As duas tentativas para fazer alinhar Ivo Lopes no Mundial de Superbike em solo nacional com uma BMW saíram goradas, mas a esperança nunca morreu e ao quinto dia do mês de maio de 2023 o piloto luso teve, finalmente, a tão ambicionada presença com os melhores do mundo da série mais importante dedicada às motos de produção. À terceira foi mesmo de vez!
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK e Fernando Pedrinho
O azar de uns é a sorte de outros! Em todas as situações que a má sorte bateu à porte do neerlandês Michael van der Mark, é a terceira vez que se lesiona seriamente em dois anos consecutivos. Se o ucrâniano Ilya Mikalchik foi chamado a substituí-lo para Aragão e Most, este ano a sorte tocou à porta de Ivo Lopes, num momento em que está num crescendo de forma no campeonato espanhol de Superbike.
“Soube na terça feira antes da corrida”, disse-me Ivo na box, durante o primeiro treino livre, tendo ao seu lado o diretor geral da BMW Motorrad Portugal, Rogério Mota, que o seguiu sempre como uma sombra. O treino do piloto da Amadora durou apenas um par de voltas, pois o motor partiu no final da reta, após completar a segunda volta, algo que não é novidade nas hostes da marca alemã neste início de época.
IL76 foi acompanhado por toda a equipa técnica de Michael van der Mark, encabeçada pelo conhecido Markus Eschenbacker, chefe de equipa do neerlandês, e onde a presença de Marc Bongers, o diretor do programa desportivo da BMW Motorrad, também foi notória em todos os momentos. E para aumentar ainda mais a importância da presença do quartel general da casa de Munique, o número um da marca, Dr. Markus Schramm, voltou a fazer a sua aparição num circuito do Mundial de SBK, depois de o ter feito em Portimão e na ronda anterior, em Assen.
A base de partida
“Partimos com a base definida nos treinos de pré-temporada e depois tentaremos evoluir a moto à medida que for possível”, revelou Ivo. “A moto é muito diferente da minha e diz-se que terá à vontade mais 30 cavalos de potência e uma resposta de motor totalmente diferente”. Lopes já havia testado, em segredo, a aerodinâmica da M1000RR (aliás contribuiu para a definição final da mesma) em Almeria, tendo por base uma ‘Superbike’ com motor ‘stock’. Um segundo teste, também em Almeria, permitiu-lhe ver as diferenças de uma verdadeira SBK face à moto de resistência tripulada por Markus Reiterberger.
Também nos pneus há diferenças notórias que o piloto luso tem de contornar. “Os Dunlop que utilizo no ESBK têm muita aderência nas duas primeiras voltas e logo decaem de rendimento mas mantêm-se constantes até ao final. Já os Pirelli traseiro tem imensa tração mas depois de meio da corrida espero que caia muito”.
No segundo treino de sexta, Ivo Lopes deixou sorrisos no seu lado da box. Com apenas uma paragem para discutir com a equipa algumas altreações na moto. A cada volta os tempos foram melhorando mesmo sabendo que eram as primeiras voltas do piloto nacional com uma Superbike de mundial em competição. O cronómetro parou em 1’44’’314 no final das 18 voltas, quedando-se a 2’’828 do inevitável Álvaro Baustista, mas sobretudo a cerca de segundo e meio do seu companheiro de equipa, o experiente Scott Redding.
WSBK versus ESBK
“A minha moto do ESBK é mais uma moto ‘stock’. Mexe-se mais enquanto a do Mundial de SBK é mais ‘dura’. Com todas estas variáveis e menos de 20 voltas para a conhecer, fico ainda sem conseguir entender qual vai ser o movimento seguinte da moto. Na minha, quando acelero, sei qual vai ser a reação, mas como esta é mais rígida de quadro e suspensões fica algo mais complicado. Também noto que a minha pilotagem com a M1000RR do WSBK é ainda pouco fluída e necessita ‘libertar-se’ um pouco mais. Há curvas em que podia entrar mais rápido, mas essencialmente ainda tenho de pensar no que vou fazer, porque não sei qual vai ser o movimento seguinte da moto”.
IL76 experimentou os dois pneus dianteiros já conhecidos (ficou a faltar o estreante SC0, o mais macio de todos) “mas não os aproveitei da melhor forma por ainda estar a tentar entender o comportamento da moto. Mas estou contente porque comparei algumas das minhas voltas com as dos outros pilotos da BMW e não vemos discrepâncias”.
O objetivo passa agora por “ficar mais cómodo em cima da moto e acertar o conjunto e afinações, embora eu também tenha de me adaptar a ele. Mudarmos a moto por completo não ia ajudar em nada por que já se sabe que a M1000RR funciona melhor como está. Não podemos cair na tentação equivocada de a querer tornar igual à minha do ESBK”.
Adaptação aos pneus da Pirelli
Ivo voltou, como esperado, à questão dos pneus. “Vai ser interessante entender melhor o pneu dianteiro, porque é muito diferente do Dunlop. Na ESBK conseguimos levar a travagem até ao meio da curva, mas aqui a sensação que tenho, para já, é que há que travar forte a direito e soltar o travão uma vez inserida a frente em curva”.
Os pilotos habituais do WSBK queixam-se, particularmente na pista de Montmeló, que o pneu traseiro, sobretudo quando está ainda muito fresco, empurra imenso a frente nas travagens, sendo Jonathan Rea o que mais se destacou nesse aspeto. “Senti isso de alguma forma, não tanto pelo efeito do pneu traseiro em si, mas antes pela regulação do travão motor. Necessito de um pouco mais desse efeito eletrónico. Como te disse, não tive movimentos inesperados na moto, mas quando apertar um pouco mais o ritmo eles devem aparecer seguramente. O Pirelli traseiro tem imensa tração e enquanto que com o Dunlop temos de o fazer derrapar para girar a moto, com a borracha italiana é tudo ao contrário: quanto menos derrapagem, mais a moto sai para a frente”.
Também a posição de IL76 sobre a moto resultou diferente nesta adaptação. “Sim, na minha moto do campeonato espanhol estou posicionado mais sobre a frente enquanto na do Mundial estou mais centrado, quase como se estivesse num sofá. O peso está mais distribuido pela moto e o assento está mais baixo. Eu prefiro andar mais sobre a frente porque a minha postura não é a melhor e prefiro que a moto me obrigue a chegar-me mais à frente”. Isso não passa por levantar a traseira da moto, mas antes por “colocar uma borracha na parte posterior do assento para que possa ficar mais cómodo e me coloque um pouco mais para diante”.
Já habituado a algum nível de eletrónica na sua moto habitual, Ivo não ficou particularmente surpreendido com o que veio a encontrar no mundial. “É um aspeto que depende muito do engenheiro de dados que estiver a trabalhar contigo”, disse. “A maior diferença reside no fato de a parametrização poder ser feita curva a curva na moto do mundial, enquanto na minha será sempre igual em cada relação de caixa, por exemplo. O que a equipa faz é marcar um trecho da pista e define a resposta do motor, potência disponível, controle de tração, travão-motor e por aí fora”.
Ivo não estranhou tanto a potência pura da M1000RR ‘mundialista’ mas antes a distribuição da mesma o longo do regime de rotação. “A moto tem pouca potência em baixa, mas esta aparece de forma muito notória a médio regime. Na nossa ‘stock’ é tudo ao contrário, com uma baixa muito forte. A do mundial parece quase uma dois tempos”, disse em jeito de brincadeira.
O piloto da Amadora rodou boa parte do treino sózinho… “Eu prefiro rodar com outros pilotos porque o tempo sai mais rapidamente, mas para perceber a moto e pneus é melhor andar só. Se me guio pelo piloto que segue à minha frente acabo por não entender a moto. No sábado, já com um melhor entendimento da moto, posso tentar obter uma ‘roda’ de outro piloto para melhorar o tempo por volta”.
A rodar em 1’44”3, IL76 acredita ser possível “chegar ao 43 intermédio ou mesmo baixo. Perco ainda bastante no segundo setor, algo que já acontecia no campeonato espanhol. Sabemos onde estou a perder e há que melhorar pelo menos meio segundo. Mas vai ser tudo a somar, porque se for mais rápido no último setor e conseguir sair mais rápido da última curva vou chegar mais rapidamente ao final da reta, pelo que a melhoria terá de ser global”. Por isso, há que perceber melhor o segundo setor e “ficar mais cómodo na travagem”. A eletrónica pode dar uma ajuda fundamental, “pois a segunda e terceira curva são as que fazem os pneus sofrer e as motos vão muito ‘cortadas’, pelo que temos de entender a melhor forma de ‘negociar’ o segundo setor da pista”.
Uma moto “On / Off”
Com um primeiro contato com uma moto do mundial de Superbike na sua versão ‘full’, interessava saber o que na M1000RR da equipa oficial deslumbrou o piloto da Venteira e o que viu como mais complicado. “É uma moto ‘on/off’, portanto mais ao meu gosto”, realçou. “O motor e os travões são melhores e, a bem da verdade, tudo é melhor. O único ponto que temos de trabalhar e notei bastante diferença é o travão-motor. Isso aconteceu no ano passado com a minha moto do ESBK, que conseguimos melhorar este ano, pelo que aqui será tentar seguir idêntico caminho”.
A grelha é unânime em considerar que a preservação do pneu traseiro será fundamental para as corridas longas… “Eu fiz duas saídas de cerca de oito voltas e notei o pneu muito constante em termos de rendimento, mas também rodo um pouco mais lento. O Jonathan Rea fez uma simulação de corrida a rodar apenas um segundo mais rápido do que eu. Acho que não vamos ter tempo para fazer uma simulação de corrida, mas acredito que não vamos conseguir mais do que 15 voltas com a borracha traseira ao mesmo nível”.