Joaquim Rodrigues. “Ser o melhor português no Dakar sabe a pouco. Quero mais!”

  • Texto: Paulo Ribeiro
  • Fotos: Hero e A.S.O.

Ao ser o mais rápido na tirada com partida e chegada a Al Qaisumah, a 3.ª do Dakar 2022, Joaquim Rodrigues Jr. tornou-se no 6.º português a ganhar uma etapa em moto na mítica prova. O 14.º posto final foi, também, muito positivo, “mesmo se o tempo perdido logo na primeira etapa, quase uma hora que atirou muito para baixo na classificação, impediu fazer melhor. Algo que o ritmo durante a prova mostrou ser possível”.

Mas, na chegada ao Aeroporto do Porto e ao conforto da família, o barcelense revelou que ainda se sente “capaz e demonstrando andamento para estar lá”. E por isso garantiu que vai voltar, “pelo menos por mais um ano”.

Pouco mais de uma dúzia de pessoas. Apenas a família e alguns amigos mais próximos esperavam a chegada do voo da Lufthansa LH1180. O pai Joaquim e a mãe Laura finalmente mais descansados depois de 15 dias de sobressaltos e temores. A irmã Sofia com saudades do tamanho do Mundo. E os sobrinhos, Erica e Ruben, incapazes de esconder o desejo de abraçar o tio Quim. E ele, desejoso de retribuir o carinho, até chegou mais cedo, com o avião a aterrar 15 minutos antes da hora prevista.

Sem grande alarido, discreto como sempre, saiu primeiro Filipe Barbosa, o responsável máximo pela mecânica das Hero em competição. O amigo de sempre, o maior confidente e aquele a quem coloca a vida nas mãos, abria o caminho. Logo atrás, o piloto! Tranquilo, com a sensação de dever cumprido, ficou até meio envergonhado com as palmas que ecoaram num aeroporto quase vazio. Depois a luz do projetor da TV Esposende. A única que fez de questão marcar presença no átrio das chegadas. Lado a lado com a MotoX.

Balanço positivo de um dever cumprido

Com a sobrinha literalmente pendurada no pescoço do tio, JRod não escondia um sorriso de dupla felicidade. De reencontrar a família e da certeza do dever cumprido. Aliás, “mais do que cumprido! Este Dakar correu muito bem, muito melhor do que estava à espera, mostrando um andamento que talvez tenha surpreendido toda a gente”.

Recordando um ano em que os resultados já eram visíveis e onde até tinha ganho a última etapa do Rali do Cazaquistão para terminar o Campeonato do Mundo em 4.º lugar, lembrou que “piloto e equipa estavam fortes e bem preparados para o Dakar. Claro que isso só conta depois de chegar lá e cumprir o dever. O que são coisas bem diferentes. Uma é sabermos que temos capacidade. Outra é chegar lá e colocar as coisas todas a funcionar bem. Nas corridas não basta estar bem preparado fisicamente e a moto estar bem preparada. Há muitas outras condicionantes envolvidas e tudo tem que bater certo, que correr bem, para as coisas acontecerem”.

Do piloto, sabia que estava bem fisicamente e psicologicamente preparado para mais um grande desafio. Talvez por isso «não tenha ficado completamente surpreendido com a performance, com o andamento exibido. Ainda que, para dizer a verdade, uma coisa é estar pronto para correr, mas outra coisa é ter aquela ‘vontade’ no deserto para acelerar como estava a acelerar. Sentia-me confiante. Estava confiante num bom resultado, é certo, mas não pensava em ganhar uma etapa. Foi muito melhor do que esperava mesmo reconhecendo todo o potencial da moto e da equipa”.

Claro que, neste contexto, “a vitória na etapa foi um momento alto, deixando todos muito contentes, e com a certeza de que o Paulo também ficou. Um triunfo que, naturalmente foi-lhe dedicado como esperamos poder dedicar-lhe ainda mais sucessos”.

Excesso de confiança ou falta de concentração?

Confiante e forte para a 44.ª edição do Dakar, Joaquim Rodrigues Jr. sabia também que tinha de fazer uma boa gestão da corrida. A experiência ensinou-lhe a poupar a moto e o físico. A evitar as quedas e fugir aos perigos. Mas, se com a moto nada a apontar, “zero problemas ao longo dos 12 dias”, já com as quedas a história foi outras. E podia ter tido consequências bem mais drásticas!

“Tive uma queda, algo aparatosa, na 5.ª etapa, onde me assustei a sério ao ver que ia cair dentro de um buraco. Pensei que me podia aleijar muito mas, felizmente, foram só umas pisadelas, umas nódoas negras. Mas que me fizeram andar a injeções até final da corrida. Por sorte, quando a moto bateu, fizemos um ‘front flip’, eu e a moto. Eu aterrei de costas e a moto deu uma volta completa e caiu sobre as rodas. Só entortou uma manete, mas podia ter acabado ali a corrida”.

Garante que não foi excesso de confiança ou falta de concentração. “Nem uma coisa nem outra. É daquelas situações que geram antecipadamente o tal nervoso miudinho quando estamos na partida e que podem acontecer em qualquer momento, quando menos se espera”.

Um dia de merda que não roubou a vontade voltar

A partida para qualquer etapa é um momento de concentração e nervosismo. Mesmo para os mais experientes. E ainda que não tenha sido “nada parecido com o ano passado, no início de cada dia custa sempre. Há sempre aquele nervosismo. Mesmo sendo muito calmo e com tantos anos de corridas, cada manhã, antes de arrancar para uma etapa do Dakar, não podes evitar lembrar-te das coisas. Cada vez que vais partir para acelerar no meio do deserto, passa tudo pela cabeça. É algo que não se consegue controlar”.

O dia 12 de janeiro, recordando os dois anos sobre o fatídico acidente de Paulo Gonçalves, “esse então foi uma merda! Nunca pensei que me afetasse tanto. Não estava a andar nada de jeito. Não naveguei, não acelerei, não me concentrei! Não fiz coisa nenhuma. As coisas simplesmente não saiam. Perdi um ‘way-point’ e nem dei por ela. Só por aí dá para perceber a falta de concentração. Foi um dia que não esperava que me afetasse tanto. Mas bateu-me forte. Muito forte, mesmo!”

Dia doloroso, com bastante mais sofrimento do que a queda da 5.ª etapa. Mas que não roubou o foco. “Sempre fui piloto, nunca deixei de o ser mesmo nos piores momentos. Sempre dei o meu melhor, mas nem sempre as coisas acontecem como a gente quer. Felizmente neste Dakar as coisas correram melhor”.

Resultado positivo que estimula a participação nas próximas corridas. E o futuro está aí, mesmo ao virar da esquina. Ou da folha do calendário. “Depois de descansar uns dias há que começar a preparar a segunda das cinco provas do renovado Campeonato do Mundo FIM de Ralis Cross-Country (agora W2RC), o Abu Dhabi Desert Challenge de 5 a 10 de março”. E se, em 2021, terminou o Mundial no 4.º posto, a meta passa agora por melhorar esse resultado positivo, fazendo toda a temporada. E pensando já no próximo Dakar, em 2023!

“As negociações com a equipa para o próximo Dakar estão a arrancar mas, em princípio, esta ligação é para manter. Quero voltar, pelo menos mais um ano. Ainda me sinto capaz e demonstrei que ainda tenho andamento para lá andar. No dia em que achar que não tenho andamento, que já não estou lá a fazer nada… arrumo as botas”.

Ferroadas e amizades de gás a fundo

Ciente do seu valor, Joaquim Rodrigues nem ligou às declarações de Daniel Sanders no final da 3.ª etapa, dizendo que tinha parado, perdendo 3 minutos para não partir na frente no dia seguinte. O medo de perder tempo por não conseguir navegar da melhor forma foi, mais do que uma estratégia, sinal da falta de confiança do australiano.

“Se parou ou não e porquê? Não vi, não sei. Sei apenas que é um ‘puto’ (apesar dos 27 anos) e que, talvez por isso, tenha falado de mais. Tal como aliás se viu no dia de descanso, onde mostrou mesmo algum desrespeito por todos os colegas, deixando todos os pilotos um bocado sentidos ao falar como estava a falar. Estava a fazer-se superior, a desvalorizar todos os outros. Mas há algo na vida que nos ferra sempre. O karma! Tanto é que no dia a seguir teve o acidente. Ficou-lhe muito mal falar assim. Não me afetou nadinha. Estava ali para ganhar e fiz o que me competia: acelerei. Para fazer um bom lugar e ganhei”.

Bem diferente foi a atitude de Kevin Benavides no decorrer da penúltima etapa. JRod sabia que podia fazer um bom resultado. “Estava ao ataque tal como ele, que não tinha nada a perder”. É nestas alturas que a experiência vem ao de cima, exigindo inteligência para aproveitar as oportunidades e gerir a estratégia em função dos acontecimentos.

“Partilhamos a navegação e o andamento e fomos rápido. Quando vais com outro piloto torna-se muito mais seguro porque vês o que ele faz, analisas as reações da moto dele, sabes onde tens de travar e isso ajuda bastante.

Estávamos ali a puxar um pelo outro, e ajudamo-nos mutuamente. Ainda por cima somos bons amigos e o Kevin era um dos melhores amigos do Paulo nos ralis, sempre nos demos bem e a união foi fácil”.

Preferia ser sétimo e o 3.º melhor português!

O triunfo na Arábia Saudita colocou o nome de Joaquim Rodrigues na galeria dos lusitanos vencedores no Dakar. Foi o sexto a consegui-lo nas motos, depois de Paulo Marques, Bernardo Villar, Hélder Rodrigues, Ruben Faria e, claro, de Paulo Gonçalves.

A entrada neste lote muito restrito confere um valor acrescido a este resultado, “especialmente pelo trabalho e pelo esforço feito ao longo de todo o ano. Mas não apenas por ser apenas mais um português a ganhar uma etapa. Eu não vejo as coisas assim! Trata-se antes de escrever o nome na História do Dakar”.

“Ser o melhor português? Os portugueses têm muito essa mania de comparar e destacar o melhor português… Eu não me comparo só com os portugueses. Tenho o maior respeito pelos pilotos portugueses como tenho por todos os estrangeiros, por todos os que estão na corrida. Sejam eles de onde forem e tenham o andamento e as ambições que tiverem”.

“A mim interessa-me zero ser o melhor português. Se fizer 30.º na geral, o que me diz o facto de ser o melhor português? Diz apenas que não andei nada de jeito… Preferia ser 7.º classificado e ser o 3.º entre os portugueses!!! E claro que isso pode acontecer. Basta olhar para o Rui Gonçalves, que está a andar muito bem e que tenho a certeza que o vou ver brevemente a ganhar etapas. Sei que ele também pensa assim e talvez por pensar assim e comparar-me aos melhores do Mundo tenha chegado onde cheguei”.

Comments are closed.