Indian FTR 1200 S: das pistas de ‘flat track’ para a estrada

Quando desafiei Miriam Torrens, diretora de Marketing da Polaris Espanha, para levar uma Indian à ronda de Aragão do Mundial de Superbike, estava longe de imaginar que me iria tocar em sorte a mais recente versão da FTR 1200 S. A moto nascida nas pistas de terra de ‘flat track’, converteu-se ao asfalto com uma estética a que ninguém ficará indiferente. Porém, se andar por Madrid e pelas localidades ao seu redor é uma coisa, ligar a capital espanhola às terras do antigo reino de Aragão seria coisa bem diferente. Da autoestrada à estrada de montanha, do sol ao nevoeiro e chuva permanente, estava criado o cenário perfeito para apreciar tudo o que a FTR 1200 S tem agora para dar.

  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Fotos: Lisa Daniel, Indian Motorcycles e Fernando Pedrinho

A gama FTR 1200 surgiu apenas em 2019, com o impacto esperado quando uma moto vencedora na pista se transforma numa estradista para utilização na via pública. Só que, em vez de sair de um qualquer circuito de MotoGP, onde a Indian não tinha qualquer tradição, a casa de Medina, no estado norte-americano de Minnesota, recorreu antes à vencedora das pistas planas de ‘dirt track’, a emblemática FTR750. Por esta modalidade já passaram nomes sonantes do motociclismo mundial, no que era, a par do ‘speedway’, a escolaridade obrigatória para se vencer na classe de 500cc de Grande Prémio dos anos oitenta e noventa. Roberts, Rainey, Lawson, Schwantz ou Doohan e, mais recentemente, Casey Stoner ou até Jack Miller, todos eles deslizaram na terra para ganhar a velocidade que os tornou em vencedores e campeões nas pistas de asfalto.

A Indian tem dominado na categoria de bicilíndricas, atual Super Twins, com Jared Mees (que a marca roubou à arquirrival Harley-Davidson) e, mais recentemente, por intermédio de Briar Bauman, naquela que constitui a categoria mais potente do campeonato de Flat Track. As pistas são ovais com diferentes distâncias, dos 1,6 quilómetros para The Mile, aos cerca de 400 metros do Quarter Mile para as mais curtas, como o nome indica, ‘short track’.

Génese nas pistas de ‘flat track’

Adaptação acrescida ao asfalto

Na sua passagem para uma vida mais asfáltica, a FTR viu a capacidade do seu bicilíndrico em V a 60 graus ascender aos 1.203cc – na verdade originário da unidade de 1133 cc da Scout, mas desenvolvido com a colaboração dos especialistas da Swissauto – mantendo o arrefecimento por líquido. Adotou ainda a travagem da Brembo e pneus de desenho inspirado na modalidade que está na origem do modelo, concebidos pela Dunlop, os DT3-R.

Na versão S, aqui ensaiada, o nível de equipamento utilizado sobe de tom, com destaque para o painel de instrumentos Ride Command de 4,3” com resposta táctil, um dos mais conseguidos que já experimentámos, através do qual podemos controlar e ajustar os três modos de resposta do motor, as suspensões totalmente reguláveis, assim como as ajudas eletrónicas que através da utilização de uma plataforma de inércia incluem controle de tração e anti-cavalinho. Mas, não menos importante, é a adoção dos muito apreciados Metzeler M9RR Sportec, claramente mais estradistas que os recortados Dunlop originais e, por conseguinte, dotam a ‘S’ de um comportamento mais preciso juntamente com as jantes de menor diâmetro, tudo isto sem esquecer o par de ‘bazookas’ laterais fabricados pela obrigatória Akrapovic.

Na nova versão da FTR 1200S, a Indian introduziu algumas modificações de relevo, muitas delas invisíveis, como o refinamento da resposta do motor e o cumprimento da norma sobre emissões de escape Euro-5, ou a alteração de alguns dos parâmetros das suspensões. Contudo, a par da diminuição do avanço (‘trail’) de 130 mm para 100 mm, por via da diminuição do ângulo da coluna de direção (agora de 25,3º contra os 26,3º anteriores), a mais visível e notória alteração passou pela troca dos pneus de inspiração ‘flat trackiana’ da Dunlop, por uns desportivos e puramente orientados para a estrada Metzeler M9RR Sportec, em jantes de 17”, que tomaram o lugar das anteriores unidades de 19”, à frente, e 18”, atrás, que ainda equipam a versão Rally. E que diferença tudo isto trouxe ao comportamento da ‘esse’!

As suspensões da Öhlins, que custam mais cerca de 3700 euros e são equipamento de origem na FTR R Carbon, constam da vasta lista de opcionais, mas as unidades Sachs originais – totalmente ajustáveis – estão agora mais adaptadas à dinâmica da condução em estrada, graças à redução do curso de 150 mm para 120 mm, tanto à frente como atrás. A adoção das novas jantes e a redução do curso da suspensão tornou a moto mais baixa, com a altura do assento a baixar uns consideráveis 36 mm, tornando-a ainda mais acessível a uma maior gama de utilizadores ao distar 817 mm do solo com a moto sem carga (790mm com o condutor sentado).

Com a distância entre eixos a manter-se nos 1514 mm e a moto a ganhar em agilidade, o guiador da ProTaper foi encurtado em 40 mm, pois deixou de ser necessário tanto efeito de alavanca para lidar com a direção da moto.

Delícia diária

O primeiro contacto com qualquer moto é importante pelas impressões mais fortes que logo proporciona. No caso da FTR 1200S houve dois aspetos, ainda em circulação urbana, que despertaram a atenção. A moto parece muito alta quando vista a alguma distância, mas quando subimos para o assento vemos que está mais baixa e acessível, permitindo, com o meu metro e 75 de altura, colocar os pés no chão sem problemas. Ótimo, porque isso não implicou falta de espaço para as pernas, ou uma posição de condução mais encolhida ou estirada e agressiva. De fato, em cima da ‘S’ estamos à vontade logo ao fim de alguns metros.

O segundo ponto veio da resposta do motor. É incrível como um motor desta capacidade, de apenas dois cilindros, consegue ser tão suave em meio urbano, sem os repelões de outros modelos, os quais obrigam a constantemente modular a embraiagem ou a andar em mudanças mais baixas para fazer subir a rotação do motor. De tal modo que esta moto pode servir para deslocações diárias, se a quiserem usar muito para além da simples adoração das suas belas formas no meio da garagem ou à porta da esplanada predileta. A ‘esse’ é prática e mais versátil do que se poderia supor para uma moto deste segmento.

O Parador (pousada) de Alcaniz sobranceiro ao rio Guadeloupe

Mas o melhor estava para vir quando decidi colocá-la à prova nos mais de 400 quilómetros que teria de percorrer até Alcaniz, na comunidade autónoma de Aragão, para a ronda do Mundial de Superbike no circuito Motorland. Se o passageiro não vai morrer de amores por qualquer FTS, colocar os alforges de bagagem não foi tarefa fácil, dada a altura das panelas de escape do lado direito. Ainda bem que no catálogo da marca existem malas flexíveis e os respetivos suportes, para aqueles que tencionam comer algumas léguas de asfalto.

A primeira parte foi feita pela A2 até Alcolea del Pinar, onde saí e apontei a leste nacional 211, cruzando Molina de Aragão, com a sua espetacular fortaleza, Monreal del Campo, e subindo depois aos 1200 metros de altitude de Puerto de las Traviesas, já na província de Teruel.

Se em autoestrada a proteção aerodinâmica (ou a falta dela) acaba por limitar a velocidade de cruzeiro, a que se juntam o batalhão de radares de velocidade, o ‘cruise control’ acaba por dar uma ajuda a apreciar a paisagem que nos conduz para o Parque Natural do Alto Tejo. Mas é em estrada aberta que a FTR 1200 S se revela na plenitude. E aqui muito agradecemos a troca das jantes mais adequadas a uma maxi-trail pelas unidades de 17”, bem como a montagem dos Metzeler Roadtec. A FTR está irreconhecível e todo aquele feeling pastoso e vago à medida que a velocidade aumentava, deu lugar a uma direção bem mais precisa como se quer para traçados com muitas curvas de bom asfalto, pejados de descidas e subidas.

O motor está bastante vivo e os 123 cavalos de potência e 120 Nm de binário estão sempre lá para nos empurrar para diante. Com três modos de condução (Chuva, Standard e Desportivo), se o intermédio serve praticamente para todas as ocasiões, é no desportivo que toda a alma e poder do V2 se libertam, com uma reposta bastante linear que vai desde os mais baixos regimes até às 9.000 rpm, sendo que a faixa gorda se situa nas 6000 rpm e a partir daí é um festim. O V2 a 60 graus pode não estirar tanto como a sua maior rival italiana, mas empurra bem forte.

Juro que não fui eu!

Nesta altura já estamos a pedir um pouco mais de linhas a direito para beneficiar de todo o poder de aceleração da ‘esse’, mas damos por nós a rodar a velocidades acima do dobro da velocidade autorizada em estrada, num exercício que começa a passar fatura ao fim de pouco tempo, já que a proteção aerodinâmica é inexistente. Por isso voltamos ao revirado para desfrutar a potenciada capacidade dinâmica que a nova versão veio trazer em termos dinâmicos, por via, essencialmente, das novas rodas e pneumáticos. É uma nova moto que vale apena experimentar.

E, para ajudar à festa, os apoios eletrónicos – por via da plataforma de inércia instalada – proporcionam o socorro da mão de Deus quando a ambição excede o talento. Isso também deu alguma confiança na viagem de volta de Alcaniz, debaixo de chuva e nevoeiro na maior parte do percurso. Desde o controle de tração, ao anticavalinho com gestão do levantamento da traseira, temos ainda o ABS em curva (que pode ser desligado, tal como o controle de tração, sendo necessário entrar no modo Track), além do já mencionado controle de velocidade de cruzeiro. Toda esta parafernália recebe ainda o contributo da embraiagem deslizante, que impede o saltitar da roda traseira nas reduções mais intempestivas, a acompanhar a potência e tato de travagem que o trio de discos servidos pelas modernas pinças Brembo proporcionam.

A chegada ao Motorland.

O painel digital é um dos melhores que já vimos numa moto, com uma combinação cromática e gráficos atrativos, brilho e contraste que permitem a sua utilização todo o tempo, além de permitirem emparelhar um telefone sem fio através do protocolo Bluetooth ou escutar música a partir de uma memória USB. Além disso, há muitas referências ao estado do veículo e distância em falta até à próxima manutenção. Podemos navegar pelos os diversos menus tocando no ecrã táctil ou utilizando os comutadores do punho esquerdo ou direito, conforme o gosto pessoal. Na viagem mantivemos o smartphone carregado utilizando a tomada USB colocada no painel de instrumentos.

E a viagem, como correu?

‘De maravilla’, como diriam ‘nuestros hermanos’. A melhor parte foi a tirada de estrada nacional e montanha. A FTR 1200 S é claramente uma moto de ‘postureo’, de alguma ostentação, pois sabemos que onde pararmos todos vêm espreitar e apreciar. Por isso acabou por surpreender como foi tão fácil ligar a capital espanhola ao território semidesértico do norte, com uma ergonomia suficientemente espaçosa para não comprometer o conforto geral. A FTR 1200 S permitiu tiradas de cerca de 200 quilómetros, mas algo à pele, com consumos na casa dos 5 L/100 km, uma vez que o reservatório é muito pequeno com os seus 13 litros de capacidade. E se apertarmos o ritmo a autonomia reduz-se consideravelmente para pouco menos da centena e meia de quilómetros.

Nas paragens um pouco mais dilatadas, mas sobretudo em cidade, sabe bem quando a gestão eletrónica desliga, no regime de ralenti, um cilindro assim que a temperatura do motor sobe, evitando algum desconforto para o condutor.

Há ainda uma lista de opcionais para todos os gostos que permitem orientar a configuração da moto ao gosto do utilizador, seja ela mais turística, desportiva ou estética.

Não são as ‘Badlands’ do Dacota do Sul, mas antes os abarrancamentos de Pancrudo, na N-211.

Para quem?

Sobretudo para quem procura uma moto com muito estilo, provavelmente a mais apelativa do segmento, com o seu ADN a provir invulgarmente de uma modalidade do fora de estrada. Outras marcas já o fizeram e têm feito, mas apenas a Indian de forma declarada no ‘flat track’, com toda a exclusividade associada.

Além disso, a FTR 1200 S surge renovada e com uma versatilidade acrescida para a circulação no asfalto. Está mais fácil e eficaz no comportamento desportivo. O equipamento é moderno e apelativo, o motor está entre os melhores do segmento, pelo que os 16.490 euros pedidos – que a colocam entre a FTR Rally e a FTR R Carbon – acabam por lhe garantir alguma exclusividade e justificar a qualidade de construção e níveis de acabamentos e de prestações. Uma moto que pode ser para os ‘bad boys’, mas também para aqueles que apreciam esculpir curvas pelos canhões ibéricos, como faziam Crazy Horse e Gerónimo à frente das suas tribos no distante faroeste. A ‘Esse’ está pronta para desferir flechadas em Monster’s e R-Nine T’s. Ou nas Bronx’s… quando estas aparecerem!

Os índios chegaram e estão para ficar. Qual vai ser a reposta dos cowboys?

O bicilíndrico em V a 60 graus e 1203cc de capacidade serve de elemento estrutural. Com uma relação de compressão de 12,5:1, cabeças de alto rendimento volumétrico, cambota de baixa inércia e corpos de acelerador duplos, entrega uma potência máxima de 123 cavalos, a 9.000 rpm, e um binário de 120 Nm, a 6.000 rpm.
Uma vista mais ‘limpa’ do V2 sem os caraterísticos coletores de escape 2-1-2 pela frente.
A centralização de massas e rebaixamento do centro de gravidade passa pela colocação do reservatório de combustível de uns (escassos!) 13 litros de capacidade sob o assento. A traseira é minimalista!
Quando reabastecerem, não o percam!
O quadro consiste numa treliça em aço que se aparafusa ao motor na parte traseira deste através de um conjunto de placas que incluem o veio do braço oscilante, que é oco. A secção traseira é construída em liga leve, o que permite conter o peso sem sacrificar a rigidez. O amortecedor traseiro da Sachs está colocado lateralmente e é de acionamento direto.
Suspensões Sachs – unidade traseira com reservatório separado em alumínio – totalmente ajustáveis, com um conjunto Öhlins a surgir na lista de opções (cerca de 3700 euros). As pegas do passageiro são removíveis
Espetacular o braço oscilante realizado com tubos redondos em aço, assim como o suporte da matrícula, inspirado no original da FTR750 de corrida. Aspeto clássico misturado com as  jantes de 17” e braços muito finos, numa combinação entre o moderno e o tradicional que a Indian sabe fazer tão bem. Reparem no filete vermelho que preenche o perímetro da jante.
O veio do braço oscilante é oco, para manter o peso o mais baixo possível, e está ancorado no cárter do motor, por forma a garantir uma distância entre eixos mais curta.
A inspiração no ‘flat track’ é evidente com os coletores de escape 2-1-2 a saírem pelo lado direito da moto (as pistas desta modalidade, tal como as do ‘speedway’ só apresentam curvas para o lado esquerdo). Na FTR1200S somos brindados com este par de ‘katyushas’ da Akrapovic.
Iluminação ‘full led’ com DRL

O Rider Command é um dos melhores sistemas de instrumentação que se podem encontra atualmente numa moto. Simples, bonito, completo e eficaz! ‘Well done, Indian!’

Indian FTR1200 S ‘making-of’!

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