A moto na China tem uma história muito mais antiga do que se imagina! Encontrar motos de marcas chinesas nas nossas estradas já não é novidade há algum tempo. Os modelos que vemos vão ao encontro dos gostos dos motociclistas mais exigentes. Mas, o que pode parecer uma exploração ou uma invasão comercial da potência asiática mais falada nos últimos anos é, na verdade, a conclusão de um processo que começou há muito tempo, remontando aos primórdios da indústria.
- Texto: Alex Ricci
- Fotos: arquivos de Alex Ricci e Luigi Rivola
As guerras, o ópio e as motos
Para melhor compreender a história da moto na China, é necessário recuar no tempo. Até meados do século XVIII, quando o Império Celeste comercializava com as nações ocidentais, exportando mais do que importava para o seu próprio território. E, simultaneamente, vivia conflitos amargos como as duas Guerras do Ópio contra a Grã-Bretanha e as potências aliadas. Delas, saiu derrotado e com a obrigação de ceder direitos aos vencedores. Esta fase durou até ao início do século passado, quando as revoluções industriais já tinham abalado o Ocidente e os primeiros veículos motorizados produzidos em massa povoavam a Europa.
Nessa altura, a China era ainda um país muito fechado em termos de industrialização, preso a tradições milenares. Presume-se que os motociclos e outros veículos motorizados chegavam ao país pela mãos de cidadãos estrangeiros. Estes utilizavam-nas e, antes de regressarem, vendiam-nas a alguns chineses abastados. Foi apenas após a Revolução Popular, liderada por Mao Tse-tung que se verificou uma mudança substancial de rumo. Era a expansão do comunismo e da sua teoria económica. A República Popular, fundada em 1949, viu nascer as primeiras fábricas e podemos dizer que a moto é o veículo que iniciou a industrialização da China.
Jinggagngshan, a primeira
Com um salto temporal de cerca de cinquenta anos, este enorme país começou a produzir o que já tinha sido pensado e concebido no nosso mercado livre. Fontes confirmam que a primeira fábrica de motociclos foi a Jinggagngshan, que abriu as suas portas em 1951 com a apresentação do primeiro modelo derivado diretamente da Zundapp K500 do exército alemão. Afinal, sem experiência, os fabricantes chineses tinham de se inspirar em algo já construído. As guerras tinham fornecido modelos como as BMW ou as Harley-Davidson americanas, nas quais os engenheiros tinham feito formação.
Pequim precisava das suas próprias motos e Mao tinha-se apercebido disso numa viagem a Moscovo, onde visitou uma fábrica de automóveis e declarou que queria uma igual na China. No entanto, na China de Mao, o processo que deveria gerar esse salto em frente estava a produzir efeitos secundários muito graves que culminaram numa terrível fome em 1960, a qual levou à morte de pelo menos catorze milhões de cidadãos.
A Rio Yangtzé 750
Porém, a fábrica desejada pelo líder estava a ter dificuldades em surgir e o primeiro carro concebido e testado nunca chegou às linhas de produção. Entretanto, a moto copiada da Zundapp K500 era a única disponível também para o exército. Logo depois, em 1957, juntou-se a Rio Yangtzé 750, construída pela Xiangjiang e Hongdu. Tratava-se de um sidecar com um motor boxer de dois cilindros copiado da Ural M72 russa, que por sua vez havia sido copiado da BMW 750 alemã da Segunda Guerra Mundial.
Assim, as cópias dos modelos considerados mais adequados ao desenvolvimento da nação começaram a crescer. Logo em 1979, a Xingfu 250, derivada da checoslovaca Jawa, é disso um bom exemplo. Até então relegada para os serviços postais, foi também oferecida ao público, alcançando grande sucesso e o título de moto do povo. Mas a China também tinha o seu próprio empresário de excelência. Aquele que iria finalmente dar um rosto às motos neste país, que estava a mudar de pele e a passar de Mao para o comunismo liberal de hoje. De fato, Zuo Zongshen fundou a Zongshen em 1992, levando-a, em poucos anos, a competir com os seus concorrentes no setor. Sem dúvida que estava lançado o novo rumo da indústria produtiva da moto no China.
A moto na China de hoje
Depois de ter dado esse salto em frente, que a política maoísta tinha perseguido sem grande sucesso, eis-nos hoje com as marcas chinesas a adquirirem empresas ocidentais como a Benelli, por exemplo. E a manterem o fundo histórico que os próprios chineses nunca tiveram, mas com o qual contam para investir o seu (enorme) capital e a produtividade com que podem aspirar a números recorde no domínio industrial.
A Qianjiang, fundada em 1985 e hoje conhecida como QJMOTOR, faz parte do grupo Geely, que detém a Volvo e cinquenta por cento da Smart. Este nunca se limitou a relançar uma marca adquirida e a manter vivo o seu prestígio, mas está a explorar a ‘joint venture’ para produzir as suas próprias motos, a fim de ser competitivo e realizar o sonho de pessoas como Zuo Zongshen e outros.