Honda CB750 Hornet. Heresia ou paradoxo?
Autor: Paulo Ribeiro
Novembro 29, 2022
Herdeira de um forte reinado entre as ‘naked’, a nova Honda CB750 Hornet despertou muita discussão desde o primeiro momento. Estaria o respeitado nome criado em 1998 posto em causa? Seria o modelo agora dotado de motor de dois cilindros paralelos capaz de cumprir as expetativas de quem sonhava com um quatro-em-linha? Como se enquadraria…

Herdeira de um forte reinado entre as ‘naked’, a nova Honda CB750 Hornet despertou muita discussão desde o primeiro momento. Estaria o respeitado nome criado em 1998 posto em causa? Seria o modelo agora dotado de motor de dois cilindros paralelos capaz de cumprir as expetativas de quem sonhava com um quatro-em-linha? Como se enquadraria num meio onde não faltam propostas agressivas vindas de todos os quadrantes? Afinal, uma heresia ou paradoxo?

- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Honda/Zep Gori e Ciro Meggiolaro
A recuperação de nomes míticos da história do motociclismo é uma aposta sempre complicada. Um verdadeiro pau de dois bicos para as marcas que procuram a associação de novos modelos a conceitos ganhadores. Sendo uma importantíssima ferramenta de marketing cria, por outro lado, acrescida responsabilidade. Há que respeitar a história e, de preferência, suplantar os antecessores. Nunca por nunca ficar atrás, porque isso pode ser fatal para as aspirações comerciais.

No caso da Honda CB750 Hornet, bastaram as primeiras imagens e informações para logo se levantarem vozes acusatórias de absoluta heresia. Que o modelo desvendado no Salão de Colónia pouco ou nada tinha a ver com o conceito original. Além de que, Hornet sempre foi sinónimo de motores de quatro cilindros em linha, arquitetura que cimentou fama e o proveito desde 1998. Verdadeiros inquisidores dos tempos modernos que, incrédulos, antecipavam o novo lançamento como que pouco mais do uma evolução da família CB500. Será que tinham alguma razão perante o que julgavam ser um perfeito contrassenso?
Imagem dos tempos modernos
Comecemos esta demanda de respostas pela questão estética. A imagem, mais aligeirada e elegante, não representa, apesar de uma década desde o lançamento da anterior versão, uma rotura absoluta. Mantêm-se traços identificativos, desde o farol até à seção traseira passando pelo depósito, embora clara e naturalmente modernizados. Linhas acutilantes, projetadas para diante, criando forte sensação de dinamismo que, ao vivo, calam muitas das críticas iniciais. Talvez pudesse ser mais ousada, mais atrevida, mas isto da imagem nunca foi capaz de agradar a gregos e troianos.
Estudos estilísticos desenvolvidos no departamento R&D de Roma, confirmando particular atenção posta nos gostos do mercado europeu. E que criaram máquina compacta, com linhas gerais modernas e agradáveis e detalhes que revelam origens familiares. Como é o caso mais notório da traseira, com passagens de ar junto ao banco, de óbvia inspiração na CB500.
Obviamente, o respeito por tamanho legado não podia resumir-se à questão estética e necessitava mais pontos de absoluta congruência. Como a facilidade de utilização que é, sublinhe-se, tipicamente Honda. O banco é particularmente acessível, juntando uma altura reduzida (795 mm) a um formato muito delgado na ligação ao depósito. Assim, os pés chegam mais facilmente ao solo sem que tal tenha repercussões negativas no conforto.

Além disso, os poisa-pés ligeiramente deslocados para trás, permitem uma posição confortável em todos os momentos, em cidade como em estrada. E com a vantagem de permitir curvar sem a preocupação de roçar os poisa-pés. E ao atirar ligeiramente o corpo para diante, cria um melhor equilíbrio em andamentos mais despachados, contrariando de forma natural a pressão aerodinâmica ao tronco. Em suma, linhas acutilantes, bem dentro do registo ‘street-fighter’ que a Honda CB750 Hornet persegue, seguindo afinal a filosofia que esteve na base da mais desportiva versão Hornet de 2007 cujo teste pode ler aqui.
Facilidade em todos os quadrantes
Uma posição de condução intuitiva, apoiada num guiador que, num primeiro momento, parece algo estreito (mas já lá vamos…) e que é condizente com os comandos. Completos, mas nada complexos graças à boa arrumação junto ao polegar esquerdo, e com um botão satélite de 4 eixos. Que permite o controlo do painel TFT de 5 polegadas, oferecedor de 4 configurações de visualização e várias possibilidades de ajuste. Bem como, claro está, da gestão de todas as funções do motor. Oferece boa visibilidade e está muito bem aconchegado no painel frontal, criando uma espécie de spoiler aerodinâmico.
Atentemos ainda em alguns pormenores que, não prejudicando o desempenho, poderiam ser mais cuidados. Claro que o competitivo preço com que a Honda pretendia dotar a nova Hornet teve grande peso. Mas o pedal de travão com aspeto ‘vintage’ ou a manete de embraiagem sem regulação prática da distância ao punho são pontos menos positivos. Aliás, pouco condizentes com a qualidade geral da pintura, das soldaduras ou dos plásticos. Ou dos piscas em LED, do banco e do sistema de travagem Nissin com pinças radiais.
A mesma alma em metade do ‘corpo’
Mas, mais do que o design ou o nível de equipamento, é pelo motor que a Honda CB750 Hornet começa a destacar-se. Não é um quatro-em-linha, mas é um bicilindro paralelo, completamente novo e com garantias de grande diversão. Antes de tudo pelo simples facto de, com 2,08 cavalos por quilo, disponibilizar a melhor relação peso/potência da categoria.

Afinal trata-se de um bloco criado de raiz e que terá outros usos, a começar pela nova Transalp, com medidas internas que favorecem a disponibilidade dos regimes mais elevados. Muito cheio em baixas, permite rodar tranquilamente a partir das 1500 rotações por minuto, excelente em cidade, sem hesitações ou batidelas. Em seguida com ajuda do acelerador eletrónico, aumentar de ritmo com toda a suavidade, aproveitando a pujança nos regimes intermédios e deixando uma surpresa para o topo da rotação.
É que, depois de atingir o pico de binário (75 Nm às 7250 rpm) e à medida que se aproxima do ‘red-line’ (10.000 rpm) muda de tom. Então passa a oferecer uma sonoridade metálica, mais excitante, condizente com uma significativa descarga de adrenalina. Momento em que o pico de potência, de 91 cv, às 9500 rpm extraídos dos 755 cc do motor da Hornet a tornam divertida e sempre disponível, sem exagerada exigência em termos de experiência ou dotes de condução. A facilidade é um dos pontos principais e o novo motor dá um importante contributo nesse sentido. A progressividade é excelente e não falta força independentemente da rotação.
A partir de uma folha em branco
Características que merecem um olhar mais atento. A começar pelas cotas internas dos cilindros, com apenas 63,5 mm de curso para um diâmetro de 87 mm em cada pistão. O que, graças à capacidade em fazer rotação, abona em favor de uma grande alma em altas, mas também em acelerações fortes. Depois há a distribuição, sendo a primeira vez que a tecnologia Unicam é utilizada em motores com mais de um cilindro, depois da estreia nas CRF 450 de motocrosse e do Dakar. E que ajudou a conceber uma cabeça de motor mais simples e fiável, mas, sobretudo, mais compacta.
Assim foi possível criar um ‘layout’ mais vertical das válvulas, favorecendo a abertura ao mesmo tempo que permitiu um fluxo entrada de ar mais linear até à câmara de combustão. Em português, é assim garantida uma melhor capacidade de admissão da mistura ar/gasolina, aumentando a eficácia da combustão e, por inerência, da própria aceleração
Claro que não podemos destacar nesta equação as condutas de entrada de ar, na parte frontal da moto. Elementos que, graças a um desenho engenhoso, mas simples, criam um efeito de vórtice, contribuindo para maior eficiência no enchimento dos cilindros. E, assim, conseguindo uma resposta mais eficaz, sobretudo nas subidas de rotação.
Orquestra musical sem instrumentos especiais
Além de uma ampla franja de utilização e uma entrega de potência forte mas linear, este motor destaca-se ainda por uma sonoridade vincada. Que começa com notas mais graves nos regimes baixos para logo revelar um registo mais agudo e metálico à medida que se acelera. E isto sem qualquer válvula de escape ou sistema de acústico. Antes como simples resultado das pulsações do motor, enviadas através de um escape de desenho muito simples para maior fluidez dos gases. Uma nota neste ponto para evidenciar que o próprio som do escape ajuda a moldar a atitude de condução, independentemente do modo de motor utilizado.

E são três os modos pré-definidos (Rain, Standard e Sport) com intervenção ao nível da entrega de potência, mas também do efeito de travão motor e do controlo de tração HSTC. Que mostram diferenças bem notórias, para uma fácil adaptação às condições de circulação e estado de espírito do condutor. Claro que, num dia de maiores dúvidas existenciais ou com desejo de um controlo absoluto da máquina, pode sempre intervir a seu gosto em todos os parâmetros através do modo User. Podendo mesmo desligar o sistema Honda Selectable Torque Control que desativa o anti-cavalinho que tem associado.
A mudança de carácter é evidente, sendo o Standard perfeitamente adequado a mais de 90% das situações de utilização. A entrega de potência está no nível intermédio, garantindo acelerações fortes, mas sem sustos no arranque ou ao rodar o punho direito a fundo. Também o motor apresentará uma reação menos brusca nas desacelerações, sem prender tanto, e o controlo de tração fica menos intrusivo. Posicionamento intermédio que pode ser alterado para condução mais desportiva (potência entregue com maior vivacidade, menor efeito de travão motor e menor intervenção do controlo de tração) ou ao contrário, recorrendo ao modo Rain.
Suavidade na ponta dos dedos… e dos pés
Modos que permitirão escolher o comportamento da Honda CB750 Hornet em função do estado de espírito, embora, em caso algum, seja posta em causa a facilidade. Do mesmo modo, algo que nunca levantará dúvidas é a suavidade da embraiagem. Que apresenta função deslizante e com assistência que permite utilização com apenas um dedo. O desenho do material de atrito dos discos, de forma oblíqua, autoriza reduções mais vigorosas sem que a roda traseira bloqueie e saltite. Desta forma, aumenta a eficácia dinâmica, podendo reduzir mais tarde e de forma quase sequencial, bem como a segurança.

Para os de espírito mais racing, a Honda propõe a montagem de sistema ‘quick-shifter’ disponibilizado na lista de acessórios. Fica a ganhar a rapidez de acionamento da bem escalonada caixa de seis velocidades, sobretudo nas três últimas relações. Em cidade e/ou em ritmos mais pacatos, o sistema convencional é mais do que suficiente, pela suavidade e precisão que o seletor apresenta.
Suavidade e eficácia são também palavras de ordem quando se fala na ciclística. O quadro, criado a partir de uma folha em branco, brilha pelas dimensões compactas e um peso muito reduzido. É que, com apenas 16,6 kg, fica abaixo mesmo da CB650R e da CB500F! Estrutura em tubo de aço de espessura variável, sendo mais grosso nos locais de maior stress para ganhar umas gramas nos pontos em que não faz falta tanta resistência. Tudo somado, o resultado excede as expetativas, perante uma ciclística que permite condução extremamente intuitiva, com os joelhos (bem encaixados no depósito) e com os pés, colocados em posição ligeiramente recuada.
Conforto. Na cidade como nas serras…
A grande facilidade na inserção em curva como nas mudanças de direção, mesmo nas mais rápidas, dispensando grande parte do efeito de alavanca permitiu utilizar (percebem agora?…) um guiador mais estreito. Com resultados positivos em termos de mobilidade urbana, entre os carros, e conforto em estrada, com menor pressão aerodinâmica nos braços.
Conforto é algo que é oferecido também pelo sistema de amortecimento Showa, com uma forqueta invertida de funções separadas (SFF-BP) – compressão hidráulica na bainha esquerda e extensão de mola na direita – e pelo monoamortecedor. Que, ao contrário do elemento dianteiro, oferece a possibilidade de ajuste em pré-carga. Confortável, precisa e suficiente em ritmos normais, revelou naturais limitações apenas quando a velocidade excedeu o bom senso face a uma estrada que aconselhava mais serenidade. Nota-se, nestas circunstâncias, um retorno mais lento do que o desejável, obrigando a maior esforço para manter a trajetória delineada. Mas a aposta num preço final competitivo aconselhou uma solução mais espartana e claramente suficiente em utilização normal. Além de que ajuda à excelente facilidade a curvar e a uma agilidade referencial no segmento.


Também a travagem é nova referência entre as ‘naked’ de média cilindrada e preço competitivo. Simplesmente excelente em termos de potência – parece mesmo uma superbike! – revela, em simultâneo, uma enorme facilidade de controlo. A sensação de desaceleração surge logo no primeiro toque dos dedos sendo depois muito progressiva. De tal forma que permite prolongar a travagem até meio da curva, graças a um controlo muito preciso.
Segurança para todos
Componente que é garantia de segurança para o condutor da Honda CB750 Hornet bem como para os restantes utilizadores da estrada. É que, ao travar realmente forte quando a velocidade é superior a 56 km/h, acendem-se os quatro piscas. Alerta que pode ser desligado no painel, tal como o cancelamento automático dos indicadores de mudança de direção. Que podem desligar-se automaticamente após a manobra, com algoritmo que junta a distância percorrida e a diferença de velocidade entre as duas rodas.
Eletrónica a que se junta o Honda Smartphone Voice Control que, com conetividade por Bluetooth e a app Honda RideSync (para iOS e Android) permite controlar a navegação, mas também chamadas telefónicas, SMS e música.




Nível de sofisticação eletrónica que não deixa de ser elevado para uma moto que, em Portugal, vai custar 7800 €. Estará à venda no início de 2023 em preto Graphite, Branco Pearl Glare, ambas com quadro e forquilha em vermelho anodizado, além do cinzento Iridium Mettalic e amarelo Goldfinch, estas com quadro preto e suspensão cinza.
Acessórios e uma questão final
Altura para perceber o real valor da Honda CB750 Hornet que, na quarta geração, mantém inalterados os valores de rapidez, agilidade e diversão que brilharam em 1998. Além da facilidade e versatilidade que pode ser reforçada com a completa lista de acessórios que podem ser reunidos em 3 packs. O pacote Sport inclui ‘quick-shifter’ bidirecional (igual à CBR1000RR Fireblade, ecrã fumado, tampa do banco do passageiro e poisa-pés maquinados. Já a versão mais estilizada engloba contrapesos e fixação do guiador maquinados, proteção de depósito, ‘cogumelos’ no motor e tiras nas jantes. Os mais turísticos podem optar por pack composto por malas laterais semirrígidas, saco de depósito e saco para colocar sobre o banco do passageiro.











Afinal foi ou não um sacrilégio batizar a nova ‘naked’ de Honda CB750 Hornet? Eu tenho a opinião que, além deste texto, é expressa no vídeo que pode ver aqui, mas deixo a cada um a oportunidade de fundamentar a sua!
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