motor, para aquela que considero como a mais elegante configuração de coletores de escape da atualidade. O design do braço oscilante que integra o veio de transmissão dá continuidade ao lado esquerdo e permite mostrar o aro no lado direito. Isto sem que a ponteira de escape, um elemento que por estar sempre constrangido pela sua função, se destaque negativamente do conjunto.
A todo este cuidado foi adicionada eficácia aerodinâmica, o que não admira pois a Moto Guzzi foi a primeira marca de motos a possuir um túnel de vento, inaugurado em 1954. No total, foram cerca de 1500 horas de ensaios com software específico e várias sessões de túnel de vento, nesse caso a pensar sobretudo na proteção do passageiro.
O elemento estético mais distintivo da Moto Guzzi Stelvio é sem dúvida o seu motor, mas vale mais do que isso pois o seu interior está repleto de soluções avançadas de engenharia.
Soluções de encantar
Quanto mais se olha para ele mais nos encantamos com as suas soluções. Apesar de ser refrigerado a água, as nervuras radiais no seu bloco transportam-nos para outros tempos e os 90º de rotação permitem esconder o sistema de alimentação. E colocar o coletor de escape numa posição muito mais conveniente, adaptando-se ao contorno do bloco, também ele repleto de formas que lhe imprimem dinamismo e modernidade.
Com 1042 cc de capacidade, quatro válvulas por cilindro e injeção eletrónica, debita 115 cv às 8.700 rpm, mas é no valor do binário e na sua quase omnipresença que brilha. Mais do que 105 Nm às 6.750 rpm, é o facto de 82% deste valor estar disponível desde as 3.500 rpm, combinado assim alongamento com disponibilidade.
De referir ainda que os intervalos de serviço são a cada 12.000 km, para um consumo anunciado de 5,1 litros a cada 100 km. Como o depósito alberga 21 litros, é uma questão de fazer contas…
Circuitos de segurança máxima
No capítulo da eletrónica assistimos ao estabelecer de um novo patamar. Já visto na indústria automóvel, chega agora às duas rodas a assistência à condução através de radar. Desenvolvido pela empresa de robótica da Piaggio sediada nos EUA, em Boston, o seu radar frontal apoia-se na tecnologia 4D Imaging Radar. Destaca-se por ser muito mais fiável, sobretudo em condições exteriores delicadas, quando comparado com os sistemas ultrassónicos tradicionais.
São três os sistemas disponíveis. O Forward Collision Warning (FCW) permite identificar potenciais colisões com com veículos ou objetos situado à sua frente. O Blind Spot Information System (BLIS) avisa o condutor relativamente aos veículos detetados pelos espelhos nos ângulos mortos. E o Lane Change Assist (LCA) identifica veículos situados até 30 metros da traseira da moto que se aproxima e que possam constituir um risco através da mudança da faixa de rodagem.
Por último, o Following Cruise Control (FCC), apenas disponível como equipamento opcional e que tem que vir montado da fábrica. Tem a função de Cruise Control adaptando a velocidade relativamente ao veículo que vai à sua frente, atuando igualmente como travão motor.
Tudo isto complementa a restante electrónica, a um nível igualmente superior. A IMU de seis eixos tem uma ação abrangente, disponibilizando um Cornering ABS desenvolvido pela Continental. Que através de um novo algoritmo, adiciona informação relativamente ao ângulo de inclinação e à pressão na manete, obtendo-se assim um melhor equilíbrio na atuação.
Tecnologia para todos
São cinco os modos de condução disponíveis, Tourism, Rain, Street, Sport e Off-Road, disponibilizando cada um 3 mapas de motor, 4 níveis de controlo de tração, 3 níveis de travão motor e 2 níveis de ABS. Estão programados em função da utilização esperada para essa utilização mas podem ser personalizados individualmente. O controlo de tração pode ser desativado em todos os modos e o ABS apenas no modo Off-Road.
A ciclística mereceu também particular atenção. O quadro aproveita o motor como elemento autoportante e fixa-o a quatro pontos, aumentando a sua rigidez estrutural em 20% relativamente à V100 Mandello. Na frente está montada uma forquilha Sachs, com 46 mm de diâmetro, ajustável em pré-carga e extensão. E na traseira um amortecedor Kayaba, também ajustável em pré-carga e em extensão, recorrendo neste caso a um ajuste remoto.
Imagem inconfundível
O primeiro contato, visual naturalmente, é de respeito. A Moto Guzzi Stelvio não é uma moto pequena, e também não parece estreita. Esta sensação é produzida pela largura do depósito, vincada pela frente ampla, com o farol horizontal e ecrã elevado, e pela largura e dimensões do banco do passageiro. Acresce ainda a presença visual do motor. Pela sua configuração sobressaem os cilindros, cárteres e transmissão, adicionando-se ainda do seu lado esquerdo o monobraço. Que alberga o veio de transmissão e o sistema de fixação da roda traseira. Curiosamente, quase desaparecem desta percepção os escapes, como que moldados a vácuo, o mono amortecedor dissimulado pela sua cor e posição e o sistema de travagem traseiro.
É esta imponência que contribui para a surpresa seguinte. Assim que nos sentamos o que está abaixo da linha do depósito desaparece e em momento algum incomoda. A altura do banco obriga a algum cuidado para quem tenha menos de 1,75 m. mas a largura do guiador ajuda a domar o conjunto.
Este bicilíndrico em V não é isento de vibrações, mas estão longe de incomodar, não existindo qualquer formigueiro tanto nos punho como nos poisa pés. Acabam até por fazer parte da sua personalidade, da sua assinatura mecânica. Os comandos são ergonómicos e a força que exigem para o acionamento é a adequada.
Percurso a condizer
O percurso levou-nos da cidade do Porto até ao Pinhão, à Quinta do Ventoselo, na margem esquerda do rio Douro. Ao longo dos cerca de 300 quilómetros, a enorme variedade de estradas revelou a vocação estradista e abrangente da Stelvio.
Pesando quase 250 quilos, atestada com o 21 litros de combustível, não podemos dizer que seja leve, obrigando a algum cuidado acrescido em manobras a baixa velocidade. Mas não é traiçoeira! A prova disso é que nenhuma das seis Moto Guzzi Stelvio presentes foi ao chão nas diversas manobras delicadas por que passou, e foram muitas. A disponibilidade do motor é omnipresente e, sinceramente, em estrada normal e com um empenho na condução que apesar de ritmado não foi intenso, não foi para mim perceptível a diferença entre os vários modos de condução, ou mapas, ou algum dos três diferentes níveis em que variam.
Provavelmente só no modo Rain ou Off-Road, em que é possível desligar o ABS, é que o conseguiria detetar. Ou seja, quando a base é saudável e o motor tem esta dimensão, as diferenças induzíveis pela electrónica só se notam quando nos aproximamos do limite de cada uma das utilizações. Algo que nunca aconteceu. Durante esta procura pelas diferenças sobressaiu, de foram inesperada, o som proveniente do escape. É profundo mas simultaneamente aveludado, soltando uns estalidos metálicos nas reduções. Igualmente agradável o painel de instrumentos, TFT a cores, grande e bem desenhado, dando prioridade no tamanho das informações, a utilidade que lhe é prevista.
Surpresas na inclinação
Ciclisticamente a Moto Guzzi Stelvio acabou por ser surpreendente. As suspensões, apesar do curso generoso, não induzem um efeito de baloiço em estradas reviradas com ritmo rápido. É assinalável a estabilidade, o acomodar dos diferentes momentos em ângulo, com os Michelin Anakee a adaptarem-se a todas exigências sem repreensões. A roda dianteira de 19” revelou-se uma medida acertada para a abrangência pretendida na sua utilização. A travagem mostrou-se em grande nível, tanto em termos de potência como do doseamento. Em alguns pontos por onde passámos, com empedrado irregular polvilhado com terra, foi possível ir à procura do comportamento do ABS e do controlo de tração. Passaram ambos com distinção, já que entravam em funcionamento sem ser de forma brusca, digerindo de forma surpreendente a agressividade a que foram submetidos.
Em estrada aberta, a caixa de velocidades com acionamento através de Quickshift nas duas dimensões revelou-se ao nível do standard atual. E até ajuda a fazer esquecer a lentidão e falta de precisão que caracterizou a marca durante décadas. O espaçamento está correto, na sexta velocidade às 5.000 rpm roda-se a uns previdentes 140 km/h em autoestrada. E os 200 km/h atingem-se às 7.000 rpm, ainda longe do ‘red line’, que já nos podem custar 675 € e 2 anos sem carta…
Conforto turístico
Boa nota para o funcionamento elétrico do para brisas, que sobe ou desce sete centímetros de forma contínua através da pressão com o polegar esquerdo. Não gostei contudo da espessura do vidro, que distorce um pouco a imagem e é menos transparente do que devia. Os espelhos podia também ser ligeiramente maiores. Quanto à proteção aerodinâmica, é muito boa, não causa remoínhos e pode ser aprimorada através da altura do ecrã. Os guarda mãos ajudam a este quadro, proporcionando conforto e proteção, se for necessário.
A Moto Guzzi Stelvio está disponível com duas decorações, preto/cinza ou amarelo/cinza. A versão base é proposta a 16.499 €, mas se a encomendar com o sistema PFF Rider sobe para os 17.299 €. A gama de acessórios disponíveis não é muito extensa. Mas com as malas, proteções, luzes de nevoeiro e mais alguns detalhes eletrónicos, a fatura rapidamente se aproximará do 19.000 €.
A título de conclusão, a Moto Guzzi Stelvio tem argumentos comparativos suficientes para ocupar uma posição relevante num dos mais importantes segmentos da atualidade. Trata-se de uma moto moderna, mas que se diferencia das restantes por tudo aquilo que vai buscar às origens da marca. E que fazem dela, ainda hoje, um símbolo mundial do motociclismo.