Indian Super Chief Limited, uma ‘bobber’ turística
Autor: Fernando Pedrinho
Novembro 1, 2021
A mais antiga das marcas de motociclos norte-americanas ainda existente, tem a sua gama alicerçada em oito famílias, onde se incluem as Chief. Este é um modelo importantíssimo na história da casa cujas origens remontam a 1901, à cidade de Springfield, no estado norte-americano de Massachusetts, pois surgiu pela primeira vez em 1921. Neste aniversário…


A mais antiga das marcas de motociclos norte-americanas ainda existente, tem a sua gama alicerçada em oito famílias, onde se incluem as Chief. Este é um modelo importantíssimo na história da casa cujas origens remontam a 1901, à cidade de Springfield, no estado norte-americano de Massachusetts, pois surgiu pela primeira vez em 1921.
Neste aniversário centenário, são três os modelos que constituem a família do chefe índio: Dark Horse, Bobber Dark Horse e Super Chief Limited. Foi nesta última, a mais equipada das três, que nos entretivemos e até fomos à cidade de Ávila, declarada pela Unesco como património mundial.

- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Lisa Daniel e Fernando Pedrinho
Apesar de fundada em 1897 como Hendee Manufacturing Company, por George Mallory Hendee, um ciclista de competição, para produção de bicicletas, a Indian Motorcycles só viu o seu primeiro protótipo com motor a combustão surgir em 1901, depois de Oscar Hedstrom, outro ciclista de competição, se ter associado à companhia no ano anterior. O primeiro motociclo, se assim se pode chamar, foi um monocilíndrico de 1,8 cavalos, montado num quadro de bicicleta, construído por Hedstrom em Middletown, na Worcester Cycle Manufacturing, em pleno estado de Connecticut. O quadro em diamante da Indian ‘mono’ associado a um estilo mais arrojado acabou por se converter numa moto de venda ao público a partir de 1902, tornando-se num sucesso de vendas na década que se seguiu.
Já o nome que acabou por ser adotado pela empresa, derivou de uma das marcas utilizadas para a comercialização das bicicletas. Uma delas, ‘American Indian’, acabou por ser reduzida a simplesmente Indian e adotada como nome da marca, tendo perdurando até aos dias de hoje.

A competição apura a raça!
A Indian progrediu de forma considerável tornando-se num dos maiores fabricantes norte-americanos, a par da arqui-rival Harley-Davidson. Só que o apogeu deu lugar a um declínio no pós-guerra, que levou ao encerramento da marca em 1953, depois de uma administração ruinosa pela parte de John Brockhouse. Desde aí, a marca cujo logotipo é a cabeça de um índio enfeitada com o cocar de guerra, andou de ‘andas para bolandas’, fabricando todo o tipo de motos e modelos, mas sobretudo passando por duas mãos cheias de proprietários.
Até que em 2011 tudo mudou e a Polaris Industries, mais conhecida pelos seus veículos de todo o terreno utilitários, motos de neve e de água, tomou conta da marca e a colocou no seu portefólio de marcas a par de outro nome recuperado do passado, a Victory Motorcycles. Steve Menetto teve um papel fundamental na evolução das duas marcas sob a batuta da Polaris, de tal modo que a aposta na Indian foi de tal magnitude que acabou por levar mesmo o grupo a descontinuar a marca Victory, em Janeiro de 2017.

Misturando as linhas clássicas e arrastadas das antigas Indian, com motores modernos e uma dinâmica não muito habitual no segmento, a marca que agora está sediada em Medina, no estado central de Minnesotta, tendo conseguido roubar muita clientela à Harley-Davidson e colocar a marca de Milwaukee debaixo de uma tal pressão que obrigou esta a reinventar-se, com novos modelos e motores – como são os casos das novas Pan-American e Bronx, ou da revolucionária LiveWire – já para não falar nas motos fabricadas na Índia desde 2014, como as Street 500 e 750, algo de todo impensável para os puristas da marca. Isto porque a Indian logrou piscar o olho a uma clientela mais nova, enquanto os seus adversários do estado de Illinois se viam confinados à geração de ‘baby boomers’ em constante envelhecimento e declínio. Na mais pura declaração Darwiniana, a seleção natural apura a espécie e a Indian está mais em forma do que nunca!

A voz do Chefe
O modelo Chief é um dos mais emblemáticos da marca do Índio. Foi introduzido na gama em 1922, com o motor Powerplus, um bicilíndrico em V de 1.000 cc, ou 61 polegadas cúbicas. Era uma unidade com o ângulo entre os cilindros de 42 graus e válvulas laterais, que foi utilizado com muito sucesso na gama de estrada, mas também em competição. No ano seguinte, a capacidade do V2 subiu para 1.200 cc, ou 73 polegadas cúbicas, a que se associou o travão na roda dianteira, mas já em 1928. As Chief eram belíssimas estradistas que alcançavam os 160 km/h, com alguns ‘retoques’ no motor, e permitiam viajar confortavelmente. A sua produção durou até 1953, altura em que a marca colapsou, três anos depois do motor ter sofrido segundo aumento de capacidade (para 1.300 cc, ou 79 polegadas cúbicas), o que diz bem da popularidade granjeada pelo modelo.
A nova Super Chief… (Un)Limited
É que de limitada, esta moto não tem nada. Bem pelo contrário. A Super Chief Limited é a mais bem equipada dos três modelos a que fizemos referência acima e que compõem a família Chief para 2022.
Sendo na mesma uma ‘bobber’, algo fácil de visualizar olhando para o curto guarda-lamas traseiro, ela distingue-se facilmente das suas irmãs, pois é a única que apresenta um (vasto) pára-brisas, que é muito fácil de retirar e colocar de volta, bem como um par de bolsas laterais, que lhe confere uma aptidão moto turística mais alargada.

A isto a ‘Super Chefe’ adiciona o motor V2 Thunderstroke 116, comum a toda a gama Chief, de 1890 cc de capacidade – note-se que na nova fase Indian, sob o manto da Polaris, que se iniciou em 2013, o motor único inicial era a Thunderstroke 111, de 1.820cc, com o qual partilha o mesmo curso mas vê os 70 cc extra de cilindrada provirem do aumento do diâmetro para 101 mm – e que cumpre o limite de emissões Euro 5, o qual levou à extinção de diversos modelos de variadas marcas que nos acompanharam nos últimos anos.
Este motor tem um pormenor técnico interessante que lhe permite assemelhar-se às unidades de há quase cem anos atrás. Utiliza três excêntricos, um dos quais, o central, é movido por corrente, e aciona os excêntricos dianteiro e traseiro através de engrenagens. Isto possibilita colocar paralelamente as varetas da distribuição, dando assim o tal aspeto semelhante aos motores mais antigos. Também o desenho das tampas das cabeças é digno de ser apreciado pelo aspeto clássico que transpira.

Uma ‘bobber’ de turismo?
Nesta altura do ‘campeonato’, já não deve haver quem não saiba o que é uma ‘bobber’. Bom, a bem da verdade não se trata de um tipo de moto, mas sim de um estilo. Este surgiu após o armistício do segundo conflito mundial, quando os soldados regressados aos EUA – imitados pelos assalariados das classes mais baixas – começaram a tirar tudo o que não era essencial nas motos que encontravam para correr nos mais variados tipos de competições. Isto resultava em motos muito simples, quase só com rodas, quadro, motor e depósito de combustível. Tudo o resto era supérfluo para a função.
O estilo tem ganho novos aderentes, desde há algum tempo, não só das garagens e ateliers de estilização, mas também dos próprios fabricantes, em que a Indian não constitui exceção à regra. Repare-se na traseira da Super Chief Limited e como é curto o guarda-lamas (não deve dar jeitinho nenhum nos dias de chuva). O reservatório de combustível também é de um desenho clássico e simples, apenas com uma faixa central com a cabeça do índio e o cocar de guerra (que trocando por ‘miúdos’, é o arranjo de penas que traziam na cabeça para várias ocasiões, como um combate). O guiador não podia ser mais simples, pois é um longo (ou deverei dizer largo?) tubo dobrado e o painel de instrumentos resume-se a um ecrã TFT que é do mais inteligente e eficaz que já vi nesta indústria. Como se isto não bastasse, há apenas um disco de travão na frente (sim, é verdade), o quadro e o braço oscilante são simplicíssimos e não existem radiadores de água, nem ferros ou ferrinhos para sacrificar o estilo ‘bobber’. Poder-se-á reclamar das plataformas para os pés, ou dos já mencionados para-brisas e malas laterais, que também podem ser retiradas se quiserem radicalizar o estilo… mas para isso há outros modelos na gama.

Baixa, baixa, baixíssima
A altura do assento jamais poderá ser apontada como um fator de intimidação para os condutores (ou condutoras) mais curtos de pernas. Distando apenas 662mm do solo, o assento da Super Chief elimina totalmente qualquer efeito intimidante que os seus quase 340 kg em ordem de marcha possam levantar. A moto parece mais comprida por ser tão baixa, já que a sua distância entre eixos é até curta para os padrões do segmento, com uns ‘reduzidos’ 1.626 mm. E depois apercebemo-nos das vantagens do guiador largo, de uma posição de condução que é até descontraída e que o assento do passageiro, que não tem onde se agarrar a não ser o condutor, tem uma área suficiente e uma espuma que lhe conferem um conforto que não condiz com o preconceito gerado visualmente.

Assim que se arranca, é facilmente percetível que esta Indian possui os genes da marca em termos de facilidade de condução. Com um binário máximo de 162 Nm às 3.200 rpm, o bicilíndrico com um ângulo de 49 graus disponibiliza já 100 Nm a apenas 2.000 r.p.m. Isto é quase tudo o que o motor de uma Honda CRF1100 Africa Twin, por exemplo, tem para entregar, de tal maneira que quase permite à Super Chief rebocar uma caravana. E só chateia mesmo é ter de se movimentar os pés nas plataformas para acionar o seletor e o pedal de travão, pois estes estão algo elevados, ou ganhar o hábito de usar o corpo para não inclinar tanto a moto em curva, pois os ‘floorboards’ vão rapidamente ‘rebarbar’ o asfalto assim que a comecem a ‘deitar’.
Temos, por baixo de nós, uma moto que não complica a vida, com um trato untuoso dos comandos e com um motor com força para gerar eletricidade para uma aldeia. As suspensões e o assento são confortáveis numa utilização convencional, papel em que contam com a ‘colaboração’ dos Pirelli Night Dragon de talão bastante elevado, montados em jantes de raios de 16. A propósito, o par de amortecedores traseiros é regulável na pré-carga de mola e a forquilha dianteira, sem regulação, esconde as bainhas dentro de umas proteções negras que se prolongam até à mesa de direção.

O fator turismo
Ainda que o motor ofereça três modos de condução (‘Turismo’, ‘Standard’ e ‘Desportivo’), o fator turismo advém da montagem do para-brisas e das malas laterais. Estas pecam pelo tamanho da ‘boca’, algo estreita, mas ainda permitem guardar alguma bagagem que deve ser colocada de forma paciente para caber. É, todavia, a parede transparente que faz toda a diferença, pois ajuda a transformar esta ‘bobber’ numa turística competente, com capacidade para viajar num cruzeiro elevado, protegido dos elementos. Capaz de alcançar os 180 km/h de velocidade máxima, dotada de um reservatório de combustível de 15,1 litros, registrámos um consumo médio de 5,3 litros por cada 100 quilómetros percorridos, o que permite tiradas de 200 quilómetros sem qualquer dificuldade, mesmo que seja em autoestrada e a um ritmo mais apertado. Só a acumulação de insetos ou a sujidade poderá antecipar uma paragem para limpar a vasta superfície do para-brisas. De noite, o farol dianteiro ‘full led’, garante boa visibilidade.

Na verdade, esta moto é um autêntico tapete voador, deixando apenas entender o bater do ‘coração’ e passando ao condutor apenas as vibrações de baixa frequência como que a dizer, estou viva, sem influência no conforto de passageiro e condutor. A transmissão por correia de kevlar também ajuda a reforçar este tato aveludado.
Mas há alguns pontos a ter em conta. Para começo de festa, as suspensões não reagem da melhor forma quando encontramos desníveis no pavimento, sobretudo depressões, causando instabilidade na direção que é tanto maior quanto mais elevada for a velocidade. Por outro lado, notem que a moto tem apenas dois discos de 300mm de diâmetro, mas um em cada roda! Ou seja, a potência de travagem é curta para um ‘bichinho’ que, com condutor e passageiro, aflora não de muito longe a meia tonelada de massa em movimento. E isto com apenas o tal disco de 300 mm na frente, ‘mordido’ por uma pinça de quatro êmbolos, em que o obrigatório ABS ajuda a controlar eventuais blocagens das rodas sob o esforço de travagem. A questão aqui é que uma maior potência de travagem não iria ser bem ‘compreendida’ por este tipo de pneus, o que levaria a uma mais frequente intervenção do ABS sem benefício evidente nas distâncias de travagem. Por isso, convirá acautelar este ponto e refrear entusiasmos demasiadamente desportivos, já de si contidos pelo ângulo de inclinação. Numa estrada revirada que tive oportunidade de ‘serpentear’ perto de Collado Villalba, é evidente que a boa aceleração é refreada pela velocidade de passagem em curva, onde a Super Chief claramente assenta nas plataformas que servem de estribos e obrigam o condutor a pendurar-se como um orangotango para o interior da curva.
De passeio até Ávila
Aproveitando um dia ensolarado e de calor, nada melhor do que subir aos mais de 1.100 metros de altitude em que se encontra a belíssima cidade de Ávila, o que a torna na capital de província mais alta de Espanha. Saída de Madrid pela M40, tomando a AP-6, ou autoestrada da Corunha, em direção às montanhas do Guadarrama, tomando depois a AP-51, na saída de Villacastin, que nos leva até Ávila.
A origem do nome ainda é pouco consensual, havendo um filólogo, Joan Coromines, que aponta mesmo para uma proveniência germânica, derivando do gótico: Awilô ou Awila. O certo é que a atual designação só surge após o censo de 1877, pois até aí era conhecida como ‘Ávila de los Caballeros’.
Importante enclave defensivo para mouros e cristãos, a cidade é conhecida pelas suas belíssimas muralhas, construídas no século XI, sobre antigas muralhas romanas, visigóticas e muçulmanas, logo após a reconquista cristã para prevenir um eventual ataque mouro, surgindo já no século XII com um aspeto muito próximo do atual. E vale a pena percorrer todo o perímetro coberto pela muralha e depois perder-se pela cidade antiga, parando para repasto quando a barriga ‘der horas’ num dos vários restaurantes da cidade.
Em autoestrada a Super Chief beneficia e de que maneira do vasto para-brisas, permitindo cruzeiros bastante elevados, sem qualquer pressão no condutor e por períodos prolongados. A moto chega mesmo aos 180 km/h lidos no brilhante sistema ‘Ride Command’, realmente um dos melhores sistemas de informação que se pode ter numa moto em termos de acessibilidade, grafismo e riqueza de informação, como podem ver no vídeo de demonstração (https://youtu.be/M-inUTMAuDE).
Com o regresso pela estrada nacional em direção ao Parque Regional da Bacia do Guadarrama, a Indian comprovou as suas aptidões de estradista, sempre com boa resposta do motor, que tem força para um braço de ferro com o Hulk, e boa dinâmica para uma utilização mais fluida e descontraída, que permita apreciar a paisagem em vez de a devorar.

Bobber turística?
Claramente! Com um preço de 22.490 euros em Portugal, esta moto destina-se a quem gosta do estilo ‘bobber’ mas necessita de algo mais para umas escapadelas ao fim-de-semana, com alguma autonomia, conforto aceitável para dois e alguma capacidade de bagagem. A Super Chief é a mais equipada da família e com ela só dá vontade de ver a paisagem desfilar, com o estilo e dinâmica das Indian, mas com algo mais em termos de conforto.
E quando vos bater o impulso ‘bobber’, basta retirar o pára-brisas e as a malas laterais e terão a ‘Super’ no mais puro estilo marcante do pós-guerra.













O funcionamento do painel de instrumentos
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