Kawasaki e Rea querem aprender a aterrar!

  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Fotos: WorldSBK

A Kawasaki também fabrica helicópteros mas não é propriamente este o tipo de aeronaves a que se refere o seis vezes campeão mundial Jonathan Rea. No primeiro dia de treinos da ronda de Jerez de la Frontera, a segunda de três fins de semana consecutivos para as três categorias que integram o mundial e cuja última é na próxima semana em Portimão, o norte-irlandês deixou toda a gente a olhar para os monitores com os tempos dos treinos, ao rodar uma volta em que foi mais rápido quatro décimas de segundo que o piloto que o precedeu, Michael Ruben Rinaldi.

“Não me preocupei muito com o tempo, mas antes com o trabalho que tínhamos pela frente”, disse sob um céu plúmbeo que ameaçava ‘abrir as comportas’ a qualquer momento. “Iniciámos a manhã com uma nova afinação que temos vindo a apurar nas últimas corridas realizadas debaixo de calor. A ideia é tirar alguma da aderência da roda traseira que lhe confere o pneu de corrida mais brando e coloca em causa o equilíbrio da moto, ao empurrar em demasia a frente, o que a deixa em crise. Mas acabámos por voltar ao habitual no final da primeira sessão, para confirmar que a nova ideia sobre a afinação funciona”. Rea entrou então numa sequência de várias voltas, “para entender o meu ritmo e a perda de rendimento do pneu com o calor, o qual se mostrou muito consistente, sobretudo nas rápidas direitas do último setor, onde se nota uma quebra considerável à frente e atrás em termos de aderência e tração”.

Melhorar a aterragem

Foi no primeiro setor que surgiram os problemas ligados à aeronáutica. “Temos de melhorar a capacidade de aterragem da moto”, referindo–se ao ponto de travagem da primeira curva, a direita no final da reta da meta. “Há um ressalto enorme no lado esquerdo da pista e quando a traseira aterra a moto terra dá um golpe e começa a lutar com o travão motor, o que me impede de a girar de uma forma mais suave para o vértice da curva, como vejo os outros pilotos fazerem.”

Não deixa de ser interessante esta tendência de tirar aderência ao pneu traseiro nas últimas corridas, um ponto que outros construtores têm lutado para conseguir e a Kawasaki parece ter a mais. “A questão é que se não consegues chegar ao vértice da curva, não consegues sair dela da melhor forma. Entras com demasiado ângulo de inclinação e acabas por sair muito largo. Algumas vezes, para andares rápido tens de conseguir parar a moto de uma maneira melhor. O que temos vindo  fazer não é nada de revolucionário. Nalguns circuitos funciona, noutros não. Contudo, este problema da traseira tem vindo a causar problemas no pneu dianteiro para o final da corrida e acho que estas alterações nos vão dar maior competitividade para esta fase da corrida”.

A saída de Chaz Davies

É um dos assuntos do fim de semana, com o galês a anunciar a saída do mundial de ‘Superbike’ no final deste ano, numa conferência de imprensa em que Chaz e os seus principais rivais de anos e anos quase se esvaíam em lágrimas.  Jonathan Rea também não ficou indiferente a um momento de mudança, em que o futuro de pilotos que bem conhece tem mais pontos de interrogação do que certezas, como são os casos de Tom Sykes ou Leon Haslam. “Pffffff!!!!”, exclamou o campeão mundial. “Em relação ao Chaz fiquei triste. Sem dúvida foi o maior rival da minha carreira e quando ele fez o anúncio da sua retirada acabou por ser uma surpresa, pois todos pensamos que as carreiras dos pilotos duram para sempre. Tu tens visto pilotos a entrar e a sair o tempo todo, mas na minha era o Chaz esteve sempre presente. Tivemos batalhas enormes, dentro e fora da pista, no que foi uma rivalidade muito intensa. Fico contente por ele ter clarificado a sua decisão de abandonar o Mundial. Não parece que ele vá pendurar o fato. Mas tenho de lhe agradecer por me ter ajudado a subir o nível de pilotagem num determinado ponto da minha carreira. Ele serviu muito para me motivar durante alguns invernos enquanto treinava em casa e só pensava nele. Mas não se pode praticar este desporto para sempre. Fico, em parte, triste por ele e por tudo isto ser anunciado após a lesão que contraiu em Barcelona, apesar de ser uma decisão que parece andar na sua cabeça há já algum tempo. Ainda estive para lhe perguntar, para conhecimento pessoal, se este sentimento aparece de repente  ou vai crescendo. É que eu estou a ficar velho mas o apelo para parar não surge. Por isso, é algo que te atropela como um camião ou vai crescendo devagar?”.

Apesar da idade, Rea ainda mostrou a sua juventude com uma égua, ‘à la Toprak’, no final da sessão de treinos. “(risos) Fiz isso porque acabei por me divertir imenso com a minha moto”, referiu. “A manhã foi complicada porque andámos sempre com o mesmo pneu dianteiro. E quando colocámos o pneu traseiro novo, mantendo o da frente, foi um desastre. À tarde adorei o ‘feeling’ adicional que a moto me deu e que tanto necessito como motivação extra para levar de vencida este campeonato”.

As redes sociais e a quebra de Garrett Gerloff

O norte-americano Garrett Gerloff, de quem tanto se esperava esta época, tem vindo a decair de rendimento e resultados, na sequência das quedas protagonizadas com outros pilotos, como Jonathan, no Motorland, Michael Ruben Rinaldi, no Estoril, ou Toprak Razgatlioglu, em Assen. Será que o campeão mundial nos pode ajudar a decifrar o que passa pela cabeça de um piloto nesta situação? ‘De certa forma, sim!’, exclamou. ‘(pausa) nos dias que correm, sobretudo com as redes sociais, qualquer indivíduo expressa a sua opinião. Eu tive imensos problemas após a decisão da direção de corrida [de penalizar Toprak na corrida de ‘Superpole’, o que acabou por dar a vitória ao norte-irlandês] há duas semanas atrás, em Magny Cours. As redes sociais foram horríveis, até mesmo a minha! Três dias depois do incidente coloquei uma foto da minha moto de cross e ainda continuei a receber um monte de comentários negativos. É preciso ter as costas largas quando lês gente a dizer que não pode esperar para te ver cair e outro tipo de comentários horríveis, que vi sucederem também com o Garrett. Tenho muito pena dele, porque ele não tem nada de estúpido. Cometeu alguns erros, sim, mas o maior terá sido o fato de ter levado com ele um dos pilotos mais importantes na luta do campeonato, como viste em Assen. Recuperar de tudo isto mentalmente é muito duro. E as pessoas que se sentam atrás de um monitor e de um teclado têm grande responsabilidade. Elas pensam que quando colocamos o fato e o capacete estamos protegidos de tudo e somos invencíveis, mas esquecem que por baixo de tudo isso está uma pessoa com sentimentos e emoções. Tenho pena dele porque não é o mesmo piloto que era no início do ano. Dentro da minha equipa considerávamos que ele poderia lutar pelo mundial. Ele é muito forte e talentoso, pelo que espero que estes tempos mais discretos o possam ajudar a recuperar”.

À espera de Rea com uma pistola

Perante os ataques desferidos de todo o lado contra Rea, foi considerada colocar a atividade das redes sociais de Jonathan nas mãos  de Eva Blanquez, a responsável de comunicação da KRT Provec? “Para te falar a verdade, só soube desta troca de posições em Magny Cours algo tarde, quase quando já estava para sair do circuito e peguei no carro para ir apanhar o avião a Paris. Quando vi o meu Instagram, a primeira bomba de serviço em que parámos, parecia que tinha explodido uma bomba. Não foram os tempos mais simpáticos após o sucedido. O jornalismo deve reportar os fatos e deixar as emoções de lado, e é importante ser-se amável, sobretudo nos dias que correm e com todos os problemas de saúde mental que persistem. O estigma atual é sobre a saúde mental das mulheres, mas a dos homens também importa. Mas quando dás às pessoas uma plataforma para serem más, isso não é nada agradável. Já tinha passado por isto em 2009, quando eu e o Noruyki Haga nos tocámos na primeira curva do Nurbürgring e ele caiu. Os fãs italianos disseram que estavam à minha espera na curva de Tosa, em Imola, com uma arma. O estereótipo que tenho desta gente é de um individuo atrás do computador, com uma garrafa de três litros de bebida energética, em casa dos pais, que querem ser maus por não terem autoestima. Nos dias que correm é importante ser-se amável para com os outros”.

Em Jerez de la Frontera de BMW R1250RT

Tentando assistir às provas ao vivo levando uma moto de um dos fabricantes que alinha no Mundial de Superbike, desta vez tocou-nos em sorte uma BMW R1250RT, que a Carmen Mora, da BMW Espanha, rapidamente nos disponibilizou.

Ligando Madrid à terra do vinho de xerez pela A4, para fugir aos dilúvios pontuais que a depressão em altitude veio a causar um pouco por toda a Península Ibérica, será escusado dizer que os 630 de distância foram percorridos com uma ‘perna às costas’, tais as aptidões da bávara para o mototurismo, com apenas uma paragem de reabastecimento e um ritmo bem despachado. Proteção, equipamento e desempenho dinâmicos estão mais refinados do que nunca nesta versão da ‘road tourer’, que exibe ainda um novo visual.

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