- Texto: Alberto Pires
- Fotos dinâmicas: Hellofoto
Foi a frustração de desistir na última volta de uma prova de clássicas, em 2009, aos comandos de uma Norton Manx 500 que se ia desfazendo em peças, que me levou a mergulhar nesta aventura.
Escrevi na altura, na reportagem que fiz para a revista Motociclismo, que a melhor opção para vencer na classe C3 era a Yamaha RD 350 LC. Não estava enganado. A decisão definitiva foi tomada quando o Engenheiro António Nicolau me propôs preparar a moto, integrando essa tarefa no trabalho final do curso de engenharia de um dos seus alunos no ISVOUGA.
Comecei por comprar uma RDLC 350 L0 de 1981 mas assim que a recebi apercebi-me que tinha enfiado um enorme barrete, tal era a quantidade de coisas que teria que lhe fazer para a tornar competitiva. Como entretanto o regulamento foi alterado, permitindo que as motos até 1983 pudessem participar, decidi comprar uma RD 350 LC YPVS 31K. Procurei no e-bay e encontrei na Alemanha uma 31K supostamente boa para correr. O que não estava visualmente em condições era para substituir de maneira que não valia a pena pagar por peças em bom estado que não iriam ser usadas. Custou 1300 € e o transporte 476 €. Assim que chegou iniciámos a preparação, começando por desmontá-la até ao tutano.
O princípio orientador foi o de sempre, reduzir peso não suspenso e melhorar a performance mecânica. Comprei no e-bay um par de avanços reguláveis Tomaselli e tratei de substituir as jantes por umas iguais da versão F2, mais leves cada uma cerca de 400 gr. No total, com portes, 160 €. Mandei vir as carenagens de França, muito bem acabadas e leves, e chegaram quase ao mesmo tempo que o amortecedor Bitubo e o cavalete encomendados à AG Racing.
Deu-se início entretanto à revisão mecânica. A embraiagem estava no seu conjunto boa, aligeirámos o volante do motor 89 gr e rebaixou-se a culassa 0,3mm. Montaram-se escapes da Micron, herdados da RD comprada anteriormente, pneus Avon AM 22 na frente e AM 23 na traseira, e começámos montá-la para a testar na pista de Braga, aproveitando os vários “track days” que por lá se realizavam.
Simplesmente, é nos detalhes que está o diabo, e aos poucos fomos saltando as oportunidades para a levar à pista. Falhámos os dois primeiros treinos e num instante já tínhamos saltado também a primeira prova, em maio.
O primeiro teste aconteceu já em junho, na pista de Braga, depois de termos falhado também a oportunidade de rolar num dos cursos de condução na pista do Estoril. O plano era rodar com calma nas primeiras voltas, para ver se estava tudo bem. O motor mostrou que só acordava por volta das 8.000 rpm e tinha que se levar até às 11.000 rpm caso contrário não agarrava bem a seguinte. A frente estava lenta a meter em curva, os travões ainda não estavam acamados e só metia sexta já depois da saída das boxes, não esgotando. Ficou evidente a excelente aderência dos pneus. O pior estava para vir. Antes da curva do gatilho, à quarta volta, o pé direito escorregou do patim e pouco depois ouvi um barulho estranho. Entrei nas boxes e demos conta que o veio do kick tinha saído e despejado o óleo do motor para cima do pneu. Nem sei como não caí na entrada da reta! Apesar de tudo foi uma sessão proveitosa. Ficou claro que tinha que se baixar a frente cerca de 55 mm, colocar os avanços no topo das baínhas, retirar o veio e tapar o buraco, ver a carburação, que estava um pouco rica, e aumentar um dente na roda dentada traseira.
No treino seguinte, em Braga, percebemos que a relação de transmissão continuava longa e resolvemos retirar um dente ao pinhão. A frente, entretanto descida, metia-se agora melhor em curva mas continuava muito má à saída, não permitindo acelerar com decisão. Após mais duas possibilidades falhadas de treinar, fomos finalmente a Braga em julho . Com o aumentar do ritmo começaram os problemas de suspensão. Trocámos a viscosidade do óleo, mas nada, cada vez ficava pior, com a moto aos saltos em curva e sem estabilidade na roda da frente. Como bónus, percebemos que entretanto o CDI queimou e só trabalhava ao ralenti.
Nos dois meses seguintes, fizemos três testes em braga. Conseguimos definir a relação de transmissão, para esgotar nos últimos cem metros, e os travões estavam razoáveis. O único problema continuava a ser a suspensão, que após várias trocas de óleo, alturas, tacos no interior, válvulas Race Tech, pressões de pneus e tudo e mais alguma coisa, garantia apenas duas voltas rápidas e, depois, tinha de se baixar o ritmo para não começar aos saltos. Seja como for já estava a rodar em 1:32,9, cerca de segundo e meio mais rápido que o vencedor da prova anterior.
Fomos para a corrida em Braga com alguma esperança, apesar da previsão ser de chuva. É desconfortável e mais imprevisível, mas sempre me senti bem em piso molhado.
Acabaria no entanto por correr bem. No primeiro treino com piso ainda molhado fiz o melhor tempo sem qualquer esforço, com 3,1 segundos de vantagem sobre o segundo classificado, e no segundo fui para a pista apenas para ver se estava tudo bem, melhorando o tempo ligeiramente mas ainda assim o suficiente para fazer a pole position. Sabia que a corrida não ia ser fácil, e que no arranque dificilmente chegaria à primeira curva na frente.
Foi o que aconteceu, mas o André Caetano e o Hermano Sobral acabaram por me facilitar a vida ao disputarem demasiado a travagem para a curva. Passei-os pouco depois da entrada e esforcei-me por cavar um fosso que desmoralizasse qualquer tipo de perseguição e que me permitisse depois baixar o ritmo. Acabou por resultar. À passagem pela terceira volta a distância era de quase nove segundos e, apesar da suspensão da frente ter perdido a eficácia, ainda conseguia sem dificuldade ganhar algumas décimas em quase todas as voltas, permitindo um resultado apreciável, materializado no melhor tempo em ambos os treinos, a volta mais rápida em prova e a vitória, com 12 segundos de avanço.
Devo a vitória aos amigos pela ajuda e incentivo, à família da clássicas pelo excelente ambiente e receptividade, ao Spencer Reeves pela ajuda em Inglaterra e em especial ao Eng. Nicolau e ao Carlos Martins pela pachorra em me aturar, conseguindo simultaneamente resolver uma parte importante dos problemas. Todos os testes não seriam possíveis sem a amabilidade do Sr. Porfírio, do CAM, cujas facilidades concedidas ao longo dos últimos quatro meses foram determinantes para obter esse resultado.
Apesar da felicidade do momento, decidi que só voltava a correr quando a moto estivesse verdadeiramente em condições.
Iniciou-se então um nova aventura nos 6 meses seguintes. Comprei um motor em Inglaterra preparado pelo Bob Farnham, montaram-se carburadores Keihin 26 mm, um radiador maior proveniente de uma RGV 250, melhorou-se a travagem dianteira com a montagem de uma pinça de quatro pistões proveniente de uma Triumph 955 Daytona e um disco flutuante de uma T-Max 500. Na traseira montou-se uma pinça Brembo e um disco muito trabalhado proveniente de uma BMW G450X. O Eng. Nicolau fez uma série de peças em alumínio e conseguimos finalmente uma acerto na suspensão que só obrigava a reduzir ligeiramente o ritmo.
Nesse ano venci quatro das cinco provas em que participei, batendo sempre as TZ’s presentes. Em Portimão terminei em segundo, atrás de um Suzuki 1100 com mais do dobro da potência da RD. Ainda havia margem para melhorar, mas decidi que no ano seguinte alinharia numa TZ !