Jorge Viegas: as grandes conquistas e novidades que nos reserva a FIM

A terceira e última parte da nossa conversa com o Presidente da FIM é a mais vibrante. As revelações e surpresas são muitas da parte de quem pensou em tudo e executou ao milímetro, não obstante as vagas alterosas que o foram surpreendendo ao longo do mandato.

A reeleição do gestor português está cada vez mais no horizonte e a obra tem vindo a ficar feita. Mas o que falta ainda contar?

  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Fotos: KTM Racing, Ducati Corse, Ten Kate Yamaha, Discovery, Suzuki Racing, GP One, ETS Racing, FIM e Fernando Pedrinho
Manuel Lettenbichler com a KTM 300EXC no Erzbergrodeo.

Os assuntos discorreram como uma folha levada pela brisa. E do mototurismo ou da mobilidade urbana nem deu tempo para falar. Tocámos no extinto campeonato paralelo WESS, que agora está chancelado pela FIM sobre o nome de ‘Hard Enduro’. “Tomou-me dois anos de conversações com a KTM e a Red Bull para conseguir trazê-los até nós”, revelou Jorge Viegas.

O natural de Faro não se tem cansado, por outro lado, de investir na parte técnica, pois “era uma área praticamente inexistente no seio da FIM. Contratei o Ludovic Reignier, que era o responsável da parte eletrónica de todo o universo Yamaha, desde o Dakar ao MotoGP, o qual iniciou funções há muito pouco tempo e já esteve nas 24 Horas de Le Mans”, como coordenador técnico.

Nicolò Bulega e a Ducati V2 Panigale, um dos modelos da Nova Geração do Mundial de Supersport.

Supersport Nova Geração: sucesso à primeira?

Tive o privilégio de ouvir da boca de Jorge Viegas e publicar, em primeira mão, que o Mundial de Supersport iria mudar a sua regulamentação de uma forma substancial, de forma a melhor refletir a realidade. Foi há três e o Presidente da FIM cumpriu a promessa. Os modelos homologados como ‘Nova Geração’ estão a entrar bem no campeonato e é expectável que mais marcas queiram também aderir. “A Honda vai vir, quase de certeza”, rematou Jorge Viegas, “e a KTM também tem modelos competitivos. Estamos muito abertos a alterar o regulamento a meio da época se for necessário. Se virmos que há preponderância de um modelo face aos restantes, nós atuaremos. Tem de haver equilíbrio, senão não vale a pena”.

Mas qual foi a filosofia por detrás do câmbio mais radical de sempre alguma vez experimentado pelas Supersport? “Muito simplesmente, agarrar nas motos que se vendem e pô-las a correr! De outra forma, só iríamos ter Yamaha e Kawasaki a vida toda. Por outro lado, deixa de haver o tabu da cilindrada: nenhuma destas motos novas tem motor de 600cc. As 600cc deixaram de se vender. Foi tudo feito em concertação com a Dorna e a FIM, mas ainda há alguma contestação, nomeadamente da Yamaha.

Por quanto mais tempo irá a Yamaha YZF-R6 dominar a cena mundial das Supersport?

Recebi cartas com um conteúdo violentíssimo enviadas pelo Éric de Seynes, o presidente da Yamaha Motor Europe, contra a entrada das Ducati com mil de cilindrada, as Triumph e MV Agusta, com motores de 800cc. O pessoal da Ducati ficou chateado por chegarem e não vencerem logo de entrada. Ainda assim, a Yamaha [com a campeoníssima YZF-R6] ainda está no topo da categoria com corridas muito giras de seguir. Tive oportunidade de dar os parabéns ao Éric depois da primeira corrida do Mundial e ele ficou um pouco encalacrado”.

Corridas equilibradas são o ponto fundamental de qualquer categoria que integre um mundial. “Nas Superbike é uma loucura”, anuiu Jorge Viegas “e quando estive agora nas 24 Horas de Le Mans, e nas primeiras quatro horas, os seis primeiros lugares eram ocupados por modelos de outras tantas marcas. É raríssimo que isto aconteça. Em MotoGP consegue-se ter três ou quatro marcas, mas seis fabricantes nos seis primeiros lugares durante tanto tempo é uma coisa rara de se ver”.

Enduro com toque nacional, Speedway vai arrasar

“Temos um novo promotor do Mundial de Enduro, que por acaso até é uma empresa portuguesa: a Prime Stadium. Estou esperançado que vai ser um grande campeonato e a adesão dos patrocinadores tem sido considerável. Realizámos um grande trabalho nos dois últimos anos para levantar o Mundial de Enduro, ao ponto de termos sido o promotor do mesmo nesse período.

Temos, também, um novo promotor, que é só a maior empresa do mundo de entretenimento, a Discovery, para o Mundial de Speedway. Vocês nem imaginam o que vão ser as boxes e o ‘paddock’ deste campeonato. Eles levam toneladas de material para cada prova e vai ter uma imagem… ao nível do MotoGP. Depois da Dorna é o maior patrocinador que temos e os pilotos ficaram maravilhados com o que viram na apresentação que fizemos na Polónia. Vai ser uma coisa de primeiríssima qualidade”.

Reabastecimento da Suzuki GSX-R1000R da Yoshimura SERT, em Le Mans.

Mundial de Resistência a subir de forma incrível

A Discovery junta assim ao EWC, o Mundial de Resistência, a fórmula dedicada às longas derrapagens em ovais de terra. “O Mundial de Resistência também tem vindo a subir de uma forma incrível”, recordou Jorge Viegas. “É cada vez menos francês e quando olhas para a classificação já não vês aquela hegemonia das equipas gaulesas”, mesmo tendo sido uma equipa do país do galo, a Yoshimura SERT a vencer a última edição das 24 Horas de Le Mans. “A Yoshimura SERT é uma equipa nipo-francesa que encerra um pormenor deveras interessante. Numa vitória toca o hino francês, mas na vitória seguinte será a vez do hino japonês. Só para veres, na vitória que alcançaram nas 24 Horas de Le Mans, subiram ao pódio e soou o hino japonês. Mas tens lá a BMW, a Ducati, equipas alemãs, austríacas e italianas. É verdade que o ADN da resistência ainda tem muito de francês, mas se olhares para as equipas da frente há algumas que só têm um piloto dessa nacionalidade, ou mesmo nenhum”.

Os combustíveis de competição não fósseis perdem apenas um cavalo

A Dorna e a FIM apresentaram já perto do final do ano passado,  a intenção de terem as motos de MotoGP a utilizarem combustíveis de origem não fóssil: 40% da composição já em 2024 e 100% sintético a partir de 2027. Simples manobra de marketing ou já está algo de concreto a ser feito para se atingirem esses objetivos? “Bem pelo contrário, até é possível que se venham a antecipar essas metas”, revelou o Presidente da FIM. Cada uma das marcas que integram a respetiva associação, a MSMA, tem uma companhia petrolífera associada e estão todos a trabalhar nestes e-combustíveis, chamados de sintéticos, cuja combustão é quase isenta de emissões. Ainda ontem falava com o Hervé Poncharal que me disse que com os 40% de componente sintética perderam apenas um cavalo de potência e aumentaram o consumo em somente 1%, tudo isto numa fase ainda embrionária de desenvolvimento. Mas repara numa coisa: a competição motociclista representa ‘zero’ em termos de emissões.

Qualquer Jumbo a voar para os EUA, qualquer jogo de futebol, com todos os espetadores a deslocarem-se para o estádio, emitem muito mais emissões que qualquer um dos nossos campeonatos. Contudo, nós temos de mostrar o exemplo, que somos líderes de tecnologia e de forma alguma alheios ao problema do aquecimento global, pois nenhum de nós quer acabar como o frango no espeto. Temos de fazer a nossa parte, como te dizia antes em relação à Rússia, porque nós somos olhados com muito mais atenção que uma qualquer empresa ou um simples cidadão. Por isso, vamos mesmo avançar com os combustíveis sem emissões e tenho, simultaneamente, muita confiança que a questão do hidrogénio verde se desenvolva muito mais depressa do que se imagina. Hoje não é possível optar pelo hidrogénio, porque as motos necessitariam de ter um depósito com o dobro da capacidade para garantir a mesma autonomia, mas acredito muito na tecnologia e havemos de lá chegar. Os maiores investimentos mundiais do setor energético estão a ser feitos no hidrogénio”.

A sede da FIM, em Mies, na Suíça

O que ainda falta fazer

Apesar de se encontrar a caminho do final de mandato, o ‘road map’ de Jorge Viegas permanece inalterado e com coisas ainda por fazer. “Em Agosto vamos começar a construção da nova sede da FIM, para permitir que a atual seja transformada no Museu da Moto Desportiva. Eu sempre quis fazer um museu porque há muitos colecionadores que querem doar as motos de competição, fatos, capacetes e muitas histórias. Foi aí que olhámos para o edifício atualmente ocupado pela FIM, que tem um formato cilíndrico e não está, de todo, adaptado para a utilização para escritórios. Tem problemas de climatização e de espaço, pois crescemos muito. Por isso, decidimos ao contrário, antes pela transformação desse cilindro num museu, pois tem o formato ideal para um museu de motos”, um pouco ao estilo do Barber Motorsports Museum, em Leeds, no Alabama, ou do Museu BMW, em Munique. “Onde temos o atual parque de estacionamento, vamos então edificar uma sede que vai ser fabulosa, com um laboratório técnico como deve ser e condições ótimas para toda a gente. Curiosamente, o arquiteto é português, apesar de viver em Lausanne”.

O projeto é para estar concluído em 2024, o ano em que a FIM comemora 120 anos de existência. Para além da nova sede e do já referido museu, “também iremos apresentar um novo logotipo, o livro dedicado aos 120 anos e uma novidade, quando ainda não te posso revelar porque não foi apresentada à direção, mas que se trata de uma nova competição desportiva. É um projeto que tenho desde há 20 anos, mas que só agora viu reunidas todas as condições para andar para a frente. Pretendo apresentá-lo na Assembleia Geral, depois das reuniões, e tenho a certeza que irá perdurar durante muitos anos”.

Jorge Viegas não esconde de ninguém que quer ficar na atual posição por mais quatro anos e “vou fazer por isso. Apenas gostava de ter um mandato mais sossegado”. Boa sorte, Jorge!

Estacionamento à vista… por mais quatro anos.

Pode ler as partes anteriores desta entrevista em:

Primeira parte – https://motox.pt/jorge-viegas-e-o-estado-da-nacao-fim/

Segunda parte – https://motox.pt/jorge-viegas-do-novo-mundial-de-supercrosse-a-seguranca-dos-pilotos/

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