Honda NT1100. A próxima moto do Ernesto

Fomos até Tarragona descobrir a moto de que todos falam. E a Honda NT1100 confirmou fortes argumentos para honrar uma rica história turística. Depois de 250 quilómetros percebemos que esta vai ser a próxima moto do Ernesto.

Texto: Paulo Ribeiro

Fotos: Honda/Francesc Montero

O nome dispensa apresentações no meio motociclístico nacional. Uma carreira mototurística que, como amigo de juventude, acompanhei desde o primeiro momento. Das primeiras grandes viagens ao Alentejo às idas ao Bol D’Or, às manifestações EuroDemo em Bruxelas e em tantas outras tiradas, maiores ou menores, fui conhecendo a vocação motociclística do Ernesto Brochado.

De pioneiro do conceito de moto-rali turístico a ‘alma-mater’ do Portugal de Lés-a-Lés, sempre pautou a sua vida motociclística por valores de economia, conforto, sentido prático e versatilidade. E sempre se encantou com motos capazes de refletir essa filosofia. Como – e apenas para falar das mais recentes… – a Honda CRF1000 Africa Twin ou a NC750X, a sua atual máquina para todo o serviço.

Motos com tantas semelhanças quanto diferenças, que remetem para aquela que será a próxima escolha do Ernesto. Uma aposta de MotoX.pt depois dos primeiros quilómetros cumpridos com a Honda NT1100, durante a apresentação do novo modelo nas montanhas em redor de Tarragona.

NT de… Nova Trajetória?

A sigla NT, estreada pela Honda em 1988 com a primeira NT600 Revere, equipada com o motor da XL600V Transalp, significa New Touring. Abordagem pensada para quem procura eficácia e economia; performances e fiabilidade; conforto e facilidade; dimensões compactas com o máximo de capacidade de transporte. Proposta eficaz no lufa-lufa quotidiano como nas mais longas viagens transcontinentais. Prática em cidade, com facilidade de apoio dos pés no solo nas constantes paragens e grande agilidade, como estáveis nas mais rápidas e deslimitadas ‘autobahn’ alemãs.

Aprumada nas mais recurvadas estradas de montanha – como bem comprovamos no Parque Natural da Serra de Montsant, próximo de Tarragona – como fácil de levar nas nacionais cheias de camiões, ciclistas e outras chicanes móveis. E sempre com uma posição de condução intuitiva e confortável, além de um lugar passageiro que garante quilómetros de prazer a dois.

Mas, a essa análise, já lá vamos. Antes, falar do capítulo estético, com linhas que, de tão esguias e compactas, disfarçam a filosofia vincadamente turística. Imagem elegante, contrapondo grande sobriedade a uma agressividade que algumas vozes reclamam, sublinhada por três cores sofisticadas: preto Graphite, branco-pérola Glare e cinza metálico Matt Iridium.

Inspiração em scooter ‘best-seller

É certo que gostos não se discutem, mas, com um design diferenciado e assumidamente inspirado na X-Adv 750, não vai passar despercebida na estrada. Sobretudo por força de uma iluminação dianteira que parece ser assinatura exclusiva da nova linha turística da marca da asa dourada. E uma coisa é certa: se a aventureira scooter é o modelo da Honda mais vendido em toda a Europa, torna-se difícil acreditar que milhares de motociclistas estão errados. Ou, no mínimo, alheados de questões estéticas. Até porque, convém recordar, as formas da NT1100, nasceram na Europa, através do lápis de Valerio Aiello, do centro de pesquisa e desenvolvimento em Roma. Quem não se lembra da CB4-X Concept desvendada na edição de 2019 do Salão de Milão?…

Tudo a pensar no preenchimento de espaço deixado em aberto pela saída das linhas de montagem das Deauville ou Pan-European, criando uma lacuna entre a CB500X e, sobretudo, a NC750X e a majestosa GoldWing. E que, apesar de várias rivais em termos de preço ou cilindrada, a verdade é que, uma vez mais, a Honda ousa marcar o rumo, mostrando uma Nova Trajetória turística. Afinal podemos colocar-lhe várias concorrentes no caminho (Yamaha Tracer9, Kawasaki Versys 1000, BMW F900XR ou Ducati Multistrada 950) mas a verdade é que nenhuma delas tem exatamente a mesma filosofia. E o leque de turísticas GT, da Kawasaki Z1000 SX à BMW R1200RT, está noutro patamar de potência, equipamento e preço, além de uma menor versatilidade face à nova moto produzida na unidade fabril de Kumamoto, no sudoeste do Japão.

E ao sétimo dia… o conforto

Habituado a trocar de moto (quase…) como quem troca de camisa, por força da trabalhosa ocupação de piloto de testes na procura das melhores propostas, das mais adaptadas a cada motociclista, é sempre curioso guardar na memória os primeiros momentos de contacto com cada novo modelo. Com a Honda raramente há surpresas e, regra geral, todos encaixam na perfeição, sentindo aquela moto como se fosse minha desde sempre.

O mesmo se passou com a NT1100, muito fácil de montar, com uma altura do banco ao solo (820 mm) que permite a fácil colocação dos pés a todos os condutores com um metro e setenta. Banco com perfil mais estreito na parte dianteira, mas com ampla superfície para trás e bom apoio lombar, que favorece um encaixe perfeito das pernas no depósito, colocando o condutor bem dentro da NT. Bem encaixado e com uma posição de condução de costas bastante direitas, atirada apenas um nadinha mais para a frente (10º) do que a Africa Twin, tempo para validar uma proteção aerodinâmica que nos foi apresentada como “fabulosa”. O que, olhando para a frente razoavelmente esguia e um ecrã de dimensões comedidas, gerou alguns olhares de soslaio e duvidosos enrugar das sobrancelhas.

Enfrentar, sem medo, frio e chuva

Dúvidas estilhaças desde os primeiros quilómetros de um dia que começou com 4.º centígrados de temperatura ambiente e que nunca viu o termómetro passar acima dos 12º. Em autoestrada, com o ecrã na posição mais alta das cinco possíveis, a proteção é tão eficaz que é possível circular no limite de velocidade com o capacete modular em posição aberta sem sentir qualquer pressão acrescida na cabeça. Nem sequer na parte posterior dos ombros graças à passagem de ar no ecrã que desvia a pressão bem para trás do condutor. Excelente é também a proteção para as mãos e pés, com os defletores montados de origem a evitarem o incómodo do frio nas mãos (embora os superiores apresentam algumas vibrações que deixam no ar a dúvida da resistência com o passar do tempo) e dos pés. Isto apesar do equipamento quase primaveril que, propositadamente, utilizei para este teste. E para os mais friorentos, os punhos oferecem, de série, cinco níveis de aquecimento, com uma potência máxima que deverá ser utilizada apenas na viagem para a invernal Concentração dos Pinguins.

É de bom tom sublinhar aqui que o ecrã é ajustável manualmente, variando em altura (até 164 mm) e em ângulo de inclinação, mas apenas com a moto parada. Tudo por uma questão de segurança.

Duas notas ainda sobre o posto de comando. Quando colocado na posição mais baixa, o ecrã atira o vento para a cabeça sem que seja exageradamente incomodativo, mas revelou-se bem mais prático na circulação em cidade. Por outro lado, o saco de depósito de 4,5 litros de capacidade existente na LISTA DE ACESSÓRIOS, prático para transportar telemóvel, a carteira, o identificador da Via Verde ou outros objetos, não incomoda minimamente a condução, ficando afastado do guiador mesmo nas manobras mais apertadas.

Regresso turístico

Voltemos ao Ernesto. E às necessidades de quem não pára de viajar pelas mais recônditas estradas e estradinhas do País e do estrangeiro, mas com muitas incursões nas grandes cidades. As malas laterais, montadas de série, são razoavelmente estreitas, sem que tal represente menor capacidade de carga. São 65 litros no total 33 no lado esquerdo e apenas menos 1 L no lado direito por força do escape. Que, por estar em posição baixa e bastante mais horizontal face à Africa Twin, não rouba tanto espaço à mala direita e garante ainda mais espaço para as pernas do passageiro. Quanto à largura do conjunto, exatamente 901 mm, tem apenas mais 60 mm do que o guiador. Ou seja, mais 3 centímetros para cada lado, medida que os técnicos japoneses reconhecem como a margem de segurança que os condutores deixam ao passar em zonas mais estreitas ou entre carros. Malas cuja configuração e posicionamento garante pouca interferência na passagem das pernas do condutor no momento de montar a NT1100 ou na subida do/a passageiro/a.

Já que por aqui andamos, falar da utilização a dois. O condutor tem uma excelente posição de condução, é certo, com boa proteção aerodinâmica e um banco confortável. Mas, neste capítulo, o passageiro vai mais bem servido. Acabaram-se as desculpas das esposas e namoradas que passam a vida a reclamar do conforto. De série, o lugar posterior é muito agradável, com banco com 60 mm de espessura de espuma, oferecendo ainda amplas pegas para as mãos e bom espaço para as pernas. O que pode ainda ser melhorado com o Pack Comfort ou Tourer, contemplando banco ainda mais confortável (mais 15 mm de espessura e material mais macio) e poisa-pés mais largos e com cobertura de borracha. Além de que, com a gigantesca mala de 50 litros vem o encosto para as costas, para uma viagem em classe executiva. Acessórios desenvolvidos e produzidos na fábrica da SHAD, bem perto das instalações Honda Ibérica.

Um verdadeiro compasso… como no ciclismo

Voltemos à estrada. E aproveitemos as estradinhas na zona vitivinícola de Denominação de Origem Protegida (DOP) de Montsant para aferir a facilidade de colocação em curva e da grande precisão em curva. Algo que o Ernesto, como fervoroso adepto do ciclismo e praticante de longa data, poderá tirar o máximo partido, habituado que está a aprimorar milimetricamente cada trajetória. Mais do que traçar linhas com régua e esquadro, a NT1100 é autêntico compasso na hora de curvar.

Salta de curva em curva de forma fácil, juntando a bem conhecida compostura da Africa Twin às rodas de 17 polegadas em alumínio fundido em moldes de areia para maior leveza. Garantia de grande precisão de trajetória e muita facilidade nas mudanças de direção. Um verdadeiro regalo! Por outro lado, como qualquer ciclista que se preze, a utilização dos travões deve ser parcimoniosa. Apenas o imprescindível para abordar cada curva. Potência q.b. numa dianteira que brilha, sobretudo, pela progressividade. Talvez em demasia para quem quiser adotar um ritmo mais desportivo do que a filosofia realmente turística aconselha. Para os adeptos de condução mais viva, mais despachada, tentando aproveitar cada metro de asfalto, a mudança de pastilhas será suficiente para aumentar a sensação de mordacidade, para ajudar a ganhar aquele metro extra antes de cada curva… Como se isso fosse importante numa moto de passeio, numa turística assumida. Pffff….

Ahhh… E como não tem a unidade de medição inercial (IMU) instalado na última atualização da Africa Twin também não tem, nem poderia por isso mesmo ter, a função de Cornering ABS. Modulação da travagem em situações de curva, ajustando a pressão à inclinação para melhor controlo da roda dianteira em situações extremas, cuja ausência nunca se sentiu ao longo de um dia de condução intensa. Mesmo se todos reconhecem a mais-valia deste elemento de segurança!

Já agora, vai mais uma aposta? Dentro de dois ou três anos, quando a Honda decidir lançar versão mais evoluída da NT1100, deverão aparecer os gadgets que são argumentos de vendas imprescindíveis para outros modelos. Do Cornering ABS ao ecrã ajustável eletricamente passando pelo amortecimento controlado eletronicamente. Para já, o equilíbrio do modelo e o preço competitivo são motivos suficientes para abdicar desses atrativos tecnológicos. O Ernesto agradece!

Uma turística com transmissão por corrente?

A lista de agradecimentos deve prolongar-se ao descanso central, de série, tal como o ‘cruise-control’ e os punhos aquecidos. Pormenores de uma grandeza reconhecida e agradecida pelos viajantes para quem a transmissão por cardã pode até nem ser condição ‘sine qua non’ no momento da aquisição da próxima companheira de estrada. Afinal, o mercado disponibiliza tantos sistemas de lubrificação tipo Scottoiler, capaz de multiplicar por 5 ou 6 a durabilidade de uma tradicional corrente de transmissão… Além da óbvia vantagem da ausência de reações estranhas em aceleração e, sobretudo, em desaceleração, bem como o menor peso do conjunto e a simplicidade mecânica.

Outro pormenor que os maldizentes vão gostar centra-se no amortecimento. Não tem regulação eletrónica!! Ó escândalo, tamanha indignação… Tanto mais que até a Africa Twin oferece esse trunfo de modernidade. Na verdade as suspensões oriundas da Showa, com 150 mm de curso em ambos os eixos, revelaram-se de boa colheita. Na dianteira, a forqueta invertida tipo Big Piston Fork, de 43 mm de diâmetro, ofereceu um feeling muito direto da estrada, com uma capacidade de leitura de tal modo elevada que evitou alguns contratempos.

No asfalto frio, muito frio mesmo, os pneus Metzeler Roadtec 01 demoravam algum tempo a atingir uma boa temperatura de funcionamento e as escorregadelas da dianteira eram facilmente percebidas a tempo de evitar males maiores. E a nível de conforto, mesmo sem utilizar a possibilidade de regulação em pré-carga (20 posições), mostrou-se em bom patamar. Se há melhor no mercado? Sem dúvida que sim, custa é quase o dobro!

O mesmo na traseira, onde o monoamortecedor permite fácil ajuste da pré-carga do sistema hidráulico (30 posições) através de um manípulo de fácil acesso. E, aqui sim, faz sentido mexer neste controlo remoto para melhor adaptação às condições de carga. Algo que não pudemos testar (sempre sozinhos e sem carga a bordo!) mas que o Ernesto vai utilizar muito.

Contributos importantes para o elevado nível de qualidade de vida a bordo, que nem algumas vibrações que se fazem sentir no poisa-pés prejudicam de forma sensível.

DCT. Rendidos à facilidade

Mas há mais coisas que apontam a NT1100 como a próxima moto do Ernesto. E de outros motociclistas com alma turística e espírito prático. Uma delas é a possibilidade de opção pela refinada transmissão de dupla embraiagem, o DCT – Dual Clutch Transmission, agora com as duas primeiras relações ainda mais suaves. Os 1000 euros e 10 kg a mais em relação à versão de transmissão manual são facilmente justificados pela comodidade do sistema que, desde que apareceu em 2009 na VFR1200 F já cativou mais de 200 mil utilizadores. E que, depois das minhas dúvidas em relação ao sistema aquando da primeira versão, a verdade é que a evolução colocou esta tecnologia num patamar de eficácia, conforto e segurança muito elevado.

Ok, o modo D (drive) é demasiado tranquilo e servirá essencialmente para garantir máxima economia nas viagens mais longas em autoestradas ou vias rápidas. As relações entram demasiado cedo nas rotações, levando a que o motor chegue a bater quando desaceleramos e enquanto não entra a velocidade abaixo. O melhor mesmo, até em cidade, é optar por um dos três níveis S que vão proporcionando uma troca de caixa em regimes sucessivamente mais elevados. A engrenagem é rápida e, em qualquer um dos modos é possível, através de duas patilhas colocadas entre o polegar e indicador esquerdos, fazer uso da passagem manual de caixa em situações específicas. Como na chegada demasiado rápida a uma curva ou para facilitar uma ultrapassagem.

E funciona tão bem que 53% dos clientes Honda em 2020 já optaram pelas versões DCT face às transmissões convencionais. O Ernesto é, neste particular, a prova provada de que o DCT primeiro estranha-se, depois entranha-se… Já não se vê a utilizar o pé esquerdo para trocar de caixa.

Economia vs eletrónica

Claro que nem todos os motociclistas são como Ernesto e se ele dará mais valor ao depósito de 20,4 litros e um consumo anunciado de 5 L/100 km, com uma autonomia a chegar aos 400 km, ou à brecagem que permite dar a volta, sem manobras, em qualquer estrada nacional, outros destacarão os diversos trunfos eletrónicos. Como a possibilidade de ligação através de Bluetooth ao smartphone, seja iOS/iPhone (com o AppleCar Pay) ou Android (Android Auto), para ouvir música, receber e fazer chamadas ou ler mensagens, procurar o melhor caminho para um restaurante ou descobrir a bomba de gasolina mais próxima. Parafernália de informações que pode ser controlada através do painel táctil TFT de 6,5” e gerida pelos comandos junto aos punhos esquerdo (a maioria) e direito.

Pena que os interruptores e seletores nem sempre sejam de uso intuitivo, obrigando a longo período de aprendizagem e habituação, além dum posicionamento gerador de alguns erros. Sobretudo com luvas mais espessas (ou se tiver dedos mais grossos) será normal buzinar ao tentar dar pisca e vice-versa. E também terá de habituar-se para não meter uma velocidade acima ao tentar fazer sinal de luzes…

Deixando explicações técnicas para os adeptos dos números, que podem descobrir AQUI mais sobre as mudanças no motor da NT1100, o Ernesto Brochado vai seguramente elogiar o ESS (Emergency Stop Signal) que aciona os 4 piscas em caso de travagem muito forte. Claro que, quem for atrás dele, raramente verá o sistema ser ativado porque é um rapaz muito poupado nas pastilhas… Mas se virem acender, então é porque é mesmo uma situação muito perigosa!

E vai também apreciar o preço de 14.100 € pela versão manual (15.100 € pela DCT), incluindo de série, malas laterais, descanso central, punhos aquecidos, defletores aerodinâmicos, controlo de tração HSTC, anti cavalinho, 5 modos de motor, iluminação full LED e DRL, tomadas USB e de 12V, indicador de travagem de emergência e piscas com auto cancelamento. Tanto mais que, como comprovamos nos primeiros 250 quilómetros feitos com a NT1100, suavidade, facilidade, conforto e versatilidade são trunfos de moto que se mostrou muito agradável de conduzir, em autoestrada como nas mais sinuosas estradas de montanha. E que deixou uma enorme vontade de partir de férias… E com a certeza de que esta será a moto que vou levar no próximo Portugal de Lés-a-Lés!

Para terminar, assista ao vídeo:

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